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Loteamento em Marvila: Câmara aprova loteamento em terrenos necessários para 3ª travessia do Tejo

A Câmara Municipal de Lisboa aprovou, a 22 de Outubro, a autorização para um loteamento na freguesia de Marvila, num local por onde poderá passar a futura linha de alta velocidade ferroviária (TGV) entre Lisboa e Madrid, e que deverá ser ocupado pela terceira travessia sobre o Tejo (Chelas-Barrreiro), de acordo com os estudos já efectuados pelo Governo. A proposta passou apenas com os votos favoráveis do PSD, tendo sido viabilizada com a abstenção da vereadora Maria José Nogueira Pinto, do CDS-PP.
A autorização para o projecto de loteamento na Azinhaga da Salgada, da Veiga e da Bruxa, no Vale de Chelas, requerida pela Lismarvila - Empreendimentos Imobiliários, S.A. (do grupo Obriverca) contrariou um pedido que o Ministro das Obras Públicas, Mário Lino, dirigiu a Carmona Rodrigues, já que o projecto de urbanização para os terrenos em causa poderá colidir com o traçado do canal para a terceira travessia do Tejo, integrada no projecto da Rede de Alta Velocidade (RAVE).
O processo de licenciamento carece também de autorização da Rede Ferroviária Nacional (REFER), que numa carta enviada à autarquia, em Setembro, constatou, que «devido ao estudo para o corredor de acesso à terceira travessia do Tejo 'no corredor Chelas-Barreiro', a qual incorpora ligações ferroviárias em direcção a Chelas/Olaias e à estação do Oriente» existiria «interferência com os traçados preconizados e em curso de aprofundamento no referido estudo, razão pela qual, nesta fase, é inviável emitir parecer conclusivo.»
Este loteamento - que ocupará uma área de 11 hectares, e tem previsto a construção de 1037 fogos com o máximo de oito pisos e inclui ainda espaços comerciais - poderá igualmente configurar uma violação do Plano Director Municipal (PDM), já que se encontra parcialmente inserido numa zona industrial, pelo que exigiria a realização prévia de um Plano de Pormenor.
A dispensa de PP está consagrada no número 3 do artigo 75 do próprio PDM, que contudo faz depender as obras em causa do seu «interesse urbanístico, social ou económico», desde que não seja posta em causa «a reestruturação urbanística da área». Saber se estes requisitos se cumprem neste caso, para que seja permitida a excepção, é uma das questões em aberto.
O Governo actuou, logo após ser conhecida a aprovação, anunciando a implementação, com a "máxima urgência", de medidas preventivas do crescimento urbanístico, na faixa entre a Gare do Oriente e o Braço de Prata/Beato, até que seja escolhido o traçado definitivo do canal da travessia do Tejo.
O titular da pasta das Obras Públicas classificou a decisão da câmara como «irresponsável e infeliz», e salientou que «nem sequer foi uma medida consensual dentro da Câmara». Mário Lino defendeu que seria «uma coisa de bom senso não se ter avançado precipitadamente», e referiu não perceber «qual a necessidade de se aprovar esse loteamento». Já a secretária de Estado dos Transportes, Ana Paula Vitorino, considerou, a atitude da CML como «uma quebra de solidariedade». A SE já tinha assegurado que «até final do primeiro trimestre de 2007» iria existir uma decisão, quanto à solução para a amarração da terceira travessia do Tejo. «Até lá, com respeito por todas as competências, não devem ser feitas aprovações que venham a onerar a construção da terceira travessia do Tejo», advertiu.
Uma vez que as medidas preventivas decretadas poderão ter efeitos suspensivos na operação urbanística, a verificar-se uma eventual expropriação dos terrenos - hipótese que já chegou a ser avançada por Mário Lino - o promotor da obra poderá pedir uma indemnização de cerca de 63 milhões de euros, já que viu aprovados 163 mil metros quadrados de construção, sobre os quais terá direitos adquiridos.
De referir que, na prática, as "medidas preventivas" têm como consequência a paragem de todas as obras a decorrer, nas já terminadas mas sem licença de utilização, e processos de loteamento já em curso. Estas medidas não têm, no entanto, efeitos retroactivos nem retiram o direito a eventuais indemnizações aos proprietários, em caso de expropriação dos terrenos. O levantamento destas medidas traduz-se no seguimento das operações de loteamentos, entretanto travadas.
Para impedir que, neste caso, tenha lugar qualquer tipo de indemnização, José Sá Fernandes, já pediu a intervenção do Ministério Público (MP) sobre este caso. A queixa apresentada pelo vereador bloquista visa anular a deliberação da câmara, considerando que existe uma violação do Plano Director Municipal, para desse modo impedir que se constituam direitos adquiridos e o proprietário dos terrenos não possa pedir uma indemnização com base nisso.
No entendimento do vereador do BE, com a aprovação do loteamento, a Obriverca, proprietária dos terrenos em questão, adquiriu direitos e poderá pedir ao Estado uma indemnização, se a operação for por diante. Sá Fernandes considera também que se está perante um "grave erro urbanístico", e critica o facto do promotor ser isentado da obrigação de construir equipamentos colectivos e espaços verdes, já que o texto da proposta refere que estes não são necessários naquela zona.
O PCP também reagiu à decisão do Executivo avançando com uma participação do MP, visando impedir qualquer efeito da deliberação da CML que possa levar à existência de direitos de indemnização. Os comunistas consideram que a deliberação do Executivo é nula, sendo responsabilidade do Estado declarar a nulidade, de imediato e sem produção de efeitos. Para o PCP, o Governo e o PSD na CML mostraram-se «aliados contra o erário público e a favor dos promotores privados». Ao proceder à apresentação desta proposta, o PSD na CML assumiu, segundo os comunistas, a «responsabilidade das suas consequências, quer políticas quer jurídicas deste verdadeiro escândalo».
No PS as críticas chegariam sobretudo pela voz de Miguel Coelho. O líder do PS-Lisboa defendeu que Carmona Rodrigues deveria retirar os pelouros à vereadora Gabriela Seara, no caso desta não se demitir, contestando a decisão sobre o loteamento, por lesar os interesses da cidade de Lisboa.
Tratou-se na opinião de Miguel Coelho de um "acto inqualificável", já que a vereadora com o pelouro do Urbanismo tinha consciência de que se estavam a criar direitos para o promotor da obra. A aprovação do Executivo poderá, segundo o líder o PS na capital, encarecer «em dezenas de milhões de euros um projecto de interesse nacional como é o TGV».
A vereadora que viabilizou a proposta de loteamento, Maria José Nogueira Pinto, responsabiliza o Governo por não ter decretado medidas preventivas para que o loteamento fosse evitado. A vereadora democrata-cristã justificou a sua abstenção na proposta com o facto deste voto abarcar, por um lado, a «péssima qualidade urbanística» do loteamento aprovado, e por outro não deixar que a CML seja responsabilizada por decretar medidas que competiam ao Governo.
Para Carmona Rodrigues as culpas também estão do lado do Governo. O presidente garante que a aprovação do loteamento é legal, cumprindo "escrupulosamente todas as leis e normas em vigor, nomeadamente o Plano Director Municipal e o Plano de Urbanização do Vale de Chelas", e devolveu as acusações ao Governo considerando que este se deveria ter antecipado na definição de medidas preventivas para impedir o loteamento. De acordo com o presidente, o loteamento em causa está fora do corredor da terceira travessia sobre o Tejo, tendo a autarquia indeferido um outro loteamento por se encontrar dentro deste corredor.
O edil alegou também, em defesa da aprovação do loteamento, desconhecer qual será, em definitivo, o traçado de entrada do comboio de alta velocidade em Lisboa, já que são conhecidas várias hipóteses, assim como a data de aprovação da linha. No entanto, é público que, quando era Ministro das Obras Públicas, no Governo de Durão Barroso, em conjunto com a actual vereadora do Urbanismo, Gabriela Seara, à data sua chefe de gabinete, Carmona Rodrigues terá defendido que o melhor traçado para a construção da terceira travessia do Tejo, enquadrada no projecto do TGV era precisamente o corredor Chelas/Barreiro.
Á questão dos direitos adquiridos do promotor da obra respondeu Gabriela Seara. A responsável pelo pelouro do Urbanismo recusa que possa existir lugar a qualquer indemnização, já que a proposta em si não constitui direitos, encontrando-se condicionada ao cumprimento de condições, nomeadamente à celebração de um acordo entre o promotor da obra e a REFER, e à aprovação dos projectos de urbanização.
Em Junho a vereadora enviou à RAVE informações sobre as operações urbanísticas em curso nas áreas abrangidas pelos traçados em estudo, e esta entidade não manifestou, até agora, qualquer reserva sobre eventuais operações.
Gabriela Seara defende que não existiam fundamentos "de facto e de direito" para a CML não aprovar o loteamento, já que partilha da convicção de que deveria ter sido o Governo a decretar medidas preventivas para o impedir.
A 1 de Dezembro, com a aprovação em Conselho de Ministros do decreto-lei que estabelece as medidas preventivas, para salvaguardar a construção da linha de alta velocidade (fixando que as licenças ou autorizações emitidas pelas câmaras para construir, reconstruir ou ampliar edifícios estão sujeitas à autorização prévia da REFER e da Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional de Lisboa), o Governo dá sinais de que o caso do loteamento de Marvila poderá não ficar por aqui.
Na ocasião, o ministro da Presidência, Pedro Silva Pereira, adiantou que os ministérios das Obras Públicas e do Ambiente e Ordenamento do Território estão a analisar o caso, do ponto de vista jurídico, tendo em vista a sua impugnação. O Governo, disse, acredita que a decisão da CML pode «conter ilegalidades e vícios jurídicos», e não deixará de recorrer «a todos os instrumentos para salvaguardar a legalidade e a viabilidade um empreendimento de interesse nacional». O ministro deixou em aberto a possibilidade do Governo processar a CML, enviando o caso para o Tribunal Administrativo.
Um cenário que não parece preocupar Carmona Rodrigues que insiste na tese de que o loteamento só terá validade após ser celebrado o acordo com a REFER, não estando em causa, até à data, qualquer direito a indemnização ao promotor.
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