A violência assume vários formatos e culpa socialmente quem sofre deste tipo de agressão. É um sofrimento que envergonha, é um sofrimento envolto num misto de culpa e afectos, do qual a vítima não tem facilidade em se libertar. A par da violência patriarcal, existe a pressão social para a vitimização.
Quantas vezes não ouvimos: “Se as mulheres estão assim é porque querem. Se apanham ou são maltratadas é porque deixam.” Este tipo de discurso nem tem em linha de conta que uma dessas mulheres de quem falamos pode ser a que está ao nosso lado e em vez de a encorajarmos, aumentamos o estigma e a dificuldade que ela possa ter na denúncia da situação. Sem intenção, estamos a dizer que ela é fraca. Mas ela poderá, a nosso lado, ser uma profissional responsável e empenhada, uma vizinha amável, uma amiga. Contudo, estas mulheres mantêm-se em silêncio! Continuam, dramaticamente, a sofrer, até que um dia aparecem mortas às mãos dos seus companheiros ou ex-companheiros. Então, nesta altura, também nós despertamos, mas já pode ser tarde demais: não ouvimos os apelos, não lemos os sinais! Limitamo-nos a dizer e a ouvir: “se as mulheres estão assim é porque querem”. Por vezes, até desculpamos os agressores, dizendo: é da crise, ou da bebida, ou do mau feitio, ou então deve ser ela que não faz as coisas bem feitas, porque ele até é boa pessoa e, se ela está mal que se mude, porque até já a avisámos várias vezes!
Em cada dia, muitas mulheres vivem a insegurança de voltar para casa. Em cada dia, muitas mulheres são despojadas das suas casas, forçadas a sair, na maior parte das vezes, sem pertences: vão para parte incerta, sem família, sem apoios, sem pessoas amigas. Levam a sua dor, os maus-tratos, as dificuldades do recomeço e os filhos que terão que ir para outra escola, terão que se adaptar a outro meio.
As mulheres saem para não morrerem, enquanto que quem as prejudica, quem as agride, muitas vezes fica impune, em casa, no local habitual. Nós continuamos a culpar e a julgar a mulher que abandona o lar, acusando-a de não ter sido capaz de o manter em ordem. Apesar de tudo, essas mulheres são ainda discriminadas, secundarizadas, desvalorizadas pelo trabalho que fazem, que as remete para a cozinha, que as faz trabalhar mais horas, que as responsabiliza pela educação dos filhos/as e do cuidado dos mais velhos, que lhes retira a palavra na tribuna pública, dos cargos de chefia, que as faz ganhar menos, que regulamenta o seu corpo e o seu sexo.
Julgamos com o peso de uma História que as elimina, as oculta, usando-as na invisibilidade e no obscurantismo. Pactuar com a construção social de identidades opressoras e oprimidas é pactuar com os crimes que continuam acontecer. Pode não acontecer connosco, podemos achar que já somos iguais mas se nos calamos, as nossas amigas, as nossas vizinhas, as nossas colegas de trabalho continuam a morrer. Morrem, apenas, com a culpa de terem amado. Um amor que as silencia e as mata. Por elas e por nós, não podemos calar, não podemos ser cúmplices.
Dia 25 de Novembro é a hora de dizer basta, de ir para a rua e dizer bem alto: não continuo a pactuar com o sofrimento, nem com a morte das mulheres, porque uma das que precisam da nossa voz pode estar ao nosso lado neste momento.
Dia 25, não fiquemos em casa, porque ser diferente não significa desigualdade no acesso aos mesmos direitos.