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A política fragmentada da crise dos refugiados na Síria põe em risco o futuro de milhões

A crise dos refugiados na Síria continuará a ser uma peça importante nas mãos dos países envolvidos militarmente e dos que acolhem refugiados. Quanto aos próprios refugiados, a precariedade domina as suas vidas e futuro. Permanecem as principais vítimas da luta pelo controlo da região. Artigo de Juline Beaujouan e Amjed Rasheed.
Refugiados sírios tentam entrar na Turquia. Abril de 2012. Foto de Andreas H. Landl/Flickr.
Refugiados sírios tentam entrar na Turquia. Abril de 2012. Foto de Andreas H. Landl/Flickr.

A província síria de Idlib, último reduto das forças anti-Assad, enfrentou ferozes combates nos últimos meses, enquanto o exército sírio, apoiado pela Rússia, pressionava para recuperar o território.

Entretanto, no noroeste da Síria, as pretensões expansionistas do presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, colocaram a Turquia em confronto direto com as forças de Assad em Idlib e exacerbaram as tensões com a Rússia. No início de março foi acordado um cessar-fogo, mas as tensões na região permanecem elevadas.

Em outubro de 2019, pouco antes da escalada militar em Idlib, o ataque turco às forças curdas no nordeste da Síria veio somar uma camada de complexidade ao conflito. Os recentes ataques contra os írios em Idlib levaram ao êxodo de aproximadamente um milhão de civis. Segundo a ONU, "foi o deslocamento de crescimento mais rápido" que alguma vez presenciaram na Síria.

Foram muitas as pessoas que fugiram para a Turquia, onde já se encontram a viver cerca de 3,5 milhões de refugiados sírios. A 29 de fevereiro, a Turquia abriu a sua fronteira com a Grécia, com o intuito aparente de pressionar a Europa a apoiar as suas operações em Idlib.

Lamentavelmente, essa onda de migração foi a mais recente fagulha na pior crise humanitária desde os horrores da Segunda Guerra Mundial. Ainda assim e apesar dos milhares agora presos na terra de ninguém na fronteira greco-turca, não foram derrubados os bloqueios nacionais e regionais que levariam ao fim do derramamento de sangue na Síria. Escrevemos sobre isso no nosso novo livro sobre a crise dos refugiados na Síria.

Inércia regional

Desde 2011, as consequências humanitárias da crise síria espalharam-se por vários países do Médio Oriente. Mas não houve uma resposta coletiva e regional - em grande parte por causa da fragmentação política e da luta pelo poder.

A inércia da Liga Árabe e do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) são um exemplo surpreendente desse fenómeno. As duas organizações têm falhado sistematicamente em fornecer respostas efetivas a questões regionais, como o conflito no Iémene e na Líbia, ou sobre a ascensão de grupos extremistas no Iraque e na Síria. A crise dos refugiados e a situação recente no noroeste da Síria não são exceções.

A Liga Árabe limitou o apoio aos esforços da comunidade internacional para mitigar o impacto da crise dos refugiados. Já as ações do CCG foram ofuscadas devido a uma cisão interna e pelo envolvimento do Qatar e da Arábia Saudita no conflito sírio. O resultado é que os países que acolheram os refugiados sírios são os que continuam a suportar a grande parte da responsabilidade na gestão humanitária da crise.

De alguma forma seria expectável que os países árabes se apresentassem mais solidários com uma crise que surgiu no seio das revoltas árabes. No entanto, à medida que a crise se prolongava, foi notável o distanciamento face ao povo sírio, mesmo nos países árabes que acolheram a maior parte dos refugiados da Síria, como a Jordânia e o Líbano

Na região do Médio Oriente, as fronteiras nacionais estabelecidas após a primeira guerra mundial são contestadas até hoje pelos movimentos pan-árabes, pan-islâmicos e pan-curdos. Porém, a crise dos refugiados na Síria revelou como essas fronteiras e identidades nacionais são fortes impulsionadores do ambiente político.
 

Uma crise politizada

A política dos refugiados da Jordânia e do Líbano foi moldada pela posição que tomaram face ao conflito sírio. O que começou como uma política de portas abertas, evoluiu, a partir de 2014, no sentido de impor restrições sobre a entrada e permanência de sírios nos dois países. Mas no início de 2016 a Jordânia e o Líbano começaram a cooperar com a comunidade internacional para mitigar a crise dos refugiados e, em 2018, começaram a incentivar ativamente o retorno de refugiados à Síria.

As elites dominantes do Líbano capitalizaram a crise humanitária ao retratar os refugiados sírios como uma ameaça à segurança. Os partidos políticos pró-Assad, tais como o Hezbollah e o Movimento Patriótico Livre, usaram essa narrativa para minar as forças políticas anti-Assad no Líbano, como o partido Movimento Futuro. Isso, por sua vez, criou um clima de urgência que encorajou o fluxo de ajuda externa na tentativa de trazer estabilidade para o país, mas cujo resultado alimentou a corrupção.

Os meios de comunicação social, patrocinados pelo governo, divulgaram uma dupla narrativa sobre a crise que moldou a perceção sobre os refugiados sírios na Jordânia e no Líbano. Se por um lado, esta narrativa tentou tranquilizar o povo libanês e criar um ambiente de normalidade, fomentando a solidariedade e fortalecendo a sociedade, por outro lado, o governo enquadrou a crise dos refugiados como uma emergência, cujo objetivo era convencer os doadores internacionais a canalizar a ajuda humanitária para o país. A nossa investigação levou-nos a concluir que foi a segunda narrativa que dominou, causando confusão entre libaneses e jordanos que reivindicaram sua respetiva fatia da ajuda externa.

Entre a espada e a parede

No Médio Oriente, entre um cenário regional fragmentado e a politização da crise ao nível regional e nacional, o futuro dos refugiados sírios permanece incerto. A Rússia ofereceu-se para facilitar o diálogo, entre os países anfitriões - principalmente o Líbano - e o regime de Assad, sobre o retorno das populações sírias. Mas as tensões diplomáticas entre a Síria e seus vizinhos, especialmente o Líbano e a Turquia, pode colocar em risco o processo de retorno dos refugiados ao país que se encontra a decorrer.

As mudanças demográficas iniciadas pelo governo turco para eliminar a presença curda ao longo da sua fronteira poderá ser outro obstáculo ao retorno seguro dos refugiados sírios.

O futuro dos repatriados também é comprometido pelas políticas do regime de Assad contra aqueles que participaram da revolta, os que não responderam ao recrutamento durante a guerra ou aos proprietários de terras em antigas áreas controladas por rebeldes.

A crise dos refugiados na Síria continuará a ser uma peça importante, tanto nas mãos dos países envolvidos militarmente no conflito como nos que acolhem refugiados. Quanto aos próprios refugiados sírios, a precariedade domina as suas vidas, os seus direitos e o seu futuro. Estes permanecem as principais vítimas da luta pelo controlo da região.
 

Artigo de Juline Beaujouan e Amjed Rasheed publicado no The Conversation a 10 de março de 2020.

Juline Beaujouan é investigadora no Political Settlements Research Programme da Universidade de Edimburgo.

Amjed Rasheed é investigador da School of Government and International Affairs da Universidade de Durham.

Tradução de Luís Santos.

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