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Teletrabalho e os riscos da teledisponibilidade

O teletrabalho permitiu que muitas pessoas continuassem a trabalhar em tempo de pandemia e com mais proteção. Porém, tem elevados riscos para quem trabalha, em particular o da violação do direito ao repouso. Dossier organizado por Carlos Santos.
Dossier Teletrabalho
Dossier Teletrabalho

Com a pandemia, o teletrabalho ganhou um grande relevo desde logo no primeiro confinamento, uma vez que surgiu como uma possibilidade de continuar a trabalhar sem os riscos do contágio. Note-se que no segundo confinamento o teletrabalho é mesmo obrigatório, desde que seja possível. Porém, esta forma de trabalho acarreta graves riscos para trabalhadores e trabalhadoras que o fazem. Acresce que o teletrabalho não está suficientemente legislado, pelo que os direitos de quem trabalha não estão minimamente acautelados. Estes riscos foram assinalados no esquerda.net no artigo "Teletrabalho: a galinha dos ovos de ouro dos patrões", de Mariana Carneiro.

Neste dossier, publicamos diversos artigos de especialistas e sindicalistas que fornecem mais dados e perspetivas sobre o teletrabalho, as vantagens e desvantagens que tem, sobretudo para quem trabalha.

Rita Garcia Pereira escreve sobre o que é o teletrabalho, destacando o seu caráter voluntário para trabalhadores e entidades empregadoras e o seu regime jurídico atual. Nas desvantagens para quem trabalha, a autora salienta “maior isolamento de quem presta o trabalho; diluição das fronteiras entre a vida profissional e a vida privada”. Apontando que “um novo enfoque legislativo deverá centrar-se nas questões da privacidade e do controlo da prestação”, o artigo sublinha que “o teletrabalho realizado no domicílio do trabalhador conduz, tendencialmente, a uma situação que a doutrina designa ‘teledisponibilidade’”.

Em “A desconexão dos trabalhadores: direito ou dever?” João Leal Amado e Teresa Coelho Moreira questionam se a desconexão é um direito dos trabalhadores ou um dever do empregador. Os autores apontam que a questão dos tempos de trabalho e da sua limitação adquire “novas roupagens nesta economia digital” e alertam que para a maioria dos trabalhadores o grande problema está em “como exercer” um ‘direito à desconexão’, perante a concorrência global desenfreada. Concluindo que se trata mais de “um ‘dever de não conexão patronal’ do que de um ‘direito à desconexão do trabalhador’”, os autores frisam que o “ atual papel do Direito do Trabalho” deve continuar a ser: “limitar o tempo de trabalho, preservar períodos de repouso”.

No artigo “(Des)ilusões: teletrabalho, qualidade de vida e igualdade de género”, Sara Falcão Casaca debruça-se sobre teletrabalho e igualdade de género e alerta que “a intensidade de trabalho associada ao teletrabalho” é superior à dos locais de trabalho convencionais e, com ela, agrava-se “o potencial de conflito com a vida familiar/pessoal”.

Em texto do Sindicato dos Trabalhadores de Call Center escreve sobre a realidade no seu setor lembram a importância do teletrabalho no combate à pandemia, mas avisam que “as empresas do sector têm-se aproveitado do recurso ao teletrabalho para pouparem custos inerentes ao próprio trabalho”. O STCC aponta a insuficiente legislação sobre o teletrabalho, afirmando que é necessário que a lei “obrigue ao fornecimento de todos os instrumentos de trabalho necessários”, assim como “ao estrito cumprimento dos horários de trabalho” e “que proíba liminarmente todas as formas de vigilância atentatórias das liberdades individuais e privacidade”. “Neste momento os filhos de quem está em teletrabalho são verdadeiros órfãos de pais presentes”, alerta ainda o sindicato, que critica o governo por “desresponsabilização” e apela a que se estabeleçam regras de apoio à família.

António Brandão Moniz questiona se o teletrabalho será o futuro do trabalho e considera que “existe ainda pouca investigação sobre esta temática”. O artigo recorda que o acordo europeu existente “não tem sido aplicado a todos os setores de atividade laboral”, referindo a importância do caráter voluntário do teletrabalho, para empregador e trabalhador.

Nelson Silva interroga se será o teletrabalho o paradigma laboral que se quer e aponta medidas urgentes. Sublinha que “é necessário obrigar o patrão a desconectar, a não contactar o trabalhador fora do horário, ou estaremos a legitimar um assédio laboral crescente” e defende a necessidade de alteração das leis laborais.

Ana Matos Pires escreve sobre Teletrabalho e Saúde Mental, alerta que “optar por teletrabalho é bem diferente de trabalhar a partir de casa por ‘imposição’ de uma pandemia que surgiu sem aviso” e aponta que “a manutenção das rotinas básicas possíveis nesta altura” ajuda a proteger a saúde mental e a prevenir a doença.

Por fim, João Fraga de Oliveira escreve sobre o “direito de desligar”, destacando que o teletrabalho pode ser um instrumento organizativo e de gestão, mas “pode também ser um factor de riscos profissionais e isso não pode deixar de ser também ponderado e reflectido”.

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Neste dossier:

Dossier Teletrabalho

Teletrabalho e os riscos da teledisponibilidade

O teletrabalho permitiu que muitas pessoas continuassem a trabalhar em tempo de pandemia e com mais proteção. Porém, tem elevados riscos para quem trabalha, em particular o da violação do direito ao repouso. Dossier organizado por Carlos Santos.

teletrabalho - foto de Paul Skinner / flickr

Teletrabalho: uma realidade (ainda) desconhecida?

O advento tecnológico das sociedades pós-industriais trouxe inegáveis consequências em todas as dimensões da nossa vida, incluindo, para o que aqui releva, o trabalho e a crescente diluição entre as suas fronteiras e o tempo de descanso. Por Rita Garcia Pereira.

Teletrabalho. Foto de Peter Kaminski/Flickr

A desconexão dos trabalhadores: direito ou dever?

A questão dos tempos de trabalho e da sua limitação, marca de origem do Direito do trabalho, adquire novas roupagens nesta economia digital. Quem pode dizer, atualmente, qual é o tempo de trabalho de um trabalhador digital? E qual o seu período de repouso? Artigo de João Leal Amado** e Teresa Coelho Moreira*.

Mulher em teletrabalho. Foto de Ecole polytechnique/Flickr

(Des)ilusões: teletrabalho, qualidade de vida e igualdade de género

Não negamos que o teletrabalho pode constituir-se como uma oportunidade em certas fases dos ciclos de vida. Importa, contudo, ter presente que se trata de uma oportunidade que exclui muitos/as profissionais, não sendo indiferente às desigualdades sociais, incluindo as assimetrias marcadas pelo género. Artigo de Sara Falcão Casaca.

Foto tirada em março na sala de trabalho de um dos call-centers do Porto

Teletrabalho nos Call Centers

Estar em teletrabalho não pode ser motivo impeditivo de prestar assistência aos filhos, mas neste momento é essa a realidade, neste momento os filhos de quem está em teletrabalho são verdadeiros órfãos de pais presentes. Artigo do Sindicato dos Trabalhadores de Call Center (STCC-Tás Logado?).

Automatização. Foto do A L´Encontre

Será o teletrabalho o futuro do trabalho?

Será muito difícil voltarmos à situação de pré-pandemia, mas teremos de aprender bastante mais como estas formas de trabalho poderão contribuir para a melhoria da qualidade de vida no trabalho. Artigo de António Brandão Moniz.

Teletrabalho e almoço? - Foto de bubem/flickr

Nas empresas ou em casa: os efeitos da pandemia e as medidas urgentes

O teletrabalho como resposta sanitária passou a ser um mal menor, passando por entre os pingos da chuva. Mas será o paradigma que queremos do ponto de vista laboral? E será que, depois de passar a pandemia, o mundo laboral voltará a ser o que era? Artigo de Nelson Silva

“Trabalhando a partir de casa” por Daquella manera/flickr

Teletrabalho e Saúde Mental

Optar por teletrabalho é bem diferente de trabalhar a partir de casa por "imposição" de uma pandemia que surgiu sem aviso e que, por isso, não deixou alternativas nem deu tempo para que o processo se tivesse organizado como todos desejaríamos. Artigo de Ana Matos Pires.

Teletrabalho não anula o direito a desligar

Transição digital, teletrabalho e “direito de desligar”

O teletrabalho, de momento em Portugal legalmente obrigatório, pode ser um instrumento organizativo e de gestão. Contudo, pode também ser um factor de riscos profissionais e isso não pode deixar de ser também ponderado e reflectido. E agido.