Está aqui

O meu nome é - sessão de conversa sobre Gisberta

Gisberta, mulher trans brasileira, viveu no Porto mais de metade da sua vida e morreu nesta cidade com 45 anos. Nesta sessão de sábado 13 de abril às 00.00 passamos a curta de animação de Paulo Patrício “O meu nome é” que conta a história da Gisberta e dos seus últimos dias. 20’ sobre o preconceito, a transfobia, a pobreza e a exclusão, a que se segue um debate com ativistas trans.
O Teu nome é
O Teu nome é

Gisberta, mulher trans brasileira, viveu no Porto mais de metade da sua vida e morreu nesta cidade com 45 anos. Aos 18 anos veio para a Europa, fugida da transfobia mortífera da ditadura militar brasileira. Inicialmente emigrou para Paris, depois para o Porto, onde viveu e trabalhou.

No decurso da sua vida, Gisberta deixou de ter casa no Porto, foi despejada e encontrou refúgio num prédio de betão embargado, encontrando-se em situação de sem-abrigo. Já anteriormente mantinha consumos regulares e deslocava-se com frequência ao bairro do Aleixo. A cidade da Gisberta, em 2006, data da sua morte, era muito distinta da que encontramos hoje: o frenesim do turismo ainda não a tinha tornado numa cidade “cosmopolita”, que se reabilita para quem vem de fora, mas muito menos para quem está ou para quem, vindo de outras paragens, fica no Porto para viver. Talvez isso ajude a compreender a razão de este edifício ali se manter, símbolo da exclusão, da especulação, da corrupção e da violência, enquanto as torres do Aleixo se derrubaram, no decorrer dos anos seguintes, na sequência de um mais que questionável negócio com fundos imobiliários.

O “Pão de Açúcar”, em que Gisberta vivia, é um espaço subtraído à cidade, que pode confundir-se com a própria vida de Gisberta, violentamente omitida ao Porto, mas também de toda uma comunidade que é invisibilizada e recorrentemente violentada na sua existência, nos seus corpos, na sua vivência. Que espaços assim existam deve interpelar-nos. E é daquilo que os espaços representam e que a arquitetura conforma, dos espaços que incluem ou excluem, que se tem feito o debate sobre como devem ser as cidades, sobre quem elas representam, sobre que memórias se inscrevem no seu espaço público, sobre a quem as cidades dão conforto e quem dificultam a vida. E é também esse debate que é suscitado pela mobilização pela atribuição do seu nome a uma rua.

Esta vontade e esta mobilização traz perguntas comsigo: quem dá o nome às ruas? Quem define as características que levam a essa atribuição? Porque são elas maioritariamente masculinas? Porque foi tão difícil que a Comissão de Toponímia do Porto aprovasse o nome de Gisberta numa rua da cidade onde viveu mais de 25 anos, onde trabalhou, onde foi excluída, onde foi brutalmente assassinada e onde o horror da sua morte levou à criação da “Marcha do Orgulho do Porto”, que se realiza todos os anos desde então? Não serão estes feitos necessários e, ao seu modo, e por contraditórios desígnios, “notáveis”? Ou por outra, o que são os feitos notáveis que alguns entendem que carecem de demonstração para que seja reconhecido o direito da cidade a ter uma rua Gisberta? Quem os determina? Não serão estes “feitos notáveis” para uma cidade mais inclusiva, que visibiliza e reconhece, que protege, que acolhe uma migrante, transgénero, seropositiva, sem-abrigo como sua cidadã?

Felizmente, este percurso de mobilização da comunidade LGBTQIA+ pelo reconhecimento da memória de Gisberta foi finalmente reconhecido a 17 de março de 2022. Nessa data, 16 anos depois, a Comissão de Toponímia votou por maioria a atribuição do nome Gisberta Salce Junior a uma rua da cidade, depois de 2 chumbos, em reuniões anteriores.

Ainda bem. Gisberta não é apenas o nome dela própria: teve o condão de mostrar à cidade, e ao país, a violência que a homofobia e a transfobia representam para tantas pessoas, mobilizou a comoção, mas mais que isso mobilizou luta, mobiliza marchas um pouco por todo o país e mobilizou alterações legislativas. Gisberta, tendo sido abandonada por todas, visibilizou uma violência sobre uma comunidade que parece não ter tido acesso ao 25 de abril, à revolução, à liberdade, ao Serviço Nacional de Saúde, à igualdade e acesso ao trabalho, ao apoio social, e que continua a lutar por visbilidade, por direitos, por saúde, pela possibilidade de sermos quem somos, livremente.

Que este processo tenha encontrado tantos obstáculos, mostra que muito há a fazer sobre quem decide sobre a cidade e os seus espaços e sobre que nomes lhes damos. Que Gisberta permita que além de ter uma rua o regimento da Comissão de Toponímia possa vir a ser revisto, é mais um sinal da força motriz que canaliza pela exclusão bárbara de que foi alvo, das falhas sistémicas para com ela, para com os jovens e para com toda uma comunidade que arranca conquistas a ferros.

Nesta sessão de sábado 23 de abril às 00.00 passamos a curta de animação de Paulo Patrício “O meu nome é” que conta a história da Gisberta e dos seus últimos dias. 20’ sobre o preconceito, a transfobia, a pobreza e a exclusão, a que se segue um debate com ativistas LGBTQIA+.

Texto de Maria Manuel Rola

(...)

Neste dossier:

Dossier Desobedoc 2022 - Mostra de Cinema Insubmisso

Desobedoc 2022 - Mostra de Cinema Insubmisso

O Desobedoc está de volta, depois da suspensão ditada pela pandemia. Entre 22 e 25 de abril, no Cinema Trindade, no Porto, dá-se o pontapé de partida para a maratona de celebrações dos 50 anos da revolução que decorrem até 2026.

O que nos move, ou uma pequena história do Desobedoc

O Desobedoc volta ao lugar onde tudo começou em 2014: o Cinema Trindade, no Porto. Neste artigo, José Soeiro recorda como nasceu a ideia de uma mostra de cinema insubmisso e o caminho que fez nestes oito anos.

Monangambé

Sarah Maldoror: “guerreira das ideias”, “poeta das imagens”

‘Guerreira das ideias’, ‘poeta das imagens’ ou ‘realizadora romancista’, assim foi Sarah Maldoror e será possível apreciá-la, em todo o seu esplendor, em Monangambé e Sambizanga. As sessões serão apresentadas pela filha de Sarah Maldoror, Annouchka de Andrade. Texto de Tânia Leão

Imagem do filme “A vida à espera: Referendo e Resistência no Sahara Ocidental” (de 2015, com realização de Iara Lee)

Não desistimos de nada. Uma sessão de homenagem ao Miguel Portas

No dia 24 de abril, quando passam 10 anos sobre a sua morte, evocaremos o internacionalismo solidário do Miguel. Com a presença de Catarina Martins, Marisa Matias, José Manuel Pureza e Luísa Teotónio Pereira e com o filme “A vida à espera: Referendo e Resistência no Sahara Ocidental” de Iara Lee. Texto de Alda Sousa

Luísa Moreira (1974-2020)

Era uma menina gorda

Nunca a Luísa deitou a toalha ao chão, nem mesmo perante o pior diagnóstico do mundo. É preciso ter esperança na ciência e aguentar o corpo até que surja a cura, dizia. Talvez por esta razão, a morte nunca foi um tema de conversa muito presente, mesmo quando a realidade nos tirava o tapete e nos gritava que nós nada podíamos contra ela. Texto de Andrea Peniche

Luísa Moreira (1974-2020), de Vila do Conde: a alegria

O teatro é feito de pessoas assim, discretas, teimosas, dignas. E a Luísa Moreira foi das melhores. Texto de Jorge Silva Melo (publicado no jornal Público, 16 de Maio de 2020).

Desobedoquinho

O Desobedoquinho de Luísa Moreira (1974-2020)

Luísa Moreira foi uma entusiasta do Desobedoc e do cinema como instrumento político e cultural. A programação do Desobedoquinho que este ano apresentamos resulta de escolhas suas, feitas originalmente para o Cinema Insuflável.

O Teu nome é

O meu nome é - sessão de conversa sobre Gisberta

Gisberta, mulher trans brasileira, viveu no Porto mais de metade da sua vida e morreu nesta cidade com 45 anos. Nesta sessão de sábado 13 de abril às 00.00 passamos a curta de animação de Paulo Patrício “O meu nome é” que conta a história da Gisberta e dos seus últimos dias. 20’ sobre o preconceito, a transfobia, a pobreza e a exclusão, a que se segue um debate com ativistas trans. Texto de Maria Manuel Rola

Guerrilla Grannies

Entrevista com Ike Bertels sobre o filme “Guerrilla Grannies"

O filme “Guerrilla Grannies” passará no Desobedoc 2022 no dia 25 de abril, a partir das 17h na sala Miguel Portas e será comentado pela sua realizadora, Ike Bertels.

Africa 50 de René Vautier, França, 1950

René Vautier: referência do cinema militante e anticolonial na abertura do Desobedoc

As bobines de Afrique 50, que abrirá o Desobedoc no dia 22 de abril ao final da tarde, foram confiscadas pela polícia e esse documentário valeu a René Vautier um ano de prisão e quatro décadas de censura. Para esta sessão de abertura, contamos com a presença de Amarante Abramovici e de Olivier Neveux.

Catarina Martins na conferência de imprensa de apresentação do Desobedoc 2022 - foto esquerda.net

Desobedoc volta ao Porto com temática sobre as lutas antifascistas

Foi apresentado, nesta sexta-feira no Porto, o programa do Desobedoc 2022 – Mostra do Cinema Insubmisso, que decorrerá entre 22 e 25 de abril no cinema Trindade, terá documentários sobre as lutas antifascistas e a luta anticolonial e evocará Miguel Portas, que morreu faz 10 anos a 24 de abril.