Nordstream, o gasoduto símbolo da dependência energética e das portas giratórias

27 de February 2022 - 12:32

Gerard Schröder, o antigo chanceler do SPD, decidiu a construção do gasoduto entre a Rússia e Alemanha e depois passou a presidente da comissão de acionistas da empresa que o gere. A sua responsabilidade no negócio e a sua posição sobre a guerra está a gerar indignação.

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Putin com Schröder. Foto de Dmitry Avdeev/Wikimedia Commons.
Putin com Schröder. Foto de Dmitry Avdeev/Wikimedia Commons.

Na Alemanha, a situação na Ucrânia tem gerado um debate aceso sobre a dependência energética do país relativamente ao gás russo. Uma dependência acrescida com a dimensão ambiental que ganhou centralidade com o passar dos anos. O carvão deixou de ser opção por ser altamente poluente, o nuclear está a ser abandonado depois do acidente de Fukushima por razões de segurança e o gás russo ganhou assim preponderância enquanto não for substituído por fontes de energia “mais limpas”.

No centro deste debate ficaram os dois gasodutos Nordstream que permitem abastecer o país através do mar Báltico sem passar por solo ucraniano. O Nordstream, liderado pela empresa de maioria pública russa Gazprom, é o maior gasoduto subaquático do mundo, atravessando 1.224 quilómetros. O primeiro dos dois foi inaugurado em 2011 e faz chegar 55 mil milhões de metros cúbicos de gás por ano à Alemanha. O segundo ficou terminado este ano e estava em processo de licenciamento final para poder começar a operar quando a tensão se agudizou. Processo entretanto suspenso.

Figura central na história dos gasodutos Nordstream, o ex-chanceler Gerhard Schröder ficou sob ataque de todos os lados do espetro político. Tanto que fez esquecer as responsabilidades da sua sucessora Angela Merkel que decidiu a construção do segundo gasoduto.

Como recorda o Deutsche Welle, Schröder assinou, junto com Putin, dez dias antes de perder as eleições, o acordo para realizar a empreitada. E, poucos dias passados, passou a integrar a direção da empresa Nordstream de que é ainda hoje presidente da comissão de acionistas. No início do mês, a ligação parecia ir consolidar-se ainda mais com o político germânico a ser aprovado como candidato à administração da própria Gazprom.

Fruto de uma muito badalada amizade com o presidente russo, o ex-dirigente dos Sociais Democratas alemães ficou assim a ganhar com o processo que decidiu implementar num caso típico daquilo a que se têm chamado as “portas giratórias” entre a política e as grandes empresas. Quem também ficou a ganhar foi indiscutivelmente a Rússia, encontrando uma via rápida para exportar o gás sem ter de pagar taxas de transporte à Ucrânia, Bielorrússia, Polónia e países bálticos. Do lado da Alemanha, não faltaram então comentadores e especialistas a dizer que estas trocas com a Rússia aumentariam a cooperação, incentivariam a paz, beneficiariam todos.

Passados 17 anos, o caso mudou de figura com a guerra. A indignação voltou-se contra Schröder que, antes da invasão da Ucrânia, tomava claramente o lado do “puro democrata” Putin à medida que este acumulava tropas nas fronteiras, acusando o governo ucraniano de estar a provocar a Rússia com “o barulho de botas”. Depois da incursão russa em território ucraniano começou a tentar emendar a mão, dizendo na sua conta de LinkedIn que “a guerra e o sofrimento da população ucraniana devem cessar”. Mas a sua fidelidade não mudou. Continua a minimizar a situação considerando que “houve muitos erros. Dos dois lados”. E avisa contra os efeitos das sanções: “deve-se agora tomar cuidado no caso de sanções necessárias para não cortar completamente os demais laços políticos, económicos e da sociedade civil que existem entre a Europa e a Rússia”.

E no centro da política alemã, altos responsáveis passaram a ser críticos do Nordstream. O Liberation destaca as intervenções recentes do líder dos Verdes e atual ministro da Economia e do Clima, Robert Habeck, que diz que o Nordstream “nunca deveria ter sido construído” e, do lado oposto do espetro político, de Annegret Kramp-Karrenbauer, ex-ministra da Defesa do governo de Merkel que revela uma “cólera sem limites” por “nada ter sido feito para dissuadir Putin” ao longo dos tempos, o que terá representado “uma derrota histórica”.

O caso tomou ainda de assalto o partido que Schröder dirigiu e que agora lidera a coligação no governo. No SPD, há federações a exigir-lhe que abandone os cargos nas empresas russas, há secções de juventude a exigir a sua expulsão e figuras destacadas que lhe eram próximas a demarcar-se. Gesine Schwan, que foi por duas vezes candidata a presidente da República em nome do SPD diz que a atitude do ex-chanceler “face às vítimas da Ucrânia e ao seu próprio partido tornou-se insuportável”, classificando-o de “lóbista em benefício de um agressor belicoso”.