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Escola pública em perigo

O PEC2 trouxe o Decreto-lei n.º 70/2010 que introduziu novas regras nos apoios sociais e teve consequências directas e dramáticas nas bolsas de acção social do Ensino Superior (ES). Em 2010, o Governo fechou 701 escolas.
A luta pelas bolsas de acção social marcou a mobilizaçao estudantil em 2010. Foto Paulete Matos

Acção Social em perigo eminente

O PEC2 trouxe o Decreto-lei n.º 70/2010 que introduziu novas regras nos apoios sociais e teve consequências directas e dramáticas nas bolsas de acção social do Ensino Superior (ES). Entre a agonia de centenas de estudantes que perderam a hipótese de entrar ou permanecer no ES o ano acabou marcado pelas iniciativas legislativas e pela mobilização fortes dos alunos.

Pelo menos 25% dos mais de 70 mil bolseiros de acção social existentes em Portugal poderiam perder o apoio ou baixar de escalão como resultado da aplicação das novas regras. Segundo números avançados pelo Bloco de Esquerda, cerca de 20 mil estudantes poderiam perder deixar de ter bolsa por causa das novas regras de cálculo do rendimento do agregado, do novo conceito de estudante economicamente carenciado e do novo conceito de agregado. Além das previsões muito negativas, o Governo tardou a publicar o regulamento com as normas de atribuição o que fez com que já depois do início do ano-lectivo começar os serviços de Acção Social das Universidades não pudessem avançar com os processos e milhares de alunos permanecessem na insegurança e sem apoio, sem saber se viriam ou não a ter bolsa. O Bloco denunciou a situação e classificou-a como resultante de um “apartheid social” nos apoios aos estudantes.

Protesto de estudantes calou Sócrates e Mariano Gago

Em Setembro, o primeiro-ministro e o ministro do Ensino Superior foram surpreendidos com uma acção de protesto de estudantes da Academia do Porto, na cerimónia de abertura do ano lectivo do Ensino Superior Politécnico. Três estudantes entraram inesperadamente no auditório entregando uma “medalha por fazer com que Portugal seja o país da Europa onde as famílias mais gastam com educação” ao ministro Mariano Gago, que a recebeu em mãos, estupefacto. De regresso ao palco, um estudante leu um comunicado em voz alta - ver vídeo  - distribuído depois entre os presentes, expressando um protesto contra o aumento das propinas, os empréstimos bancários para a frequência do Ensino Superior e carências a nível da acção social escolar. “Não há cerimónias quando a resposta a um pedido de bolsa demora em média quarto meses, enquanto a maioria dos 70 mil bolseiros em Portugal receber de bolsa mínima apenas 100 euros por mês”, disseram os estudantes.

Já em Dezembro, bolsas e propinas estiveram em debate no Parlamento. Uma petição pela igualdade no ensino superior, que juntou mais de 4 mil assinaturas, foi discutida em plenário e levou os partidos a agendar iniciativas. A petição resultou do projecto Estudantes por Empréstimo e teve como objectivo exigir um novo regulamento de bolsas e uma nova política de financiamento do Ensino Superior.

Na altura, o Bloco de Esquerda avançou com um novo regulamento de bolsas de acção social, que visava reformular os conceitos de agregado, de estudante economicamente carenciado, alargando o universo de bolseiros, para acabar com os escalões e impondo prazos máximos de resposta.

Acabou por passar o projecto de lei do CDS-PP, com os votos contra do PS, que propunha retirar o valor da bolsa do cálculo de rendimentos do agregado, mas mantendo todas as regras do Decreto-Lei 70/2010 em vigor.

As alterações não foram as esperadas mas valeram a pena porque constituem "a prova de que vale a pena lutar", como nos conta o artigo do deputado José Soeiro. 

Bolseiros de Investigação com motivos para protestar

Em Março, por altura da aprovação do OE'2010, a Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) promoveu uma manifestação que juntou cerca de 200 bolseiros, em frente à Assembleia da República, chamando assim atenção para a falta de actualização do montante das bolsas, desde 2002, o que representa uma perda de poder de compra dos bolseiros na ordem dos 20%.

O ano também ficou marcado pelos protestos contra o regulamento de bolsas que excluía os investigadores estrangeiros de desenvolver projectos em Portugal, aprovado em Maio pela Fundação de Ciência e Tecnologia. Os bolseiros contestaram a medida – houve até a criação de um blogue e debates públicos - e o Bloco apresentou um projecto de resolução para que a FCT passasse a privilegiar “critérios científicos e a não exclusão de investigadores estrangeiros” na atribuição de bolsas de doutoramento que foi aprovado com o voto favorável de todos menos o da bancada do PS, que em conjunto com o Governo, demonstrou ser a favor da exclusão - os dois ficaram completamente isolados.

Já em Outubro, a ABIC lançou uma petição online  para denunciar o recurso a bolseiros de investigação para darem aulas sem serem remunerados. Uma prática em vigor em algumas Universidades e que visa não só os bolseiros de investigação mas também outros investigadores, como os que foram contratados ao abrigo dos programas Ciência.

Governo fechou 701 escolas

A lista das escolas básicas do 1º ciclo que não irão reabrir no início do ano lectivo por terem menos de 21 alunos foi divulgada pelo Governo em Agosto. Lamego, Chaves, Penafiel e Ponte de Lima foram os concelhos mais atingidos. Mesmo com os protestos dos pais, dos autarcas e no Parlamento, a ministra Isabel Alçada avançou com os encerramentos. Todos se queixaram da "insensatez" do Governo e da desagregação da escola pública.

Professores exigiram respeito

Quanto aos professores, o ano foi marcado pelo primeiro concurso de professores já a funcionar com o critério da avaliação, cujos moldes foram o alvo das fortes contestações do ano anterior. Neste concurso, ficaram cerca de 40 mil professores de fora, que ampliaram os números do desemprego. As escolas ficaram com os seus quadros sub-ocupados mas a Ministra da Educação assumiu que não abrirá concurso extraordinário de docentes em 2011.

A precariedade entre os docentes prolifera mas o projecto de lei do Bloco para a vinculação de 15 mil professores contratados não foi aceite. O Ministério até anunciou que os professores do Secundário irão corrigir exames nacionais à borla em 2011.

O Parlamento também teve a oportunidade de pressionar o Governo a assegurar contratos de trabalho para os profissionais das Actividades de Enriquecimento Curricular (AECs), mas este projecto de resolução do Bloco também não passou.

Contudo, contra a precariedade a que estão votados, os cerca de 15 mil profissionais que, em todo o país, asseguram a "Escola a tempo inteiro" - entregues na sua maioria a ETTs ou aos falsos recibos verdes - organizaram-se em Lisboa e no Porto, promovendo acções de denúncia da sua situação e exigindo respeito e direitos básicos como um contrato de trabalho.

Os resultados do PISA 2009 foram divulgados já no final deste ano e enalteceram a qualidade da escola pública. Governo não tem contribuído para tal e por isso teve dificuldades em explicar os bons resultados, como refere Miguel Reis no seu artigo "Pisa mas com muito cuidado". 
 

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Neste dossier:

O País em 2010

A vida política do país em 2010 ficou marcada pelos sucessivos pacotes de medidas de austeridade aprovados pelo Governo, com o apoio do PSD, mas também pela mobilização social que reivindicou outra resposta à crise baseada na justiça social e no respeito pelas pessoas.

Governo interveio no negócio PT/TVI

Comissão Parlamentar de Inquérito, da qual o deputado do Bloco João Semedo foi relator, concluiu que o primeiro-ministro tinha conhecimento das negociações e que o “governo interveio no negócio PT/TVI em duas fases e de duas maneiras diferentes”.

Manuel Alegre: Pela defesa do Estado Social

Candidatura de Alegre à Presidência da República, que conta com o apoio do Bloco de Esquerda, representa “vontade de ruptura, de conflito, contra o situacionismo económico” e de defesa do Estado Social. Ver aqui Contrato Presidencial.

Igualdades: avanços e recuos

Em 2010 festejou-se a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo e a nova lei a favor dos direitos dos transexuais. Mas, neste ano que passa, assinala-se também a morte de 39 mulheres vítimas de violência de género.

O ‘buraco negro’ do défice

Perante a crise económica e social e o expectável agravamento da recessão, governo corta nos salários, pensões e apoios dos mais desfavorecidos mas gasta milhares de milhões de euros com submarinos, blindados, BPN e Parcerias Público Privadas.

Austeridade rima com precariedade e... desemprego

Neste último ano, a taxa de desemprego atingiu um máximo histórico: 10,9%. Segundo dados do INE, publicados em Novembro, existem pelo menos 609.400 pessoas no desemprego. Em 2011 chegará o novo Código Contributivo que tornará mais cara a vida dos recibos verdes.

PEC: penalização dos mais desfavorecidos

Governo corta apoios sociais dos mais desfavorecidos, ataca direitos dos funcionários públicos e privatiza empresas estratégicas essenciais, degradando serviços públicos e, a prazo, diminuindo receitas do Estado.

2010: um ano de lutas

2010 foi o ano das medidas de austeridade mas também foi o ano da maior mobilização grevista de sempre que culminou com a primeira convocação conjunta de greve geral pelas duas centrais sindicais, a CGTP-IN e a UGT. 

Saúde: o ano de todos os cortes

2010 foi marcado pelo ataque ao SNS e aos direitos dos utentes mais desfavorecidos. A política de desperdício dos dinheiros públicos resultou numa divida acumulada de 2500 milhões.

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A área da Cultura foi uma dos mais afectadas pelas medidas de austeridade mas o sector  mobilizou-se como nunca em defesa da arte e do desenvolvimento cultural do país.