É um combate difícil porque está diretamente ligado a sentimentos e emoções e, sobretudo, porque é um combate muito desigual, entre o agressor e a vítima. Foi preciso romper os muros que “protegiam o lar”, que protegiam o casamento, colocar em causa o poder que é exercido pelo homem no contexto da família e sobre a “sua mulher”. Foi preciso romper os silêncios das vítimas. Foi preciso ir contra a inércia dos poderes públicos. Foi e é preciso. Este combate, embora registe avanços significativos está longe de terminar. Mais do que nunca, há que manter a luta contra a violência doméstica e a violência contra as mulheres na ordem do dia.
É uma luta multifacetada e é também importante centrar o debate na vítima, compreender a sua situação concreta, como vive as suas emoções e as suas contradições e como encontrará as forças para dizer NÃO e recomeçar tudo de novo. É neste sentido, que vos convido a ler e a refletir sobre este texto de Alyce D. LaViolette e Ola W. Barnett, publicado no livro “It Could Happen to Anyone” (Pode acontecer a qualquer uma), um estudo sobre mulheres vítimas de violência, onde, através de um exemplo em torno de uma história infantil, que continua a ser contada às meninas, se coloca em evidência como a maioria das mulheres não está preparada para enfrentar situações de violência no casamento.
“Tem sido ‘desafiador de pensamento’ perguntar às mulheres com que personagens se identificam, nomeadamente nos contos tradicionais, tipo ‘quem é que tu queres ser quando fores grande’?
Na história da Branca de Neve, quase todas as mulheres querem ser a Branca de Neve. Por razões óbvias, é raro as mulheres escolherem a Rainha Má/Bruxa Má como seu modelo.
O que é que se sabe sobre a Branca de Neve? Era muito bonita, bastante passiva, extremamente doce, demasiado indulgente (com os sete anões), incrivelmente alimentadora e excessivamente desamparada, e cantava de uma forma medíocre. Os modelos de papéis das mulheres (mesmo no século XX e eu acrescento no século XXI) não saem muito das personagens dos contos de fadas. A Branca de Neve, por exemplo, estava preparada para encontrar o Príncipe Encantado, ser acarinhada e salva por ele. Ela não estava preparada para encontrar Átila, o Huno. Não estava preparada para tomar decisões, ser assertiva e heroica.
O que é que se sabe sobre a Bruxa Má? Era bela, diabólica, manipuladora, calculista, forte, interesseira, egoísta, vaidosa. Ela tratava de si própria e fazia frente a qualquer pessoa que se atravessasse no seu caminho. Ela controlava o pai da Branca de Neve e estava preparada não apenas para encontrar, mas para combater Átila, o Huno.
Não se tem muita escolha, pois não? Quando uma mulher se envolve emocionalmente com um individuo que ela inicialmente percebe como um bonito príncipe encantado e que, mais tarde, adquire características de Huno. Muitas vezes ela não está preparada para lidar com esta situação nova e insegura.
Os traços de personalidade com que ela cresceu a acreditar como valiosos, traços que a tornam uma mulher de valor, tais como empatia, compaixão, gentileza, capacidade de perdão, aqui, não a protegem. De facto, eles podem até desampará-la. Exatamente estes atributos que ela passa uma vida a desenvolver, são agora vistos como negativos, mesmo patológicos, no contexto de uma relação abusiva.
Amigos, família, terapeuta, advogado(a), todos podem estar a dizer-lhe que aquelas prioridades já não funcionam. Que ela, agora, precisa de tomar conta da sua vida, canalizar a sua raiva para a ação e salvar-se a si e às suas crianças. Muitas mulheres espancadas sentem que se lhes está a pedir que deixem de ser a Branca de Neve e se transformem na Bruxa Má. Pede-se-lhes que passem a ser uma pessoa de quem elas nunca gostaram. Pede-se-lhes que neguem e mudem a sua socialização, e que façam isso rapidamente.”
Vale a pena refletir e agir!