Grécia: “Ninguém ficará sozinho na crise”

Os cidadãos gregos têm rejeitado as políticas de austeridade impostas nos últimos anos recusando-se a ser a cobaia das terapias de choque que estão a causar uma verdadeira catástrofe social. A par de momentos de protestos massivos, que, em várias ocasiões, encheram as ruas do país, os cidadãos helénicos organizaram-se em movimentos de massa de resistência e solidariedade, baseando-se na premissa de que “Ninguém ficará sozinho na crise”.

19 de maio 2013 - 13:10
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No período entre 2009 e 2011, assembleias de cidadãos e comités de bairro do movimento Não Pagamos (NO PAY) opuseram-se à introdução de portagens e ao aumento do valor dos bilhetes dos transportes públicos.

Após a ocupação em massa das praças, no verão de 2011, os cidadãos continuaram a organizaram-se, desta vez em torno da rejeição do imposto extraordinário sobre os imóveis, recusando o seu pagamento. A par deste movimento de desobediência civil, floresceram inúmeras redes e estruturas de solidariedade. A greve de 10 meses dos trabalhadores metalúrgicos da Greek Steelworks, e a onda de solidariedade que a mesma despoletou, constituiu um importante impulso no que respeita ao espírito de solidariedade, e à prática da mesma, que percorreu todo o país.

Atualmente, a Grécia conta com centenas de iniciativas e coletivos auto organizados, que desenvolvem o seu trabalho em várias áreas. No início, estes coletivos surgiram para colmatar a necessidade de organização coletiva e para responder à urgência social que se instalou, tendo um campo específico de atuação. Progressivamente foram, porém, assumindo um importante papel na transformação social e estenderam a sua atividade a outros setores.

A principal base destes projetos e a sua área de atividade é o bairro, funcionando em assembleias abertas, nas quais participam tanto aqueles que se organizam para prestar apoio como aqueles que necessitam desse mesmo apoio. A participação e o envolvimento das pessoas que usufruem do apoio prestado por estas estruturas é, aliás, um dos seus principais objetivos. Por essa mesma razão, verifica-se que muitas das pessoas ativas nestas estruturas, são, por exemplo, desempregados, pensionistas ou trabalhadores precários.

Entre as várias estruturas de solidariedade, tem surgido uma rede informal, definida por área geográfica ou por setor de atividade. As estruturas sindicais também têm criado redes de apoio para os seus membros.

No setor da saúde, foram criadas clínicas e farmácias sociais para colmatar a falta de medicamentos, de vacinas, e a exclusão de vários cidadãos do sistema de saúde. Estas estruturas sobrevivem essencialmente à custa de donativos individuais, obtendo, em raras situações, apoio de municípios liderados por forças políticas de esquerda.

O número de voluntários nestas estruturas tem aumentado com o agudizar da crise. Refira-se, a título de exemplo, o caso da Metropolitan Clinic of Ellinikon-Argyroupoli que contava, na primavera de 2012, com 60 voluntários, número que atualmente ascende a 150. Nas clínicas sociais, todas as decisões são tomadas em assembleia, que contam com a participação, em pé de igualdade, de médicos, enfermeiros e voluntários sem qualquer qualificação na área.

A distribuição de comida e o fornecimento de refeições é outra das áreas de intervenção. Para além das cantinas coletivas, frequentadas por desempregados, sem abrigo, e que também dão apoio a trabalhadores em greve, surgiu ainda uma rede de distribuição de alimentos pelas famílias mais carenciadas que não conseguem fazer face às despesas do quotidiano. São vários os exemplos deste tipo de estruturas que se têm vindo a enraizar e desenvolver e que têm um importante papel no combate à exclusão e à fragmentação social e no fortalecimento da coesão social em cada bairro ateniense.

Foram também criadas mercearias sociais nas quais são eliminados os intermediários e são postos em contacto direto os produtores dos produtos agrícolas e os consumidores de áreas urbanas. Este movimento, apelidado de “movimento da batata” ou “movimento sem intermediários”, surgiu há cerca de um ano, quando as forças pró troika ameaçaram os gregos com uma crise alimentar caso a Grécia não cumprisse o memorando, o que, segundo os mesmo, se traduziria na saída do país do euro.

Paralelamente a esses projetos de economia social alternativa, persistiram uma série de outros já pré existentes que, no entanto, se desenvolveram e se assumiram como uma ferramenta de organização e de resistência contra a crise, como é o caso dos bancos de horas e a troca direta de produtos em bazares que têm lugar nas praças do país.

Regista-se, igualmente, o desenvolvimento de empresas sociais que, legalmente e formalmente, têm as características de uma pequena empresa mas que, na prática, têm a singularidade de se organizarem e serem geridas em assembleia geral.

A 12 de fevereiro, abriu, em Salonica, a primeira fábrica auto gerida, que foi reapropriada pelos seus trabalhadores - o BIO.MET (Mettaleutical Industrial), que pertencia à empresa Philkeram-Johnson.

Na área da Educação, foram criadas aulas noturnas sociais, organizadas por professores sindicalizados e desempregados, por associações de pais e por voluntários estudantes, para alunos da cidade de Nafpaktos que não conseguem pagar as propinas das escolas privadas e para as famílias de Pireus.

Existem ainda outros exemplos de estruturas auto organizadas, como é o caso de clubes culturais, como o Conservatório Social de Música, onde se asseguram lições gratuitas de música e se organizam eventos musicais para apoiar outras iniciativas de solidariedade, ou o caso das equipas de apoio legal, que são procuradas, essencialmente, por pessoas que não conseguem pagar os seus empréstimos, que são expulsas das suas habitações, trabalhadores com salários em atraso ou sujeitos a condições laborais precárias, e imigrantes que procuram asilo.

Para estes últimos são ainda assegurados, por vários coletivos, cuidados de saúde básicos, aulas de grego, entre outros.

 

*Este artigo foi escrito com base nas informações presentes no relatório da organização “Solidarity for All”, datado de março de 2013.

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