Olhando para os jornais, percebemos rapidamente que muito mudou na última dúzia de anos.
A nossa vida agravou-se com uma profunda crise económica, com uma taxa de desemprego recorde (mais de um milhão sem emprego), com a precariedade a atingir todas as pessoas que entram no mercado de trabalho (dois milhões de precários e precárias) e tudo isto a provocar uma enorme instabilidade política neste pequeno país de 11 milhões de habitantes.
Isto não é uma desculpa para o respeito pelos animais ficar para trás. Enquanto vivermos da exploração dos animais nem eles nem nós, humanos, seremos livres.
Mas é neste contexto que o movimento pelos direitos dos animais está inserido e não pode fugir disso. A população não compreenderá ou ouvirá este ou qualquer movimento que se recuse a fazer uma leitura rigorosa e crítica a este regime de desresponsabilização dos governantes que têm sempre protegido os grandes interesses económicos e de inenarrável desigualdade social.
Outro ponto é compreender os diferentes actores numa determinada luta, a sua força, as suas motivações e para onde tencionam mover-se. As campanhas dirigidas ao utilizador final (ao espectador, ao investigador, ao consumidor), tentando responsabilizá-los e persuadi-los a escolher comportamentos mais éticos têm tido, na minha perspectiva, um impacto muito aquém e não nos deixarão mais perto de uma mudança verdadeira nos próximos 100 anos. Não é por acaso.
Porque ao tentarmos fazê-lo estamos a esquecer que o verdadeiro responsável de cada uma destas situações é quem decide o que se produz, o investidor ou o proprietário, e não é o cidadão comum. Este é um reduzido número de pessoas que manipula tudo à sua volta para manter a exploração de animais, porque é esta exploração que lhes permite manter os lucros, de longe a sua principal motivação, e que tem sempre o cuidado de se legitimar socialmente que devem ser o centro do nosso combate.
Ao nos dirigirmos ao consumidor, partimos do princípio que o seu dinheiro é um "voto" na decisão de como se produz, argumento muitas vezes repetido pelos neo-liberais norte-americanos. Esquecemos, com este caminho, que as pessoas que têm menos dinheiro também têm menos poder sobre o que nós, como sociedade, queremos produzir. E vice-versa. Quem tem mais dinheiro, tem mais “voto na matéria”. Este caminho afasta-nos dos princípios mínimos de justiça social e democracia e por isso devemos rejeitá-lo.
Dito isto, que soluções existem, então?
Que novos caminhos podem ser percorridos por esta nova geração de activistas dos direitos dos animais?
Seja que solução for, a minha opinião é a de que as novas batalhas terão de partir sempre de uma análise de quem tem o quê e de quem ganha o quê em cada tipo de exploração. Não poderão partir apenas do panfleto cheio de razão. Também temos de rejeitar o populismo do decreto legislativo instantâneo que promete, com um toque de magia, acabar com tudo o que é mau e esquece que do outro lado de cada decisão existe uma população com uma forma de pensar e que não aceita necessariamente tudo o que lhe é posto à frente.
Não havendo receitas pré-estabelecidas, as nossas melhores bandeiras serão aquelas que melhor consigam mostrar as contradições deste modo de produção capitalista versus os interesses intrínsecos dos animais e a nossa necessidade ética de respeitá-los.
Quanto ganha um ganadeiro com subsídios europeus, pagos por todos nós? Quanto ganha um empresário tauromáquico com a bilheteira, apoios das câmaras municipais, patrocinadores e transmissões televisivas? Como é que se explica a uma população que não há dinheiro para manter um centro de saúde ou um posto dos CTT aberto, mas há dinheiro para se apoiar financeiramente uma tourada? Voltámos à Roma Antiga, com o povo a viver de pão e circo?
Como justificar a subsidiação da grande exploração pecuária quando o consumo de carne em Portugal é excessivo, a produção de gado é a principal causa da poluição dos rios em Portugal e contribui mais para as alterações climáticas que o sector dos transportes? Se a roda dos alimentos aconselha a que 5% das calorias que se ingerem venham da carne, peixe e ovos e se em Portugal a dieta real atinge os 15% nesta categoria, porque razão continuamos a atribuir 40% dos subsídios a este sector?
Começou a surgir uma nova geração de jovens que traz consigo a bandeira do respeito pelos animais. Esta nova geração é fruto do trabalho de sensibilização e das inúmeras campanhas feitas pela geração anterior de activistas pelos direitos dos animais, mas o novo não é uma simples reprodução do que lhe antecedeu.
É uma geração que já conhece muitos dos erros feitos no passado, que rejeita repeti-los e que está motivada para fazer o seu próprio caminho.
É preciso fazer esse caminho agora e ele só depende de nós.