Contracimeira em Glasgow: Resumo do Dia 3

09 de November 2021 - 14:04

Das sessões sobre a pegada carbónica dos militares às falsas “soluções com base na natureza”, passando por comícios e espaços mais informais de conversas, a Andreia Galvão e o Miguel Martins contam o que viram esta segunda-feira nas iniciativas à margem da COP26.

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Fotos de Andreia Galvão.

Segunda-feira foi mais um dia cheio de sessões e debates na contracimeira. Recordamos que muitas destas sessões podem ser assistidas em qualquer ponto do mundo com acesso à internet. No dossier do Esquerda.net dedicado à cimeira do clima destacámos 10 sessões online interessantes desta contracimeira. Aqui em Glasgow, assistimos a vários debates ao longo do dia.

A pegada de carbono do militarismo

Um dos painéis desta segunda-feira debateu o contributo do setor militar para as emissões poluentes. E vários intervenientes estabeleceram a relação entre a crise climática e a pegada carbónica provocada pela militarização. Foram abordados os perigos da guerra nuclear e o catastrófico cenário que poderia ser gerado pelo chamado "Inverno Nuclear".

Um orador da Papua Nova Guiné contou a sua experiência na primeira pessoa no exército e a importância de compreender a violência imposta sobre territórios e comunidades através de uma lente que compreende as raízes históricas capitalistas e coloniais. E foi denunciada a manobra política que já dura desde os protocolos de Quioto para permitir que a poluição militar não seja contabilizada ou um ponto de debate na definição de política internacional climática.

Uma Escócia livre do nuclear

A par dos debates sobre a dimensão global da crise climática, esta contracimeira é uma boa oportunidade para conhecer também os debates e a situação do movimento no país que acolhe a COP-26. No debate “Uma Escócia verde e livre de nuclear: como será e como lá chegar?” foram abordadas várias questões sobre o contexto escocês, com clara preponderância dos defensores da independência como forma necessária para assumir o controlo público sobre as produções de energia a nível nacional.

Traçou-se o caminho para esta possibilidade, de modo a criar uma base democrática para a luta por justiça climática, alargando o acesso a estes bens essenciais à maioria da população. A criação de consenso social em torno da criação de políticas públicas foi uma preocupação sublinhada por vários oradores deste debate.

A falsa resposta das “soluções com base na natureza”

As “soluções com base na natureza” são apontadas como soluções para a cise climática, mas muitas vezes provocam a destruição dos ecossistemas. Num debate dedicado a este tema, foram abordados os exemplos de plantações para cobrir emissões e prevê-se que as áreas dedicadas a este tipo de negócio dupliquem até 2030 no Sul global, intensificando a opressão das comunidades e o “neocolonialismo verde” que está em marcha.

Outro tipo de “solução” é a produção de energia hidroelétrica. Ela assenta na ideia de que as barragens servem para responder à energia climática, mas não têm em conta a perda de biodiversidade e o impacto das águas estanques nos ecossistemas. Além disso, muitas destas barragens estão associadas a ataques aos direitos humanos, como testemunharam alguns membros de comunidades indígenas dos EUA, através da retirada do acesso à água a estas comunidades e o impacto nos seus ecossistemas. Outros testemunhos vieram do Chile, onde as comunidades resistiram à construção de barragens e sofreram a repressão das autoridades que os querem expulsar da região.

Sindicalistas debatem alianças com movimento climático

Num seminário organizado pelo Fórum Internacional de Sindicatos sobre transições ecológicas e sociais, discutiram-se as possibilidades de intervenção do movimento laboral dentro do movimento pela justiça climática. O Fórum discutiu temas como a saúde, intimamente ligada à questão ambiental, pois piores condições ambientais abrem caminho a pandemias como as que estamos a viver e por outro lado o acesso à saúde não está de forma alguma democratizado. O modo de produção industrial foi outro tema de debate, em particular sobre quem deve ter o poder de o definir, se as pessoas ou o mercado. E também a questão da transição energética justa, não apenas no Norte global, onde é necessário reorientar o modo de produção e repensar o sistema, mas também no Sul, onde é preciso industrializar e não cometer os mesmos erros para evitar quaisquer dependências.

A terceira conversa foi acerca da interseccionalidade e da aliança entre movimento ambiental e sindical. Aqui foi sublinhado que o movimento climático não pode ficar à espera que os trabalhadores compreendam todas as dinâmicas desta transição. São necessárias formas de chegar a informação a estes trabalhadores para que não lhes restem dúvidas sobre este tema, o que reforça a necessidade de uma aliança entre os dois movimentos.

Outros espaços da contracimeira: conversas e comício

Mas nem só de painéis de debate se faz esta contracimeira. O espaço “O nosso tempo é agora” serve para que ativistas mais conhecidos que estão em Glasgow participem num espaço aberto de debate de ideias, fora do habitual modelo das sessões com painéis de oradores. Acaba por ser um formato interessante e que permite conversas também entre os participantes. A pessoa que estava ao meu lado era um estudante português aqui em Glasgow, com quem pude trocar ideias sobre os temas em debate nesta contracimeira.

Outra iniciativa num registo diferente, de comício, intitulou-se “Esta economia está a matar-nos”. A lista de oradores incluíu desde o ex-chefe dos negociadores climáticos do G77 e China, Lumumba Di-Aping, o ex-embaixador boliviano na ONU Pablo Solon, o deputado trabalhista John McDonnell e muitos outros. Os participantes sublinharam que a crise climática é consequência direta da crise do capitalismo, de um sistema que funciona à base da acumulação da riqueza e da exploração desenfreada de recursos. E que a única resposta à crise passa por derrubar um sistema que não defende nem os povos nem o planeta ou o nosso futuro.