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Esterilização e Eutanásia
Ao meu colo tenho a Carlota. Uma caniche traçada, bege, de olhos verdes e com mais ou menos 6kg. Como é que vem parar aqui? E o que é que tem a ver com Eutanásia ou Esterilização? Eu explico.
Em 2009, em conjunto com outras pessoas, decidi propor à Câmara Municipal de Ponta Delgada uma Cãominhada para promover a adopção no Canil Municipal. Depois de algum espanto da Autarca, Berta Cabral, perante um grupo de cidadãs (sim, todas mulheres) preocupadas com discrepância entre o numero de animais recolhidos pelo canil, o numero de animais adoptados e o numero de animais eutanasiados (abatidos) anualmente, acabou por apoiar a iniciativa.
Visitei o canil algumas vezes a propósito da organização da Cãominha. Da primeira vez, por egoísmo puro, não quis aproximar-me das boxes, jaulas, cercados, o que queiram chamar. Das vezes seguintes achei mais sensato e menos egoísta, passar por todas elas e fazer pelo menos uma festinha a cada um dos bichos, que para muitos podia ser a última. Todos deliravam, pulavam e por alguns segundos desfaziam-se dos olhares tristes e cabisbaixos. Excepto um.
Numa das visitas demorei mais tempo em frente a uma das boxes, tentando arrancar alguma reacção do cão que nunca levantava a cabeça nem parecia ter vontade de brincar. Na mesma altura em que passa a funcionária comentou que o animal já tinha entrado há mais de 10, seguindo-se de um silêncio constrangedor. Sabemos que, por lei, se ao fim de 8 dias se o animal não é reclamado ou adoptado, o destino pode ser o abate. Na manhã seguinte voltei ao canil, não para nenhuma combinação mas para dar entrada num pedido de adopção urgente.
A meio da tarde estava a levar o cão que afinal era cadela para casa, vacinada, chipada e a precisar de um banho e tosquia, coisa que, para além da mangueirada, não existe em canis.
No dia da Cãominhada e primeiro sinal de despreocupação das autarquias com a sobrepopulação traduziu-se no “apoio” da Câmara Municipal que tinha sandes e t-shirts promocionais para oferecer aos mais de 60 participantes mas apenas 10 trelas para que estes pudessem passear os animais.
Deduzi que a Câmara Municipal de Ponta Delgada conhecesse alguma rebuscada estratégia para promover a adopção através da oferta sandes de queijo e fiambre e t-shirts. Lá se resolveu, com a boa vontade das pessoas que aderiram.
Muitos dos animais, bonitos, novos e saudáveis, que naquela manhã puderam passear ao ar livre, voltaram ao canil e mais tarde, por ocuparem espaço, espaço que iria servir a outros tantos abandonados ou nascidos na rua, foram mortos.
Tem sido esta a política escolhida para combater a sobre-população de animais errantes. Priva-los de liberdade e espaço durante uns dias para depois mata-los.
Sabemos que existe alternativa, com resultados positivos a longo prazo, para combater a sobre-população de animais domésticos: a esterilização.
Mas então, que direito temos nós, humanos, em privar os animais do direito à reprodução?
Mas fruto de experiências dos humanos, os animais domésticos foram fortemente alterados ao ponto de muitas raças terem desenvolvido doenças e limitações que os levam a viver vidas inteiras de sofrimento. Essas alterações fizeram também com que hoje sejam menos autónomos e mais dependentes da humanidade para sobreviverem. Não é suposto um animal necessitar de vacinas, nem comer ração nem muito menos ter de ir ao médico.
Havendo muitos mais animais de companhia na rua e em canis de abate, do que pessoas disponíveis e com condições para os adoptarem, o planeta deixou de ter espaço para que estes sobrevivam em segurança e longe de maus tratos físicos e psicológicos.
Em resposta, não temos o direito de os privar de nada mas o nosso dever é remendar os sucessivos erros das muitas gerações anteriores, que movidas pela ganância e desprovidas de qualquer tipo de compaixão pela espécie animal, diminuíram desastrosamente as capacidades de sobrevivência dos animais de companhia, ao pondo de hoje viverem constantemente expostos a situações de sofrimento e crueldade.
O Bloco de Esquerda, mais do que uma vez, opôs-se às ineficazes políticas de abate sucessivo em canis municipais, recomendando ao Governo a Esterilização como política a adoptar para controle e diminuição da população de animais errantes, alargando também a Esterilização comparticipada a Associações de defesa animal e a pessoas com dificuldades económicas.
A par da Esterilização, visando o controlo e bem-estar de animais de companhia, o Bloco de Esquerda propõe ainda a promoção de programas1 que envolvam comunidades no cuidado e protecção de animais.
Optar por Esterilizar não só combate o problema sobrepopulacional mas também traz benefícios para a saúde e vida do animal. Uma das maiores vantagens nas fêmeas é a redução da probabilidade de desenvolverem tumores mamários, uterinos e nos machos ajuda a evitar o aparecimento de tumores nos testículos, alargado a esperança média de vida.
A Esterilização torna os animais mais tranquilos reduzido comportamentos e agressivos e de stress e relacionados com o seu instinto sexual.
Entre outras vantagens, a esterilização poupa-nos também do embaraço de todas as vezes que o animal tenta “montar” as pernas das pessoas que visitam a nossa casa ou que encontramos na rua quando vamos passeá-lo.
Na luta pela diminuição do sofrimento e pela defesa do bem-estar dos animais de companhia, a Esterilização é prioritária, a par de estimulação para criação de santuários2, públicos ou privados3, sendo o recurso à Eutanásia apenas para por fim a situações de sofrimento prolongado e/ou irreversível.
Entretanto a Carlota continua ao meu colo, com o mesmo olhar triste assustado que tinha quando a vi pela primeira vez, ainda sem conseguir estar sozinha e com medo da própria sombra. Não é a única, é uma em milhões que expostos a perigos, maus-tratos, medos, fome e temperaturas extremas, acarretam marcas emocionais, psicológicas e até físicas para toda a vida.
Sabemos que lutar por Direitos para os Animais é também lutar pela dignidade humana, pois nenhum ser digno pode compactuar conscientemente com qualquer modo de violência, e lutar pela dignidade humana é também exigir que sejamos capazes de fazer o melhor, e capazes do respeito por todos e todas que dependam, ou não, de nós.
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