Com a pandemia, o teletrabalho ganhou um grande relevo desde logo no primeiro confinamento, uma vez que surgiu como uma possibilidade de continuar a trabalhar sem os riscos do contágio. Note-se que no segundo confinamento o teletrabalho é mesmo obrigatório, desde que seja possível. Porém, esta forma de trabalho acarreta graves riscos para trabalhadores e trabalhadoras que o fazem. Acresce que o teletrabalho não está suficientemente legislado, pelo que os direitos de quem trabalha não estão minimamente acautelados. Estes riscos foram assinalados no esquerda.net no artigo "Teletrabalho: a galinha dos ovos de ouro dos patrões", de Mariana Carneiro.
Neste dossier, publicamos diversos artigos de especialistas e sindicalistas que fornecem mais dados e perspetivas sobre o teletrabalho, as vantagens e desvantagens que tem, sobretudo para quem trabalha.
Rita Garcia Pereira escreve sobre o que é o teletrabalho, destacando o seu caráter voluntário para trabalhadores e entidades empregadoras e o seu regime jurídico atual. Nas desvantagens para quem trabalha, a autora salienta “maior isolamento de quem presta o trabalho; diluição das fronteiras entre a vida profissional e a vida privada”. Apontando que “um novo enfoque legislativo deverá centrar-se nas questões da privacidade e do controlo da prestação”, o artigo sublinha que “o teletrabalho realizado no domicílio do trabalhador conduz, tendencialmente, a uma situação que a doutrina designa ‘teledisponibilidade’”.
Em “A desconexão dos trabalhadores: direito ou dever?” João Leal Amado e Teresa Coelho Moreira questionam se a desconexão é um direito dos trabalhadores ou um dever do empregador. Os autores apontam que a questão dos tempos de trabalho e da sua limitação adquire “novas roupagens nesta economia digital” e alertam que para a maioria dos trabalhadores o grande problema está em “como exercer” um ‘direito à desconexão’, perante a concorrência global desenfreada. Concluindo que se trata mais de “um ‘dever de não conexão patronal’ do que de um ‘direito à desconexão do trabalhador’”, os autores frisam que o “ atual papel do Direito do Trabalho” deve continuar a ser: “limitar o tempo de trabalho, preservar períodos de repouso”.
No artigo “(Des)ilusões: teletrabalho, qualidade de vida e igualdade de género”, Sara Falcão Casaca debruça-se sobre teletrabalho e igualdade de género e alerta que “a intensidade de trabalho associada ao teletrabalho” é superior à dos locais de trabalho convencionais e, com ela, agrava-se “o potencial de conflito com a vida familiar/pessoal”.
Em texto do Sindicato dos Trabalhadores de Call Center escreve sobre a realidade no seu setor lembram a importância do teletrabalho no combate à pandemia, mas avisam que “as empresas do sector têm-se aproveitado do recurso ao teletrabalho para pouparem custos inerentes ao próprio trabalho”. O STCC aponta a insuficiente legislação sobre o teletrabalho, afirmando que é necessário que a lei “obrigue ao fornecimento de todos os instrumentos de trabalho necessários”, assim como “ao estrito cumprimento dos horários de trabalho” e “que proíba liminarmente todas as formas de vigilância atentatórias das liberdades individuais e privacidade”. “Neste momento os filhos de quem está em teletrabalho são verdadeiros órfãos de pais presentes”, alerta ainda o sindicato, que critica o governo por “desresponsabilização” e apela a que se estabeleçam regras de apoio à família.
António Brandão Moniz questiona se o teletrabalho será o futuro do trabalho e considera que “existe ainda pouca investigação sobre esta temática”. O artigo recorda que o acordo europeu existente “não tem sido aplicado a todos os setores de atividade laboral”, referindo a importância do caráter voluntário do teletrabalho, para empregador e trabalhador.
Nelson Silva interroga se será o teletrabalho o paradigma laboral que se quer e aponta medidas urgentes. Sublinha que “é necessário obrigar o patrão a desconectar, a não contactar o trabalhador fora do horário, ou estaremos a legitimar um assédio laboral crescente” e defende a necessidade de alteração das leis laborais.
Ana Matos Pires escreve sobre Teletrabalho e Saúde Mental, alerta que “optar por teletrabalho é bem diferente de trabalhar a partir de casa por ‘imposição’ de uma pandemia que surgiu sem aviso” e aponta que “a manutenção das rotinas básicas possíveis nesta altura” ajuda a proteger a saúde mental e a prevenir a doença.
Por fim, João Fraga de Oliveira escreve sobre o “direito de desligar”, destacando que o teletrabalho pode ser um instrumento organizativo e de gestão, mas “pode também ser um factor de riscos profissionais e isso não pode deixar de ser também ponderado e reflectido”.