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E quando a Covid-19 entrar nos campos de refugiados da Grécia? ONG temem o pior

Em Malakassa, Serres e Lesbos, os centros de detenção de refugiados estão sobrelotados e com más condições sanitárias. Nenhum dos campos está minimamente preparado para enfrentar a pandemia, denunciam as organizações que dão apoio aos refugiados.
Criança migrante num campo em Lesbos. Janeiro de 2016.
Criança migrante num campo em Lesbos. Janeiro de 2016. Foto de Mstyslav Chernov/Wikimedia commons.

As Organizações Não Governamentais que apoiam os refugiados no terreno são unânimes: os campos de refugiados, nomeadamente os situados na Grécia, não têm o mínimo de condições para proteger as pessoas que neles vivem do surto de Covid-19.

Esta terça-feira, a Human Rights Watch acusou as autoridades gregas de deter arbitrariamente cerca de dois mil migrantes e requerentes de asilo em “condições inaceitáveis” em dois dos recentemente construídos centros de detenção da Grécia continental.

As autoridades alegam que estão a colocar os recém-chegados, onde se incluem “crianças, pessoas portadoras de deficiência, idosos e mulheres grávidas”, em quarentena. Mas a HRW realça a “ausência das mais básicas precauções sanitárias” o que “provavelmente ajudará à disseminação do vírus.

Belkis Wille, investigador da HRW pensa que se o governo grego quer demonstrar que a prevenção da Covid-19 é “a sério”, então deve “aumentar os testes, providenciar mais tendas, dar às pessoas casas de banho, água e sabão suficientes e fazer intervenções preventivas”. Para ele, “forçar as pessoas, algumas das quais estão em risco elevado de contrair doenças graves ou de morrer, a viver confinados sem condições sanitárias e com sujidade, amontoados e dormitórios sem distanciamento, é uma receita para espalhar o vírus, já para não dizer que é degradante e desumano”.

A HRW acrescenta que as autoridades gregas não têm em conta se os lugares de onde estas pessoas chegam são considerados de maior ou menor risco e que a sua detenção não é uma quarentena uma vez que se prolonga para além dos 14 dias recomendados pelas autoridades de saúde mundiais. Assim, e dado que os migrantes não podem voltar para as suas zonas de origem, dada a interdição de deslocações, “não há nenhuma justificação legal para a sua detenção prolongada”.

Malakassa e Serres, dois novos campos sem condições

Ainda antes do surto do novo coronavírus ter chegado à Grécia, o governo tinha já suspendido os pedidos de asilo e decretado deportação imediata para os países de origem “quando possível” ou para os países de trânsito. Só que a Turquia não aceita ninguém de volta. Por isso, 1974 pessoas que chegaram depois da Turquia ter anunciado a abertura de fronteiras, foram enviadas para dois novos campos junto à cidade de Serres e de Malakassa. Outros permaneceram nas zonas onde foram capturados.

Esta ONG entrevistou a semana passada quatro dos detidos no centro de Malakassa que explicaram que as cerca de 450 pessoas aí confinadas têm um acesso muito limitado a água, eletricidade, produtos de higiene, roupa e cobertores. Falta leite para as crianças e fraldas. Nas tendas chegam a viver dez pessoas de famílias diferentes juntas.

O Sindicato de Pessoal de Polícia de Atenas, Nordeste e Oeste de Ática confirma a 26 de março que as medidas de higiene em Malakassa são “não-existentes” e que “faltam proteções sanitárias básicas (casas de banho, limpeza, máscaras, luvas, demasiadas pessoas a residir em tendas, etc.”.

Sobre Serres, a HRW não conseguiu ter informações em primeira mão uma vez que os migrantes contactados tinham os telefones desligados porque falta eletricidade nas instalações. Os relatos indiretos que lhes chegam confirmam que as condições são tão más como as de Malakassa. E o sindicato de polícia local, o Sindicato do Pessoal de Polícia de Serres, confirma que o local é “completamente inapropriado” e poderá “criar condições de sufoco para os seus habitantes”. Da mesma forma, refere-se que há tendas com capacidade para cinco pessoas que são ocupadas por dez.

Em Moria os menores estão em risco

As más condições e a sobrelotação também são a realidade dos campos da ilha de Lesbos. Em Moria, na suposta “zona secundarizada” reservada aos menores, o quotidiano é duro. Uma reportagem do coletivo Investigate Europe, publicada no Mediapart, revela o que a União Europeia destina aos menores que chegam às suas fronteiras fugidos da guerra e da miséria.

A história mais cruel aí relatada é a de Reza Ebrahimi. O jovem afegão de 15 anos que procurava chegar à Áustria com os seus dois pequenos irmãos viu a sua viagem ser detida pelas autoridades gregas. Enviado para o que deveria ser o ambiente protegido desta zona de detenção de menores, acabou por ser assassinado.

Em Moria, há até 25 crianças enfiadas em cada um dos contentores de uma zona cercada por arame farpado. No início de fevereiro eram mais de 600 numa zona adaptada para apenas 160. O centro de detenção foi construído, aliás, para 2840 pessoas mas aloja 19.467. A Federação Pan-helénica de Oficiais de Polícia classificava, já em outubro do ano passado, a situação como “explosiva”.

E Patric Mansour, do Conselho Norueguês para os Refugiados, que marca presença no campo, explica como stress da incerteza da deportação e as condições de vida do confinamento levam a escaramuças que levaram para o hospital pelo menos dez pessoas desde o início do ano.

Na zona dos menores, separada por género e idades, só uma das ONG marca presença à noite. Por isso, devido às dificuldades, muitas vezes os menores ficam sem qualquer adulto por perto, desprotegidos face a tentativas de agressão e roubos. Dizem as fontes destas associações que as incursões de adultos na zona das crianças são frequentes.

Isto para além de mais 600 menores sem acompanhamento de adultos que vivem também em Moria mas fora da zona protegida. E cerca de sete mil que estão acompanhados pelos pais.

Em Lesbos, a falta de preparativos para a Covid-19 “é sufocante”

Uma reportagem da TSF confirma tanto a falta de condições do campo de Moria quanto as preocupações de que o surto do novo coronavírus chegue aos centros de detenção de migrantes.

O jornalista Filipe Santa-Bárbara falou com Fabiana Faria, da Fénix Humanitarian Legal Aid, que detalhou as condições de vida neste centro da ilha de Lesbos: fala das “filas de horas” para a casa de banho”, do mesmo tipo de demora para receber comida, da sobrelotação, igual aos outros campos, que faz com que as tendas e contentores tenham o dobro das pessoas que deveriam ter. Por isso, “é impossível, em Moria, haver distanciamento”.

Sendo que há já quatro casos na ilha, apesar de nenhum dentro do campo, Fabiana Faria considera que é só uma questão de tempo até o vírus chegar: “isto vai ser impossível! Para todos nós, é bastante sufocante estar a ver a falta de preparativos e pensar que, quando chegar cá, as pessoas vão morrer, muito literalmente”, declarou.

À mesma reportagem, o diretor de apoio médico dos Médicos Sem Fronteiras na Grécia, Apostolos Veizis, explica que nos campos há “muita gente com condições médicas crónicas, sejam problemas cardiovasculares, seja diabetes ou problemas respiratórios” e que “as crianças não estão a ser vacinadas para prevenir a transmissão de diferentes doenças como hepatite C, meningite ou sarampo”. Problemas que Veizis imputa a “um outro vírus chamado acordo entre União Europeia e Turquia. Durante este vírus, estas pessoas têm sido maltratadas, têm desenvolvido doenças e têm morrido nestes campos”. E para que a conjugação entre os dois vírus não se revela fatal, os membros das ONG no terreno apelam à evacuação destes campos que deveria ser conjugada com “um plano de contenção da introdução e propagação da doença”.

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