Na sua resolução de outubro de 2019 sobre o emprego e as políticas sociais da área do euro, o Parlamento Europeu apelou a "uma iniciativa coordenada da UE para garantir que os trabalhadores das plataformas tenham acesso à proteção social e tenham garantidos todos os seus direitos sociais e laborais". Um mês depois, a Leïla co-organizou o Fórum Transnacional de Alternativas à Uberização. Foi este o primeiro passo para a construção da proposta de diretiva da UE sobre Trabalhadores de Plataformas Digitais que apresentou em novembro passado?
O setor das plataformas digitais de trabalho cresceu significativamente nos últimos anos. Atrás dos elementos de comunicação e da promessa de modernidade, na realidade, os métodos são do século passado, com condições catastróficas de trabalho, incumprimento da legislação laboral e das obrigações sociais e fiscais das plataformas patronais.
No entanto, não demorou muito para que a resposta social se concretizasse: ações e greves, organização em sindicatos ou outros coletivos, ou mesmo a criação de cooperativas como alternativa às plataformas.
O surgimento de um modelo anti-social de trabalho foi muito rapidamente acompanhado por movimentos de luta e alternativas ao mundo das plataformas. Assim, a ideia deste fórum foi, por um lado, permitir a partilha de experiências de todo o mundo, entre trabalhadores de plataformas (motoristas e estafetas), trabalhadores vítimas dessas plataformas (táxis), bem como investigadores e sindicalistas.
Queríamos fazer com que as suas vozes fossem ouvidas no seio das instituições europeias. Os lobbies têm as suas entradas no Parlamento Europeu, por isso, foi importante para mim fazer ouvir outra história!
Assim, o Fórum foi um ponto de partida, mas foi a pandemia Covid-19 que tornou a necessidade de agir mais urgente do que nunca. Na verdade, víamos mais motoristas nas ruas enquanto todos estavam seguros em casa, à espera de algum sushi ou pizzas. Os motoristas estavam em contacto com restaurantes, com clientes, embora não tivessem proteção social. Foi uma loucura!
Em breve, vamos organizar uma 2ª edição do evento no Parlamento Europeu, sempre com estafetas e motoristas de toda a Europa.
Eu não podia simplesmente sentar-me e não fazer nada. Cansada de esperar pela proposta da Comissão, que demora muito a chegar, escrevi uma proposta de diretiva sobre trabalhadores de plataformas em colaboração com advogados e especialistas sobre o tema da “uberização”.
Qual é o objetivo desta proposta?
A minha proposta está “pronta a usar”, pelo que pode realmente ser copiada e plasmada na legislação europeia. Pretende mostrar à Comissão Europeia, e ao Comissário do Emprego, Nicolas Schmit, a quem a apresentei, que é possível agir rapidamente a nível europeu para dar aos "gig workers" os mesmos direitos e a mesma proteção social de todos os trabalhadores.
Existem muitas preocupações sobre a classificação incorreta dos trabalhadores das plataformas como "subcontratados independentes" em oposição a "trabalhadores". Como esta proposta aborda esse problema?
Com efeito, os trabalhadores das plataformas são recrutados como autónomos por plataformas digitais e não beneficiam de nenhuma das garantias habitualmente concedidas aos autónomos, como o controlo do seu trabalho e das condições de trabalho. Pelo contrário, estão subordinados a um empregador, as plataformas digitais, que não lhes confere direitos como os demais trabalhadores, contornando a legislação laboral, e se eximindo das suas responsabilidades sociais e civis mediante o aproveitamento de uma força de trabalho frágil e precária.
Na verdade, isso foi repetidamente confirmado em França, Espanha, Itália e, mais recentemente, na Bélgica, por decisões judiciais que confirmaram a incompatibilidade das condições de trabalho dos trabalhadores das plataformas com o estatuto de autónomo. Portanto, a posição que defendo nesta diretiva é a sua requalificação: os trabalhadores das plataformas são falsos trabalhadores independentes e têm de ser reclassificados como trabalhadores.
Além disso, é importante assinalar que esta questão está a tornar-se central em toda a Europa: em todos os Estados-Membros, mas também a nível da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu, foram lançadas muitas iniciativas. Neste momento, estou a trabalhar num relatório do Parlamento Europeu intitulado “Melhorar as condições de trabalho dos trabalhadores das plataformas”, no qual represento o meu grupo no Parlamento Europeu: o Grupo da Esquerda Unitária - GUE/NGL. No final do ano, a Comissão Europeia publicará também uma proposta legislativa sobre o tema.
Que impactos terá a aprovação de uma diretiva como esta?
Todos ganharão com uma boa legislação sobre as plataformas digitais de trabalho:
- os trabalhadores das plataformas, é claro, que finalmente terão os direitos que merecem;
- os independentes, que poderão ser genuinamente independentes, o que significa que serão realmente capazes de decidir sobre como entregar os seus serviços, quando e a que preço;
- os Estados, que irão finalmente cobrar as contribuições que as plataformas teriam de pagar durante anos.
O Parlamento Europeu não tem direito de iniciativa, o que acontecerá a esta proposta?
Propor uma diretiva à Comissão Europeia foi algo original, aparentemente não é algo a que estejam habituados. De facto, é a Comissão Europeia que tem o direito de apresentar uma iniciativa legislativa, enquanto o Parlamento não tem esse direito e deve trabalhar com base nas propostas da Comissão.
A minha ideia foi exercer pressão sobre a Comissão e mostrar que o tempo está a acabar e que é possível agir de forma rápida e eficaz para dar direitos aos trabalhadores das plataformas. Espero que a Comissão Europeia se inspire nela para redigir a sua própria proposta, que será apresentada no final do ano. Entretanto, estamos a trabalhar sobre esse assunto no Parlamento Europeu, para um relatório que pretende mostrar a posição dos deputados europeus sobre o assunto.
Nas plataformas digitais, o capataz tradicional foi substituído pelo algoritmo. Qual é a sua posição para defender os trabalhadores da aparente arbitrariedade dessas "caixas pretas"? E também para proteger os dados pessoais dos trabalhadores das plataformas digitais?
Sim, no caso das plataformas digitais, o algoritmo decide tudo: que estafeta / motorista vai ou não ficar com o serviço, quando, a que preço ... Esta é uma novidade introduzida pelas plataformas digitais de trabalho: toda uma parte do elo de subordinação é expressa através de um algoritmo. Até agora, as condições de trabalho eram negociadas, escritas em contrato e aceites por ambas as partes. Portanto, a minha posição é pedir que os trabalhadores das plataformas possam atuar como coadministradores dos sistemas algorítmicos. Isso significa que eles devem ser capazes de sentar-se à mesa com o empregador, discutir e negociar sobre a forma como o algoritmo está a funcionar e ter tanto controlo sobre este algoritmo quanto as plataformas, porque este algoritmo gere diretamente as suas condições de trabalho. Obviamente, o algoritmo também deve ser transparente e não discriminatório.
Que posições irá defender no Parlamento Europeu no que respeita ao emprego e condições de trabalho?
Em primeiro lugar, muitas pessoas que trabalham para plataformas são indevidamente tratadas como trabalhadores independentes. A maioria das decisões dos tribunais europeus vai no mesmo sentido: reclassificam os trabalhadores das plataformas digitais como trabalhadores dependentes. Portanto, defenderei veementemente a presunção de laboralidade. Isso significa que todos os trabalhadores das plataformas devem ser tratados como trabalhadores dependentes, a menos que a empresa possa provar que os trabalhadores são autónomos. Com efeito, até agora, cabe aos trabalhadores tomar essas providências em tribunal. É urgente reverter a situação e pedir à plataforma que comprove que não exerce uma relação de subordinação com os seus trabalhadores. Se os trabalhadores são genuinamente autónomos, não há problema em torná-los verdadeiros trabalhadores independentes, que decidem por si próprios as condições dos seus serviços e os seus preços.
Acho importante deixar de lado a questão do chamado “terceiro estatuto” que se criaria entre o trabalhador dependente e o trabalhador autónomo. Na verdade, isso só daria às plataformas as vantagens do estatuto de autónomo e as vantagens do emprego assalariado, ou seja, a subordinação, e, ao trabalhador, a desvantagem de ambas. Obviamente, é isso que o Uber está a pedir, mas ir nessa direção significaria adaptar a lei em benefício das plataformas digitais, em vez de exigir que cumpram a lei como todas as outras empresas fazem. Esta é uma armadilha perigosa na qual não devemos cair, porque abriria um precedente sério e equivaleria a violar a legislação laboral. Este é um ponto fundamental sobre o qual serei intransigente durante as negociações no Parlamento Europeu.
Existem diferenças significativas entre os Estados-Membros no que diz respeito à abordagem regulamentar das plataformas digitais. Esta diretiva impedirá os estados membros de instituir proteções mais fortes?
Mesmo que seja verdade que alguns países já legislaram para tentar regulamentar o setor, como fez Espanha recentemente, a situação de uma grande maioria dos estafetas e motoristas é a mesma. Foi o que nos descreveram durante o Fórum organizado no Parlamento - os mesmos males e os mesmos problemas: são falsos trabalhadores independentes porque trabalham para uma plataforma com a qual têm um vínculo de subordinação. Portanto: o problema das condições de trabalho dos trabalhadores das plataformas é, na verdade, um problema europeu, e acho que devemos agir a nível europeu. No entanto, e obviamente, se os Estados-Membros desejam implementar proteções mais fortes para os trabalhadores, devem poder fazê-lo.
Pode encontrar a proposta de diretiva sobre trabalhadores de plataforma aqui:
https://leilachaibi.fr/wp-content/uploads/2020/11/Directive-travailleurs-des-plateformes-ENG-WEB.pdf