No capítulo “Uma Economia Pela Igualdade” no programa eleitoral bloquista para as legislativas de janeiro de 2022 estão as propostas para mudar a forma como são geridas as finanças públicas, reduzir o peso da dívida, apostar em resolver a crise da habitação, combater a corrupção e as desigualdades regionais.
Tal como aconteceu na Lei de Bases da Saúde, também a aprovação da Lei de Bases da Habitação foi uma vitória do caminho iniciado em 2015, mas que o PS não prosseguiu na legislatura que agora terminou. Para que essa Lei de Bases saia do papel e seja concretizada, o Bloco quer mais proteção contra os despejos, a consagração da dação em cumprimento que extingue a dívida ao banco quando a casa é entregue, a impenhorabilidade da morada de família e a regulação do valor das rendas. Por outro lado, quer dar resposta à falta de um parque habitacional público, quer através da construção de novos fogos, da reabilitação paga com fundos públicos de fogos privados para arrendamento até ao ressarcimento do valor, de regras para acabar com os fogos devolutos ou da limitação ao alojamento local. Para conseguir o objetivo de ter 100 mil novos fogos de habitação pública será necessário um programa de investimento avaliado em 6 mil milhões de euros. Com a possível comparticipação comunitária e as receitas próprias das rendas dessas casas, o Estado poderá reaver todo o investimento feito após os primeiros cinco anos do programa. Além deste programa público para casas com renda acessível, o Bloco propõe também a recuperação e construção de 50 mil fogos com renda apoiada, que respondam à necessidade das mais de 25 mil famílias que vivem em condições precárias ou indignas.
Por outro lado, o combate à especulação imobiliária deverá passar por fechar a porta à financeirização da habitação, evitando que os fundos imobiliários continuam a tomar posse de casas, aumentando os preços e impedindo na prática o direito de preferência dos inquilinos. Acabar com os benefícios fiscais de que estes fundos gozam e penalizá-los por terem casas desocupadas, bem como estabelecer um limite à quantidade de fogos detidos por fundos e instituições financeiras são outras das propostas do programa eleitoral. No capítulo do arrendamento, além da revogação da “Lei Cristas” que abriu portas à especulação e aos despejos, o Bloco quer o regresso dos 5 anos como prazo mínimo dos contratos de arrendamento e a limitação do aumento de rendas na renovação ou celebração de novos contratos, além de outras medidas de proteção dos inquilinos.
Reforma fiscal para combater o abuso
Nas medidas sobre fiscalidade, o Bloco retoma no seu programa as propostas para garantir a progressividade na taxação dos rendimentos, que hoje só existe para os do trabalho. A proposta passa pelo englobamento obrigatório dos rendimentos prediais e de capitais no IRS e a introdução de dois novos escalões neste imposto, aliviando assim a carga fiscal sobre rendimentos do trabalho. Propõe ainda a criação de dois novos impostos: um sobre doações e heranças com valor acima de um milhão de euros e outro sobre as grandes fortunas, que incida sobre o património global das fortunas acima de 2.000 salários mínimos.
Na tributação das empresas, o Bloco quer combater o planeamento fiscal agressivo com que as grandes empresas fintam o fisco para poupar nos impostos e de que o caso da venda das barragens da EDP foi o exemplo mais eloquente nos últimos anos. As propostas são a criação de um novo escalão na derrama estadual para empresas com lucros acima dos 20 milhões de euros, de um imposto dirigido aos gigantes da economia digital que não são taxados em Portugal e de outro para taxar o consumo de bens e serviços de luxo. Também é proposto um novo regime de tributação das mais valias imobiliárias, o fim da isenção de IMT para os fundos imobiliários e o pagamento de IMI por parte das empresas privadas com usufruto de barragens. Na proposta do Bloco, as operações com criptomoedas também serão sujeitas à taxação de mais-valias.
Quanto ao combate à evasão fiscal e à despesa fiscal injustificada por parte do Estado, o programa do Bloco dá dois exemplos de benefícios fiscais - o SIFIDE, relativo a investimento em I&D e o regime dos residentes não habituais - que somam uma despesa de mais de 2 mil milhões sem que vejam benefícios do seu impacto na economia do país. Além da eliminação destes dois regimes, o partido defende a revisão de todo o sistema de benefícios fiscais, a eliminação das isenções do IMI aos imóveis detidos por partidos e Misericórdias, a revisão das regras de tributação dos grandes grupos económicos que transferem rendimentos para jurisdições com regimes mais favoráveis ou a eliminação das taxas reduzidas sobre rendimentos de investimento mobiliário. A revisão do regime do chamado “offshore da Madeira”, introduzindo critérios de verificação e transparência, é outra das propostas deste programa.
Combater a corrupção e criminalizar recurso a offshores
No combate à corrupção, o Bloco insiste na criminalização do enriquecimento injustificado, com confisco dos bens, e no reforço dos meios das entidades de fiscalização dos rendimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, bem como dos partidos políticos, evitando a prescrição das multas por irregularidades nas contas. O Bloco orgulha-se por ser dos poucos partidos, e muitas vezes o único, a apresentar contas sem irregularidades. O reforço dos meios da Polícia Judiciária e da Autoridade Tributária no combate à evasão fiscal e à criminalidade económico-financeira são outras prioridades avançadas neste programa, além da transparência sobre o rendimento dos eleitos e titulares altos cargos, com declarações disponíveis para consulta pública. O alargamento para seis anos do período de nojo dos ex-governantes em relação às empresas que tutelaram, a criação de uma entidade inspetiva dedicada ao combate à corrupção nas autarquias e a eliminação dos vistos gold também são propostas para as próximas legislativas.
Uma novidade em relação a propostas anteriores é a da criminalização do recurso a serviços prestados por entidades situadas em territórios offshore, no âmbito de uma política de tolerância mínima ao recurso a estas jurisdições que sugam a receita fiscal dos países. O Bloco defende ainda a revisão da lista de offshores para que sirva de referência ao combate ao crime financeiro e abuso fiscal, o fim de apoios públicos e contratação com o Estado das empresas que sejam beneficiárias, participadas ou detenham participações em entidades offshore e a obrigatoriedade de publicação do organograma detalhado das sob alçada da Unidade dos Grandes Contribuintes do fisco português.
Reverter as privatizações dos setores estratégicos
A recuperação do controlo público sobre a banca e sobre empresas estratégicas nos transportes e energia continua a ser uma prioridade do Bloco de Esquerda. No primeiro caso, a gestão ruinosa dos bancos privados correspondeu a uma fatura de 23.800 milhões de euros entre 2007 e 2018, já incluindo os montantes entretanto devolvidos, segundo as contas do Banco de Portugal. Com a transformação pelo Governo PSD/CDS das imparidades dos bancos em Ativos por Impostos Diferidos elegíveis que na prática se traduzem em capital garantido pelo Estado, os bancos podem deduzir essas perdas perpetuamente nos impostos futuros. A proposta do Bloco passa por convertê-los em capital, tal como as dívidas dos bancos ao Fundo de Resolução, de forma a dotar o Estado de direitos de propriedade e gestão executiva na proporção dos montantes e riscos assumidos com o financiamento do sistema bancário. Outra proposta é a de alterar as leis de resolução bancária, introduzindo a possibilidade de controlo público correspondente ao capital financiado pelo Estado de forma direta ou indireta. E também a de elaborar um programa estratégico com as linhas orientadoras da banca pública no apoio ao investimento em mobilidade, eficiência energética, e indústria ambientalmente sustentável. Além do alargamento da base contributiva das instituições financeiras, o Bloco quer proteger os clientes da banca que têm sido prejudicados com as sucessivas alterações de taxas e regras de acesso, preservando as regras dos serviços mínimos universais, o direito a usar uma conta bancária e a receber informação fidedigna e compreensível.
Quanto às empresas em setores estratégicos que o Bloco pretende resgatar para o controlo público, incluem-se a ANA, responsável peals infraestruturas aeroportuárias, os CTT, a REN, que gere o setor elétrico e de gás natural nacional, na parte dos ativos de planeamento e gestão global das redes, cujo valor ronda os 50 milhões de euros, a EDP e a GALP, cujo controlo público é indispensável para avançar com a estratégia de transição climática. O Bloco pretende ainda concretizar o direito previsto na Constituição para a participação dos trabalhadores nos órgãos de administração das empresas públicas.
Diminuir o peso da dívida
A garantia da sustentabilidade das contas públicas com o objetivo de repor o nível de investimento público nos 5% do PIB - o dobro do atualmente previsto, incluindo as verbas do PRR - exige uma política de redução da despesa com juros da dívida soberana para uma taxa de juro implícita próxima de 1%, usando a margem orçamental para investir na resolução das necessidades do país em vez de servir para criar saldos orçamentais positivos.
Entre as medidas propostas de gestão da dívida está o uso da almofada financeira das administrações públicas para reduzir o nível da dívida em 10 pontos percentuais do PIB, a emissão de Bilhetes do Tesouro para reduzir a menos de 6 anos a maturidade residual média da dívida pública ou a compra permanente no mercado de dívida do Estado a preços mais baixos, influenciando dessa forma a taxa de juro. Outra proposta passa por usar parte significativa dos 3.500 milhões de euros de provisões do Banco de Portugal para amortizar dívida pública. Estas medidas não anulam o objetivo antigo de uma reestruturação global da dívida, com base nas propostas do grupo de trabalho constituído por economistas do Bloco, PS e independentes e aproveitando o atual contexto de redução das taxas de juro da dívida nos mercados internacionais.
Recuperar serviços públicos no interior e garantir direitos nas Regiões Autónomas
No capítulo da coesão territorial, o programa do Bloco defende que o combate ao despovoamento passa por um programa de reabertura gradual de serviços públicos em territórios de baixa densidade, com incentivos à fixação de trabalhadores do Estado e em articulação com os municípios. E quer que as despesas correntes e preenchimento de quadros de pessoal deixe de estar dependente da assinatura do ministro das Finanças, situação que tem provocado a degradação dos serviços e que penaliza em especial os territórios mais vulneráveis. A reversão da fusão de freguesias nos casos em que as populações assim o desejem e um processo participado e democrático com vista à regionalização são outras propostas deste programa eleitoral.
Na relação com as Regiões Autónomas, o Bloco quer substituir a figura do representante da República por um órgão autónomo com os mesmos poderes e rever a Lei das Finanças Regionais, retirando os constrangimentos impostos no período da troika. Garantir a mobilidade dos residentes entre o continente e as Regiões Autónomas e as obrigações de serviço público no transporte aéreo de mercadorias e correio, bem como da RTP nas regiões são outras propostas comuns para Madeira e Açores, além e várias propostas específicas para cada uma das Regiões.