Quem é a oposição?

Uma panóplia de activistas e grupos de oposição fizeram o assalto à ditadura de Hosni Mubarak. Por Robert Dreyfuss, The Guardian

13 de fevereiro 2011 - 9:21
PARTILHAR
Manifestantne com a bandeira egípcia pintada no rosto. Foto do staff do Global grind

p { margin-bottom: 0.21cm; }a:link { }

Vistos na televisão, os protestos no Egipto foram impressionantes, com centenas de milhares de pessoas em movimento. Por vezes são retratados como uma erupção espontânea, uma rebelião sem líder. Mas por trás destas cenas, existe uma panóplia de activistas e grupos encarregues de organizar, dirigir e sustentar o movimento.

Jovens, furiosos e organizados

Um movimento liderado por estudantes com grande domínio das tecnologias e na casa dos vinte – activistas laborais, intelectuais, advogados, contabilistas, engenheiros – que teve início numa greve do sector têxtil que durou três anos no Delta do Nilo, e na morte de Khaled Said, um licenciado de 28 anos, tem surgido como o centro do que é actualmente uma aliança entre antigos e novos grupos egípcios da oposição. Incitada pelo Movimento da Juventude 6 de Abril e por outro grupo, Somos todos Khaled Said, a coligação formou um comité de liderança constituído por 10 pessoas que inclui islamitas, nacionalistas, liberais, reformadores e nasseristas, o qual de momento tem como seu porta-voz e líder Mohamed El Baradei, o antigo director geral da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA).

Porém, as revoluções são algo confuso e, embora a coligação anti-Mubarak esteja unida em torno de um descontentamento com o regime, nada nos diz se irá permanecer junta, especialmente se surgir a possibilidade de tomar o poder. Quem, e o quê, irá erguer-se quando Mubarak renunciar – e pressupondo que as forças armadas egípcias não irão decidir avançar com um dos deles – não é muito claro. Todavia, o que é claro é que as massas que encheram as ruas e praças no Cairo, Alexandria, Suez, Port Said e Ismailia, entre outras cidades, estão longe de ficar sem líder.

No centro da revolta está o Movimento da Juventude 6 de Abril, que dispõe de uma autêntica sala de operações de guerra na baixa do Cairo, distribuindo panfletos, apelos pela Internet e orientações para as populações que enchem a praça Tahrir. O nome tem origem na data 6 de Abril de 2008, quando as autoridades egípcias reprimiram violentamente uma greve dos trabalhadores do sector têxtil na cidade industrial de El Mahalla El Kobra. Apesar dos esforços vigorosos por parte das autoridades para refrear e sabotar a presença do 6 de Abril e do Somos todos Khaled Said na Internet, ambos os grupos conseguiram passar a sua mensagem altamente secular e pró-reformista para além da juventude altamente qualificada do Egipto, dos desempregados e dos que trabalhadores precários. O fundador do 6 de Abril é Ahmed Maher, juntamente com muitos dos seus colegas, que têm promovido uma causa comum com os activistas que formam o grupo de pró-democratas do Egipto, incluindo grupos dissidentes – o Kefaya ("Basta!") e o El Ghad ("Amanhã"), ambos formados em 2004. Maher usou inclusivamente os escritórios do El Ghad para iniciar esta causa.

Kefaya e o renascido movimento democrata

O movimento democrático no Egipto renasceu, até um certo nível, com a criação do Kefaya em 2004. O Kefaya foi incitado em parte pelo seu apoio à intifada nos territórios da Palestina em 2000 e ganhou energia ao juntar-se à severa oposição à invasão dos EUA no Iraque em 2003. Fundou-se numa base eclética que incluía comunistas, nasseristas, islamitas e activistas seculares, e o seu porta-voz era Abdel-Halim Qandil, editor do jornal nasserista al-Arabi.

Também em 2004, Ayman Nour, um advogado e membro do parlamento egípcio, fundou o El Ghad. Tanto o Kefaya como o El Ghad caíram rapidamente nas mãos das autoridades e Nour foi preso. O comité-geral de 10 pessoas formado por altura dos protestos no Cairo em 2011 incluía vários representantes do Kefaya, juntamente com Nour do El Ghad, Qandil, representante do partido nasserista, e ainda Osama al-Ghazali Harb da liberal Frente Democrática, fundada em 2007. Embora nenhum destes movimentos mais antigos, que eram constituídos principalmente por veteranos da política egípcia, possa afirmar que tivesse provocado a erupção deste ano, juntaram-se a ela de corpo e alma e colaram-na às suas ideologias activistas e pró-reformistas

O papel da Irmandade Muçulmana

Subsistindo numa aliança nem sempre fácil com grupos seculares, está, é claro, a Irmandade Muçulmana. Fundada em 1928, em Ismailia, por Hassan al-Banna, os secretos Ikhwan ("Irmãos") têm sido desde há muito o grupo de oposição mais poderoso do Egipto. Desde a década de 1930 até aos anos 60, os Ikhwan tinham um braço para-militar e levaram a cabo assassinatos de autoridiades e de polícias. Mas a sua espinha foi quebrada na época de Gamal Abdel Nasser, e na década de 1970 Anwar Sadat reabilitou os Ikhwan e, com o forte apoio da Arábia Saudita, a organização restabeleceu-se. Desde então, tem evitado a violência e, em 2005, os candidatos apoiados pela Irmandade Muçulmana ganharam inúmeros assentos no parlamento. Nos recentes confrontos no Egipto, a Irmandade tem lutado para se manter nos bastidores, apesar desta semana a sua decisão de tomar parte das manifestações mostrou que o equilíbrio caiu para o lado da oposição ao regime de Mubarak.

Dentro e fora do Egipto, existe a preocupação de que a Irmandade Muçulmana, que é bastante organizada, bem fundada e mantém uma estrutura celular – juntamente com pontos de vista decididamente reaccionários acerca de questões de cariz social e uma forte tendência anti-semita – possa assenhorear-se da revolução do Egipto e impor a ordem islamita.

Mas o centro da liderança da revolta, o 6 de Abril e outros, não tem tendências islamitas, e a maioria dos especialistas em assuntos egípcios não acredita que o Egipto vá adoptar os pontos de vista ultra-conservadores dos líderes da Irmandade, muitos dos quais têm 70-80 anos. Para além disso, a Irmandade egípcia considera totalmente improvável a perspectiva de um regime clerical Taliban ou Iraniano. Ainda assim, fornece força e disciplina organizacional ao movimento anti-Mubarak, e o líder da Irmandade Muçulmana, Mohamed al-Beltagui, foi silenciosamente incluído como membro do comité de liderança.

El Baradei, o vencedor do Prémio Nobel da Paz

El Baradei, 68 anos, regressou ao Egipto no passado mês de Fevereiro para averiguar a possibilidade de confrontar Mubarak em eleições presidenciais agendadas para 2011. Ele já havia ganho uma fama bastante extensa no Egipto durante o exercício de funções na AIEA, por ter confrontado o presidente George W. Bush, dos EUA, quanto às falsas alegações da existência de armas de destruição em massa no Iraque e novamente na questão do alarmismo dos EUA, quanto ao programa nuclear no Irão. Recebeu o Prémio Nobel da Paz pelo seu trabalho em 2005. No Egipto, fundou a Associação Nacional para a Mudança e encorajou Ahmed Maher e os seus aliados a redobrar os esforços. Devido ao reconhecimento do seu nome e também por ser bastante respeitado fora do Egipto, os restantes membros do movimento anti-Mubarak – desde o grupo 6 de Abril até à Irmandade Muçulmana – apontaram El Baradei como o seu líder. Desde então, El Baradei tem-se pronunciado vigorosamente, afirmando que Mubarak "tem de sair".

Todos estes elementos estavam em harmonia quando uma crispação provocada por uma revolta semelhante na Tunísia incendiou a rebelião no Egipto. Não sabemos se a liderança conseguirá manter a união, especialmente se e quando surgir a questão da atribuição do poder. As diferenças de classes, disputas sobre relações com os Estados Unidos da América e com Israel e a possibilidade de discussões acerca do papel do islamismo na política podem conduzir a fissuras numa oposição agora unida.

Mais significativo, contudo, é o peso dos problemas causados por três décadas de corrupção e de desorganização económica. Se os líderes da revolta egípcia tomarem o poder, irão herdar problemas gritantes: como alimentar, albergar e empregar uma população vasta e em crescimento que é esmagadoramente jovem, ao mesmo tempo que irão encalhar na questão da política inter-árabe e árabe-israelita. Tal como Barack Obama, que herdou do seu antecessor uma economia em colapso e duas guerras inacabadas, os líderes da revolta egípcia poderão também considerar que não será fácil fazer uma mudança que seja credível para a sua população.

2 de Fevereiro de 2011

Publicado originalmente no Guardian

Tradução de Sara Vicente para esquerda.net

Termos relacionados: