No Relatório sobre Impacto Socioeconómico e Saúde Mental, a Ordem dos Psicólogos (OP) assinala que “a pandemia COVID-19 provocou rapidamente efeitos negativos não só na Saúde Física, mas também na Saúde Psicológica / Mental”.
“O cumprimento das medidas de segurança e protecção contra o SARS-CoV-2 implicou uma reorganização das relações, do trabalho, da educação, do dia-a-dia”, lê-se no documento.
A Ordem dos Psicólogos aponta como exemplo a dificuldade que muitas famílias sentiram em conciliar o teletrabalho com o cuidado e apoio aos filhos, o facto de muitos idosos terem ficado fisicamente isolados e de muitos trabalhadores terem perdido o emprego ou ficarem em layoff. E faz referência ainda a outros trabalhadores, como os profissionais de saúde, que “se mantiveram a trabalhar, por vezes em situações física e psicologicamente muito exigentes e expostos a maior risco de infeção”. E àqueles que perderam familiares e amigos e não puderam cumprir os rituais de despedida habituais.
De acordo com a OP, “estes fatores, juntamente com o excesso de (des)informação e a incerteza sobre a evolução (e consequências) da doença, agravaram o medo e ansiedade que já seriam naturais e expectáveis nesta situação desafiante, provocando uma diminuição geral do bem-estar e um aumento do stresse e dos problemas de Saúde Psicológica / Mental, como a ansiedade e a depressão”.
Ainda que não seja possível, à data, prever com exatidão a extensão dos impactos que a crise socioeconómica terá, é certo que “as famílias e as pessoas enfrentam já dificuldades como o desemprego ou a perda de rendimentos, bem como stresse e ansiedade provocados pela deterioração das condições de vida”, lê-se no relatório.
A OP acrescenta que “a crise socioeconómica terá, inevitavelmente, um impacto negativo e acentuará estes determinantes, produzindo consequências negativas na Saúde Psicológica / Mental dos portugueses. Sendo que, por seu lado, os problemas de Saúde Psicológica / Mental agravarão a crise socioeconómica, diminuindo a produtividade e aumentando as desigualdades”.
Fonte: Relatório sobre Impacto Socioeconómico e Saúde Mental, da Ordem dos Psicólogos.
Na investigação são destacados alguns dos principais determinantes socioeconómicos da Saúde Mental durante e após a pandemia COVID-19, sendo que “estes são, simultaneamente, as áreas nas quais a crise socioeconómica terá mais impacto e os fatores que produzem ou precipitam dificuldades e problemas de Saúde Mental”: Desemprego, Precariedade Laboral e Perda de Rendimento; Pobreza e Exclusão Social; Literacia e acesso a Cuidados de Saúde Psicológica / Mental; Outros Fatores de Desigualdade.
A OP alerta que “o desemprego ou a redução do rendimento, decorrentes da pandemia, mantêm ou agravam as desigualdades pré-existentes, contribuindo para a manutenção de situações de vulnerabilidade socioeconómica e aumentando o risco de infeção, bem como o potencial de problemas de Saúde Psicológica / Mental”.
“A crise económica conduz ao aumento da pobreza e este é igualmente um factor de risco socioeconómico muito importante para os problemas de Saúde Mental, nomeadamente para a depressão ou o suicídio”, escreve a OP. “A pobreza vive de mão dada com o desemprego, a instabilidade laboral, a ausência de recursos financeiros, as dificuldades no acesso à educação e à saúde de qualidade e a má qualidade da habitação, acrescenta, lembrando que, durante a pandemia COVID-19 e durante os períodos de crise socioeconómica, todos estes fatores se agravam, juntamente com o estigma, a vergonha, a discriminação e a exclusão associadas à pobreza”.
Por outro lado, o aumento dos problemas de Saúde Mental provocados pela crise pandémica e pela crise socioeconómica “torna expectável um aumento da procura dos serviços e cuidados de Saúde Psicológica/Mental”.
“Contudo, em termos de resposta, a situação em Portugal não é a mais favorável”, aponta a OP. Os psicólogos defendem existir uma carência de recursos, “que impede que muitos portugueses de aceder a esses serviços, já que a maioria não possui recursos para pagar o acesso a serviços de saúde fora do SNS”. Adicionalmente, escrevem, “as intervenções de prevenção na área da Saúde Psico-lógica/Mental são residuais”.
A OP explica ainda que “a pandemia acentuou várias formas de desigualdade, nas quatro dimensões do desenvolvimento sustentável: económica, social, política e ambiental”. E que “estas dimensões relacionam-se entre si, cruzam-se e sobre-põem-se, numa ‘teia’ de fatores discriminatórios que resultam no aumento das restrições e privações de determinados grupos vulneráveis (mulheres e raparigas, crianças e pessoas com deficiência, migrantes e refugiados, idosos e pessoas com problemas de saúde, pobres e minorias étnicas, entre outros) e condições de vulnerabilidade (capacidade, rendimento, estatuto socioeconómico), consolidando e perpetuando as desigualdades”.
Neste contexto, a OP recomenda um conjunto de ações “que permitam diminuir o impacto da crise socioeconómica, provocada pela pandemia COVID-19, na Saúde Psicológica/Mental dos portugueses”.
Em primeiro lugar, os psicólogos defendem que “a construção de políticas públicas deve ter os cidadãos como preocupação central, orientando-se para o crescimento socioeconómico no sentido do desenvolvimento, da coesão social e do bem-estar de todos os cidadãos”.
O combate ao desemprego é apontado como prioritário. “É necessário combater activamente o aumento do desemprego, através de programas de promoção da empregabilidade e da qualificação do capital humano, através do desenvolvimento de competências pessoais e profissionais (nomeadamente, competências orientadas para o futuro da transição digital e ecológica)”, frisam.
O apoio à parentalidade e à infância também são identificados no relatório da OP como uma vertente fundamental da luta contra a pobreza.
Por outro lado, a OP enfatiza a importância de “aumentar a compreensão e o conhecimento sobre os aspectos motivacionais, cognitivos, emocionais e inconscientes dos hábitos e comportamentos humanos, por forma a iniciar e manter ações preventivas e facilitar mudanças comportamentais saudáveis”. E de intervir no stresse laboral e riscos psicossociais, “procurando construir locais de trabalho saudáveis”.
Da lista de prioridade consta também o reforço da capacidade de resposta dos serviços de Saúde Psicológica/Mental, com particular urgência para a colocação de psicólogos nos cuidados de saúde primários. A “implementação de modelos de cuidado próximos dos cidadãos, promotores da Saúde Psicológica/Mental e do bem-estar, que facilitem a identificação precoce de problemas e a implementação de intervenções integradas de prevenção dos problemas de Saúde Mental, nomeadamente através do reforço de recursos humanos especializados como são os psicólogos” é uma preocupação a ter em conta. A OP alerta ainda para a necessidade de investir na promoção da Saúde Psicológica/Mental nas Escolas e de aumentar a literacia em Saúde Psicológica.