Catalunha: Confusão permanente ou reorientação estratégica?

21 de May 2018 - 17:32

O legitimismo de Puigdemont, transmutado à última hora na designação de Torra, mostrou-se tão potente simbolicamente como vazio estrategicamente. Artigo de Josep Maria Antentas.

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O novo líder do governo catalão, Quim Torra, após tomar posse junto do presidente do parlamento, Roger Torrent. Foto Parlamento da Catalunha

O passado mês de outubro marcou o colapso das diferentes hipóteses de mudança que percorreram a sociedade e a política catalã desde 2011 e 2012: o horizonte fixado pelo 15M e as suas derivações políticas, Catalunya en Comú-Podem, e a proposta independentista. Grande parte do êxito de ambas deveu-se à sua capacidade de oferecer um projeto de mudança rápido e fácil. Simplificar a realidade pode ser por vezes necessário para transmitir esperança. O problema aparece quando os factos mostram cruamente um cenário bem mais agreste que o previsto e/ou o anunciado. Quando o longo prazo se impõe sobre o curto. O desafio é então manter a motivação e a mobilização da própria base, ao mesmo tempo que se torna mais complexa a perspetiva estratégica.

Nem a independência fácil através de um desligamento de lei contra lei (PDeCAT, ERC, ANC), nem tornar-se o garante sincero e combativo da rotura, empurrando o movimento até ao fim (CUP), nem a articulação de uma nova maioria de mudança no conjunto do Estado (Catalunya en Comú-Podem) são hoje credíveis como projetos materializáveis. Funcionam, isso sim, como propostas legítimas de afirmação de espaços políticos determinados. Colapsadas internamente, as respetivas hipóteses fundacionais transformaram-se em fracos simulacros.

Outubro acabou numa derrota nunca admitida por inteiro. Derrota talvez temporária, não necessariamente definitiva, mas derrota, afinal de contas. Uma derrota não só do independentismo, mas extensível também aos Comuns por motivos contrários: a falta de uma política ativa em relação ao procés. Assumi-la e entendê-la, por parte de todos, é condição para um relançamento estratégico ainda ausente. Um relançamento que combina mal com as urgências parlamentares e o clima de competição eleitoral permanente.

O legitimismo de Puigdemont, transmutado à última hora na designação de Torra, mostrou-se tão potente simbolicamente como vazio estrategicamente e como um veículo de consolidação da liderança da direita dentro do independentismo. Isto implica a reafirmação de premissas que estão esgotadas e, seguramente, agravadas pelo próprio perfil do recém-eleito presidente. A ERC tenta explorar novos caminhos, mas corre o risco de cair numa simples capitulação ordenada. A CUP pode manter-se num voluntarismo honesto que não se interroga acerca dos limites de fundo do independentismo expressos nas eleições de 21-D, sem se coloca muito a questão de como interpelar a (base social da) esquerda não-independentista. E os Comuns continuam presos num processo de “eurocomunização” que os aproxima mais ao legado dos Pactos da Moncloa e do Tripartido que ao do 15-M. Sem dúvida, é um momento pantanoso de confusão e incerteza.

Não é fácil esboçar um caminho roturista ajustado à relação de forças existente e que corrija tanto as carências fundacionais do procés como a bifurcação entre a proposta de futuro desenhada pelo independentismo e a traçada pelo 15-M. Mas estar conscientes da necessidade de o fazer é o primeiro passo. Encontrar novos caminhos começa por reconhecer o bloqueio dos atuais.


Josep Maria Antentas é professor de Sociologia da Universitat Autònoma de Barcelona (UAB).

Artigo publicado originalmente no diário Jornada, 16/5/2018, e republicado no portal Viento Sur. Traduzido por Luís Branco para o esquerda.net.