Já sabíamos, mas como custa. O João percebeu que o cancro o tinha vencido, mas nunca desistiu de puxar pela vida e ainda há poucos dias acompanhou todo o debate sobre a lei de bases do Serviço Nacional de Saúde pela televisão, foi trocando comigo e imagino que com outros camaradas mensagens sobre como abrir portas e conseguir fazer proteger a joia da democracia. Conseguir, ele era um homem de conseguir.
Arregaçou as mangas no apoio à população vítima das cheias de 1967. O que diria a um jovem de 18 anos aquela calamidade? E o que pensaria ele na conspiração académica na faculdade de medicina, dirigente associativo, preso em Caxias? Nem sei se o entrevi naqueles plenários de homéricas discussões entre correntes políticas antifascistas, mas ele estava lá. Estava, marcou, conseguiu. Fez-se à vida, médico, conheci-o depois diretor de hospital, político experimentado. Foi militante comunista, dirigente, funcionário, nunca cortou a ponte de amizade e camaradagem, sentia-se bem com quem tinha o mesmo coração. Construtor do Bloco de Esquerda, ele sabia como era difícil renovar a esquerda, mas nunca lhe vi um sinal de desistência, de abandono ou de desinteresse. Conseguir, fazer, juntar, aprender, ele sabia por onde ia.
E ser feliz, fazer as escolhas que importam, encontrar quem conta, abraçar os amigos, amar os seus amores, é assim que se faz a vida.
Obrigado, João.
Artigo publicado em expresso.pt a 17 de julho de 2018