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A insurreição no Egipto e as suas implicações para a Palestina

Sem Mubarak, Israel não tem praticamente mais amigos no Médio Oriente; restam-lhe dois aliados estratégicos: a Jordânia e a Autoridade Palestiniana, e ambos estão abalados. Por Ali Abunimah, The Eletronic Intifada
Com a queda de Mubarak, os Estados Unidos perdem um grande aliado na questão da Palestina, e a Autoridade Palestiniana de Abbas perdeu um de seus principais aliados contra o Hamas. Foto de perealbiac, FlickR

O mundo árabe está em pleno tremor de terra político e o solo ainda não parou de tremer. Fazer previsões quando os acontecimentos são tão voláteis é arriscado, mas não há dúvida alguma de que o levante no Egipto – mesmo se terminar – terá um espectacular impacto na região e na Palestina. Se o regime Mubarak cair, e se for substituído por um governo com ligações menos estreitas com Israel e com os Estados Unidos, Israel será o grande perdedor. Como comentou Aluf Benn no jornal israelita Haaretz, “o declínio do poder do governo do presidente egípcio Hosni Mubarak deixa Israel num estado de isolamento estratégico. Sem Mubarak, Israel não tem praticamente mais amigos no Médio Oriente; no ano passado, Israel viu a sua relação com a Turquia afundar”. Com efeito, observa Benn, “Restam a Israel dois aliados estratégicos, na região: a Jordânia e a Autoridade Palestiniana”. Mas o que Benn não diz é que esses dois “aliados” tampouco serão preservados.

Eu estava em Doha nestas últimas semanas para examinar os Palestine Papers divulgados pela Al Jazeera. Eles sublinham até que ponto a divisão entre a Autoridade Palestiniana de Ramallah, sustentada pelos Estados Unidos, e a sua facção Fatah, de um lado, e o Hamas na Faixa de Gaza, por outro, foram uma decisão política das potências regionais: os Estados Unidos, o Egipto e Israel. Uma política que implicasse a imposição de um estado de sítio estrito à Faixa de Gaza pelo Egipto.

Se o regime de Mubarak cai, os Estados Unidos perdem um grande aliado na questão da Palestina, e a Autoridade Palestiniana de Abbas perderá um de seus principais aliados contra o Hamas.

Já desacreditada pela amplitude da sua colaboração e capitulação exibidas nos Palestine Papers, a AP será ainda mais enfraquecida. Sem qualquer “processo de paz” com credibilidade para justificar a sua “coordenação de segurança” ininterrupta com Israel, ou mesmo a sua própria existência, a implosão da AP bem que poderia começar. Inclusive a sustentação dos Estados Unidos e da União Europeia para a polícia de estado em gestação da AP poderia não ser mais sustentável politicamente.

O Hamas poderá ser o beneficiário imediato, mas não necessariamente no longo prazo. Pela primeira vez em muitos anos, vemos importantes movimentos de massa que, se incluem muçulmanos, não são necessariamente dominados ou controlados por eles.

Há também com efeito um espelho para os palestinianos: a permanência dos regimes tunisino e egípcio estava fundada na percepção de que eram fortes, assim como o seria a sua capacidade de aterrorizar uma parte do seu povo e de cooptar outra. A facilidade relativa com a qual os tunisinos expulsaram o seu ditador e a rapidez com que o Egipto e talvez o Iémen parecem seguir o mesmo caminho, poderão bem enviar aos palestinianos a mensagem de que as forças de segurança de Israel ou da AP não são assim tão invencíveis como parecem.

Com efeito, a “dissuasão” de Israel já sofreu um golpe importante na sequência do seu fracasso em vencer o Hezbollah no Líbano, em 2006 e o Hamas em Gaza, durante os ataques do inverno 2008-2009.

Quanto à AP de Abbas, jamais o dinheiro dos doadores internacionais foi gasto pelas forças de segurança com resultados tão maus. O segredo de polichinelo é que, sem a ocupação da Cisjordânia e de Gaza sitiada pelo exército israelita (com a ajuda do regime de Mubarak), Abbas e a sua guarda pretoriana teriam caído há muito tempo. Erguido por um processo de paz abusivo, os EUA, a União Europeia e Israel, com a sustentação de regimes árabes em decrepitude, agora ameaçados pelo seu próprio povo, construíram um castelo de cartas palestinianas que não deve resistir por muito tempo.

Desta vez a mensagem é talvez que a resposta não é mais uma resistência militar, mas antes a concessão do poder ao povo e uma ênfase maior nos protestos populares.

Hoje, os palestinianos formam pelo menos metade da população na Palestina histórica – Israel, Cisjordânia e Faixa de Gaza. Se eles se sublevarem colectivamente para exigir direitos iguais, o que poderá Israel fazer para detê-los? A violência brutal e a força de Israel não interditaram as manifestações regulares na cidades de Bil’in e Beit Ommar, da Cisjordânia.

Israel deve acreditar que se responder brutalmente a todo o levante de amplitude, os seus apoios internacionais já precários poderiam começar a evaporar tão rápido como os de Mubarak, cujo regime, parece, sofreu uma rápida “deslegitimação”. Os dirigentes israelitas têm indicado claramente que uma implosão dessa sustentação internacional ameaça-os mais que uma ameaça militar externa. Com um poder retomado pelos povos, os governos árabes poderiam não permanecer mais silenciosos e cúmplices como estiveram durante os anos de opressão israelita sobre os palestinianos.

Quanto à Jordânia, a mudança já está em curso. Eu fui testemunha de uma manifestação de milhares de pessoas no centro da cidade de Amã, em 29/01/2011. Esses protestos bem organizados e pacíficos, chamados por uma coligação de partidos de oposição islâmicos e de esquerda ganharam agora, depois de semanas, todas as cidades do país. Os manifestantes exigem a demissão do primeiro ministro Salir al-Rifai, a dissolução do parlamento eleito (numa eleição considerada largamente como viciada, em Novembro), novas eleições, baseadas em leis democráticas, justiça económica, o fim da corrupção e a anulação do tratado de paz com Israel. E houve manifestações fortes em solidariedade à população egípcia.

Nenhum dos partidos organizadores da manifestação disse que as revoluções do tipo das que ocorreram na Tunísia e está em curso no Egipto não ocorrem na Jordânia, e não há razão para crer que esse desenvolvimento sejam iminentes. Mas os slogans escutados durante os protestos são sem precedentes na sua audácia e no seu desafio directo à autoridade. Todo o governo reactivo às vozes do seu povo deverá rever as suas relações com Israel e com os Estados Unidos.

Uma só coisa é certa, hoje: o que quer que ocorra na região, a voz do povo não poderá continuar a ser ignorada.

29/01/2011

Ali Abunimah é co-fundador da Intifada Electrónica, autor de “Um País: uma proposta audaciosa para terminar o impasse israelo-palestiniano” e contribuiu com o “Informe Goldstone: o legado do marco na investigação do conflito de Gaza” (Nation Books).

Traducao do original: http://electronicintifada.net/v2/article11762.shtml

http://dabocasai.blogspot.com/2011/01/insurreicao-no-egito-e-suas-implic...

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Neste dossier:

Revolução no Egipto

Ao fim de 18 dias de mobilização, de combates de rua e de centenas de mortes, a revolução egípcia teve a sua primeira grande vitória com a queda de Mubarak. Este levante sem precedentes na história do Egipto seguiu-se à vitória na Tunísia e muito provavelmente dará o sinal para a queda de outras ditaduras no mundo árabe.

O 1848 árabe: os déspotas cambaleiam e caem

Estamos a ser testemunhas de uma onda de levantamentos nacional-democráticos que lembram mais as agitações de 1848 – contra o Czar, o Imperador e os seus colaboradores – que varreram a Europa e foram presságios de posteriores turbulências. Este é o 1848 árabe.

Para os egípcios este é o milagre da Praça Tahrir

Esta insurreição foi universal: foi possível que nos identificássemos, quase de imediato, em qualquer parte do mundo, com esta revolta; ou seja, foi possível perceber imediatamente o que estava em causa sem ser necessária uma análise cultural da sociedade egípcia. Artigo de Slavoj Žižek, escrito na véspera da queda de Mubarak, para a edição electrónica guardian.co.uk

Desde 2006, Egipto vive a maior e mais sustentada onda grevista

Hossam el-Hamalawy, jornalista e blogger do site 3arabawy, foi entrevistado no início da mobilização por Mark LeVine, professor da Universidade da Califórnia. Na entrevista, Hossam destaca o papelda juventude e do movimento sindical nos protestos e a importância da criação recente de sindicatos independentes.

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Os operários e empregados egípcios recusam que a “governamental” Federação Geral dos Sindicatos os represente e fale em seu nome. Por isso os sindicatos e organizações independentes declaram a fundação de uma Federação dos Sindicatos Independentes do Egipto.

Quem é a oposição?

Uma panóplia de activistas e grupos de oposição fizeram o assalto à ditadura de Hosni Mubarak. Por Robert Dreyfuss, The Guardian

“Há condições ideais para a esquerda reconstruir-se como alternativa”

Extractos de uma entrevista de Faruq Sulehnia a Gilbert Achcar, professor de estudos sobre o desenvolvimento e relações internacionais na Escola de Estudos Orientais e Africanos (EEOA) de Londres. Realizada ainda antes da queda de Mubarak.

50 anos de história secreta: Washington e a Irmandade Muçulmana

É pouco conhecida a longa história dos contactos entre governos dos EUA e a Irmandade Muçulmana. Mas a cooperação durou décadas. Por Ian Johnson, New York Review of Books

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Por que temer o espírito revolucionário árabe?

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“O mundo árabe está em chamas”

Segundo as sondagens, a maioria dos árabes considera que os EUA e Israel são as principais ameaças. Washington marcha vigorosamente para o desastre.

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Dez conclusões a que chegou o fórum dos docentes de Direito do Cairo, que deu completo apoio à revolução de 25 de Janeiro, “nascida da limpa e nunca corrompida juventude egípcia”.