“Estas palavras eram para ela como o álcool. Não foi um sonho, existia uma mulher que falava em seu próprio nome”. Aragon ecoa, nos “Sinos da Basileia”, pela boca da sua personagem Catherine que assistiu ao enterro do casal Lafargue, o fascínio que exerceu Alexandra Kollontai sobre o seu público. Bela, elegante, boa oradora e em várias línguas (russo, finlandês, francês, alemão, inglês, norueguês, sueco), cultivada, ela é exatamente o contrário do estereótipo da revolucionária que alguns imaginam desalinhada, feia e insegura.
No dia 3 de dezembro de 1911, logo depois da intervenção de Lenine sobre o túmulo de Laura, filha de Marx, e Paul Lafargue, Alexandra improvisou uma sensível homenagem àqueles que eram seus amigos desde há muitos anos e, particularmente Laura, que não fora citada por Lenine no seu discurso.
Admirada e adorada, ao mesmo tempo em que era vilipendiada e caluniada, ela foi incansável na defesa das suas ideias, nas quais acreditava verdadeiramente, várias vezes distante das doutrinas desenvolvidas pelos dirigentes ou pelos aparelhos políticos. Escolheu a sua movimentada vida, que a fez percorrer a Europa, como escolheu os seus amores. Tentou sempre conciliar as suas convicções revolucionárias de emancipação e a sua vida pessoal vivendo de forma adequada com as suas ideias. Alexandra Kollontai é uma mulher livre e revolucionária, o que não era fácil no início do século passado.
O advogado francês, outrora socialista, depois comunista, Jacques Sadoul, que a encontrou em 1917, descreve-a de forma elogiosa:
“Passo duas horas com Alexandra Kollontai na sua casa. A Ministra da Saúde Pública veste uma elegante capa de veludo escuro, drapeado como antigamente, que molda agradavelmente as formas harmoniosas de um corpo esguio e leve, visivelmente livre de todos os entraves. Rosto equilibrado, traços finos, cabelos claros e encaracolados, olhos azuis, profundos e doces, Kollontai é uma mulher forte e bela na casa dos 40 anos. Pensar na beleza de uma ministra é estranho, e percebo essa sensação que, até então, nenhuma outra audiência ministerial me fizera sentir. Os nossos ministros têm, evidentemente, outros charmes. Haveria um ensaio por compor sobre as consequências políticas do acesso de belas mulheres ao poder. Inteligente, culta, muito eloquente, acostumada ao sucesso estonteante da tribuna popular, a Virgem Vermelha, antes mãe de família, permanece muito simples, uma mulher mundana, talvez. Para mim, ela já é uma boa camarada. Mas instalada em sua casa, num gabinete de trabalho modesto e decorado com bom gosto, esta bolchevique que milita na extrema-esquerda do bolchevismo parece-me disposta a todas as concessões. Vou encontrá-la na hora certa no Smolni, no bairro da insurreição, com a sua vestimenta surrada, clássica de militante, mais viril e menos sedutora”.
Alexandra Kollontai nasceu em 19 de março de 1872, em São Petersburgo. Filha do general ucraniano das forças armadas czaristas, Michail Domoutovitch, e de Alexandra Mravinskaia, proveniente de uma família de proprietários de terras finlandeses que enriqueceram com o comércio da madeira. Alexandra, Choura para a família, cresceu numa família da aristocracia rica. No seu livro de memórias, escrito após 1945, ela atribui outra característica ao seu nascimento:
“Quando a minha aparição se inscreveu no projeto familiar, de Paris chegou a notícia da derrota da Comuna e da execução dos communards. Louise Michel pregava às massas o novo evangelho – o comunismo. Marx e Engels rompem com Bakunine e os seus amigos anarquistas na tentativa de impedir a desagregação da I Internacional Operária. Karl Kautsky ainda é apenas um estudante em Viena. A estrela de Bismarck ainda está no ápice do seu brilho. Wilhelm Liebknecht reúne as forças operárias na Alemanha, e Karl Liebknecht não fora ainda concebido”.
Ela apaixonou-se muito jovem pelas novas ideias. Os seus pais enviaram-na a Paris, em 1882, no intuito de afastá-la do homem pelo qual se apaixonara e que não lhes parecia um bom partido. Esforço vão! Ela não apenas se casou, contrariando sua família, com o engenheiro Vladimir Kollontai (do qual manterá o sobrenome ao longo de toda a sua vida, mesmo tendo-se separado dele), como descobriu a imprensa parisiense, a existência dos sindicatos, os nomes de Auguste Bebel, de Clara Zetkin ou de Karl Liebknecht. Leu Fourrier, Saint-Simon e O Manifesto do Partido Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels. De espírito rebelde, ela surpreendeu-se com estas ideias revolucionárias tão mal vistas na Rússia e sonhou tornar-se escritora.
Choura e Vladimir tiveram um filho, um ano após o casamento, chamado Mikhail, mas o título de “dona de casa” era demasiado pesado para Alexandra. A situação a sufoca, ela, então, encontra um amante, um colega do seu marido que vivia sob o mesmo tecto que o casal e acaba por deixar o marido, em abril de 1898. Ela busca apenas algum apoio no seu amante Alexandre Satkevitch, apelidado de “homem amável”, o qual passará a encontrar de tempos de maneira intermitente.
Em 13 de agosto, parte deixando o seu filho sob os cuidados dos seus pais. A sua jornada a conduz para Zurique, na Suíça, seguida por Itália, próximo a Génova, onde foi aconselhada a buscar tratamentos médicos para a sua depressão. Trabalha na redação de artigos sobre a Finlândia, país que ela conhece muito bem em virtude da sua ascendência finlandesa. Um primeiro artigo é publicado na revista russa Obrazovanie (Instrução).
Depois disso ela vai para Berlim, para uma clínica neurológica, e retorna, aconselhada pelos médicos, para a Rússia, em 1899. Dividida entre o seu marido e o seu amante, foge uma vez mais para a Suíça por alguns meses. Publica, novamente, em revistas, artigos documentados sobre a Finlândia, o movimento operário local e a economia daquele país. Muito rapidamente alcança uma reputação de especialista sobre esse país.
Em Zurique, aproxima-se de Rosa Luxemburgo, já bem conhecida nessa época. Esse encontro reforça a convicção de Alexandra de que ela fora feita para lutar por uma sociedade mais justa. Parte para Londres e, de seguida, São Petersburgo. Alexandra, então, reencontra o seu amante, agora coronel. O casamento é impossível. Ela sonha viajar, mas ele está preso ao seu posto na Rússia. Ela finge retomar os seus estudos para poder retornar à Suíça. Lá frequenta a comunidade de imigrantes russos e encontra Gueorgui Plekhanov que a inicia no marxismo.
Rosa Luxemburgo apresenta-a a Karl Kautsky. Em Paris, Laura e Paul Lafargue recebem-na. A morte da sua mãe, seguida pela do seu pai, forçam o seu regresso a São Petersburgo. A administração da importante herança é deixada a cargo do seu amante enquanto Alexandra retoma as suas peregrinações e passa o verão de 1903 na Côte d’Azur, com o seu filho.
Apaixona-se pela causa das mulheres. Publicou três livros: A vida dos operários finlandeses (1903), A luta de classes (1905) e A Finlândia e o socialismo (1906). Os seus artigos “O papel das feministas e das mulheres proletárias no movimento pela emancipação das mulheres” e “O problema da moral a partir de seu aspeto positivo” são notáveis. Ela torna-se reconhecida como uma das especialistas do socialismo e do movimento operário.
Em 9 de janeiro de 1905, está entre aqueles que se manifestam e marcham diante do Palácio de Inverno, em São Petersburgo. Profundamente incomodada com a feroz repressão do “domingo sangrento”, toma, em seguida, a palavra em diferentes reuniões operárias revelando o seu talento como oradora, o qual desconhecia até o momento. No mesmo ano, conhece Lenine. Encontra também Piotr Maslov, redator do Moskovkaia Gazeta (Jornal de Moscovo), jornal da social-democracia russa. Esre economista, próximo dos mencheviques, é vigorosamente combatido por Lenine. Alexandra apaixona-se e retoma as viagens ao exterior para ficar próxima dele, escondendo a relação da sua esposa. Deixa os bolcheviques em 1906, depois de um desacordo relativamente à estratégia desenvolvida por Lenine de participação na Duma (Assembleia Legislativa russa instaurada depois da Revolução de 1905). Junta-se à corrente menchevique do Partido Social-Democrata Russo.
Participa do Congresso da Social-Democracia Alemã, em 1906, representando as operárias de São Petersburgo no VII Congresso da II Internacional, em Estugarda. É próxima de Karl Liebknecht, Clara Zetkin, August Bebel, Lenine, Trotski, Lunatcharski, o qual escreverá sobre ela à sua mulher: “Entre os convidados, a Kollontai, adornada como um tesouro”. A sua elegância foi frequentemente motivo de implicância tanto por parte de seus camaradas, quanto dos seus inimigos.
Por iniciativa sua e de Clara Zetkin, na II Conferência Internacional das Mulheres Socialistas de Copenhaga, em 1910, foi proposto o Dia Internacional das Mulheres para o direito de voto, igualdade entre os sexos e o socialismo, cuja data ainda não tinha sido fixada com precisão. Finalmente o 8 de março foi escolhido, depois da grande manifestação das mulheres de Petrogrado. Esse dia, em 1917, marcou o início da Revolução Russa, cinco dias depois o czar abdicaria!
Ela foi perseguida pela justiça, na Rússia, por causa dos seus escritos sobre a Finlândia. O escritor Máximo Gorki organizou uma coleta de fundos para pagar, caso fosse necessário, a fiança que garantiria sua libertação, arrecadando 3.000 rublos. Finalmente consegue fugir na véspera do Primeiro Congresso das Mulheres da Rússia, em dezembro de 1908, não sem antes fazer uma intervenção que seria ali lida, conforme afirmou nas suas Memórias.
“Estive entre as primeiras socialistas russas que lançaram as bases de uma organização das mulheres operárias, organizando encontros especiais a seu favor etc. A partir de 1906, defendi a ideia de que a organização das operárias não devia ser autónoma, mas que deveria existir dentro do partido um escritório especial ou uma comissão de defesa e representação dos seus interesses”.
Declarou, alguns dias depois, numa conferência sobre “A trabalhadora na sociedade contemporânea”:
“A questão das mulheres, segundo as feministas, é uma questão de ‘direitos e de justiça’. De acordo com as mulheres proletárias, a questão das mulheres está baseada em ‘ter pão para comer’. O despertar da mulher e o desenvolvimento das suas necessidades e reivindicações específicas virão na medida em que ela se unir às forças armadas da população assalariada livre. Não existe essa questão de ‘mulheres’ independentes, a questão das mulheres surgiu como um elemento integrado ao problema social da nossa época. A libertação da mulher, enquanto membro da sociedade, trabalhadora, indivíduo, esposa e mãe é, portanto, possível, unicamente, em paralelo com a solução da questão social geral e com a transformação fundamental da ordem social atual”.
Permanecerá ausente da Rússia até 1917. Durante esses anos, fará muitas viagens, escreverá, publicará em revistas, participará de reuniões, realizará conferências e militará ativamente. Nas suas Memórias, pontua:
“Trabalhei com os bolcheviques até 1906. Separei-me deles quando surgiu a questão da participação das operárias na primeira Duma e a questão do papel do sindicato.
De 1906 a 1915, integrei a fração menchevique e, depois desse período, tornei-,e membro do Partido Comunista Bolchevique. Em 1908, fugi da Rússia, pois fui indiciada em dois processos, um por organização das operárias do setor têxtil e outro por apelo à insurreição, presente na brochura que escrevi, “A Finlândia e o socialismo”. Eu vivi no exílio político do fim de 1908 até 1917, quer dizer, até a primeira revolução burguesa. No exílio, aderi, imediatamente, ao Partido Alemão, depois ao Partido Belga. Militava na qualidade de “agitadora”, de escritora, de propagandista na Alemanha, na França, na Inglaterra, na Suíça, Dinamarca, Noruega e nos Estados Unidos (1915-1916). Fui presa na Alemanha durante a guerra, expulsa da Suécia e presa novamente acusada de propaganda antimilitarista”.
Ela prosseguia:
“De regresso à Rússia, em 1917, fui a primeira mulher eleita para o Comité Executivo do Soviete de Petrogrado e, em seguida, tornei-me membro do Comité Executivo Pan-Russo. Antes da revolução bolchevique, fui presa juntamente com outros dirigentes bolcheviques pelo governo de Kerenski. Fui libertada pouco antes da revolução bolchevique de Outubro, a pedido do Soviete de Petrogrado”.
Kollontai apoiou as teses de Lenine contra o governo Kérenski que, nomeadamente, defendiam a ideia de que os sovietes eram o embrião do governo revolucionário. Ela usa o famoso lema “Todo poder aos sovietss”.
Chegada à Rússia, vê-se sobrecarregada:
“Como disse anteriormente, fazia parte dos bolcheviques. Imediatamente, desde os primeiros dias, encontrei uma enorme pilha de trabalho a esperar-me. Uma vez mais, o meu objetivo era de me envolver numa luta contra a guerra, contra a coligação com a burguesia liberal e pelo poder dos conselhos operários: os sovietes. Como consequência lógica dessa situação, a imprensa burguesa estigmatizou-me como a ‘bolchevique de saias’, completamente louca. Nessa época, eu já era muito popular nos meios operários, entre os soldados, as operárias e as soldadas e, ao mesmo tempo, era odiada e atacada pela imprensa burguesa. Estava, no entanto, sobrecarregada pela quantidade de trabalho que me esperava, no sentido de que me restava pouquíssimo tempo livre para ler os ataques e as calúnias que escreviam contra mim. O ódio contra mim, sob pretexto de que eu estive no país do Kaiser alemão para enfraquecer a frente russa, crescia em larga medida entre aqueles que não eram favoráveis aos sovietes”.
Membro do governo de Lenine, tornou-se a primeira mulher ministra no mundo e impulsionou leis que promoviam um novo estatuto para as mulheres. Conta:
“Fui Comissária do Povo para Assistência Pública no primeiro gabinete do governo bolchevique revolucionário. Desde o meu retorno à Rússia, eu me ocupava da organização das operárias. A partir de 1920, fui responsável pelo setor feminino do Partido para a organização das operárias. Como Comissária do Povo para o bem-estar social, promulguei decretos a favor da proteção à maternidade e à infância”.
Desejava desenvolver refeitórios coletivos, empresas de limpeza, lavandarias… Tudo aquilo que poderia aliviar o trabalho doméstico realizado pelas mulheres. Um escritório central para a proteção da maternidade e da infância ficou pronto, em janeiro de 1918. A licença maternidade de dezasseis semanas foi instituída. Foram abertas maternidades, dispensários, creches. A maternidade e a educação tornam-se, desde então, um assunto de Estado. As mulheres obtêm o direito de votar e de serem eleitas, o direito ao divórcio por consentimento mútuo, o acesso à educação, paridade salarial, igualdade de reconhecimento de filhos naturais e legítimos, o direito ao aborto, em 1920, e que foi questionado por Estaline, em 1936.
Para ela, tudo deve ser implementado para que as mulheres sejam, elas também, as atrizes da revolução, que trabalhem pelos mesmos salários e sob as mesmas condições e que sejam libertas de todas as tarefas domésticas, para que possam participar da construção da nova sociedade.
Ela descreve esse período movimentando e as conquistas da sua ação:
“As realizações mais importantes do nosso comissariado do povo, o Ministério do Bem-Estar Social, durante os primeiros meses após a Revolução de Outubro foram as seguintes: decretos para a melhoria da situação dos inválidos de guerra, pela abolição da instrução religiosa nas escolas de raparigas que dependiam do ministério (isto aconteceu ainda antes da separação geral da Igreja e do Estado), decretos para transferir os padres para o serviço civil, pela adoção do direito à autodeterminação de estudantes nas escolas de raparigas, para reorganização dos orfanatos mais antigos, transformando-os em casas governamentais de acolhimento para crianças, decretos para a criação dos primeiros lares para necessitados e jovens de rua, decretos para reunir um comité composto por médicos incumbidos de configurar um sistema de saúde pública e gratuita no país inteiro. Na minha opinião, a realização mais importante do Ministério do Povo foi a fundação legal de um escritório central de apoio à maternidade e à infância. Assinei o projeto de lei referente a esse escritório central em janeiro de 1918. Um segundo decreto a partir do qual transformamos todas as maternidades em casas gratuitas para dispensar cuidados às mães e aos recém-nascidos. Era preciso lançar as bases para a criação de um amplo complexo governamental para a proteção das mães”.
Em 1918, no Primeiro Congresso de Mulheres Trabalhadoras e Camponesas Russas, por ela organizado, fez uma intervenção sobre o tema “a família e o socialismo”. Ao mesmo tempo, um dos primeiros imperativos do governo bolchevique foi colocar fim à guerra contra a Alemanha. Mas essa questão dividiu o Comité Central do Partido Bolchevique. Lenine defendia a ideia da assinatura de um acordo de paz. Alexandra Kollontai sustentava outra posição, levar adiante uma guerra revolucionária ofensiva e provocar a revolução noutros países. Essa última tendência recebeu o nome de “comunista de esquerda” ou “esquerda comunista”. Esta tomada de posição levou Alexandra Kollontai, na primavera de 1918, a deixar seu cargo no Comité Central, bem como aquele no Comissariado do Povo.
No entanto, não ficou excluída de toda a responsabilidade. Em 1919, tornou-se Comissária de Propaganda no governo revolucionário da Ucrânia e presidente da Comissão da Mulher no Comité Central do Partido. Em 1921, assume a direção do Secretariado Internacional das Mulheres da Interacional Comunista (Comintern).
Alguns meses mais tarde, junto àquele com quem partilhou uma parte de sua vida, Alexandre Chliapnikov, funda a “Oposição Operária”, uma tendência de esquerda dentro do partido bolchevique. Escreveu a brochura desta corrente, a qual defendia posições cruciais no debate da época: a importância dos sindicatos e da classe operária no processo revolucionário, a rejeição da Nova Política Económica (NEP), criada por Lenine para restaurar a economia soviética, a luta contra a burocracia e pela democracia.
Em 1921, no X Congresso do Partido Bolchevique, foi atacada de maneira virulenta. A moção, votada pela maioria, decretou:
“O Congresso declara dissolvido e ordena que se dissolvam, imediatamente, todos os grupos, sem exceção, que são constituídos sobre tal ou tal programa (grupo da “Oposição Operária”, do “Centralismo Democrático” …). A não execução dessa decisão do congresso conduzirá à exclusão imediata e absoluta do Partido”.
O direito à tendência passa a ser proibido.
Após a publicação de uma carta assinada por 22 nomes em apoio à Oposição Operária, uma comissão internacional foi nomeada na ocasião da conferência da Internacional, realizada em Moscovo, entre os dias 21 de fevereiro e 4 de março de 1922. Presidiram a conferência Zinoviev, Clara Zetkin e Marcel Cachin. Depois de ter ouvido por muito tempo Alexandra Kollontai e Alexandre Chliapnikov, a comissão votou, por unanimidade, o relatório Kreibich que afirmou que esta tendência “quebra a disciplina e a unidade do Partido Russo, trai os interesses do Partido e da Internacional Comunista”.
A conferência adota, unanimemente, a resolução:
“A Nova Política Económica, com as suas inevitáveis concessões ao capitalismo, aos pequenos e médios camponeses, contém um perigo de aumento da influência pequeno-burguesa no Partido como nos órgãos governamentais. As explicações fornecidas à Comissão pelos representantes do grupo da Oposição Operária, conduzida por Chliapnikov e Kollontai, assim como pelo Comité Central do PCR, mostraram que o centro dirigente do PCR sempre teve noção dos riscos, inclusive os ligados à burocracia que lutou contra eles e continuou a combater em condições objetivas incrivelmente difíceis. […] A atitude dos camaradas que reivindicavam, longe de ajudar o Partido a combater as irregularidades dessas circunstâncias, longe de as reforçar, acabou extraindo-lhe forças preciosas ao mesmo tempo que forneceu aos inimigos do comunismo, aqueles “de esquerda”, como aos mencheviques e até mesmo aos piores contra-revolucionários, uma arma contra o Partido e contra a ditadura do proletariado. […] Consequentemente, a assembleia plenária do Comité Executivo não pode reconhecer as queixas dos vinte e dois camaradas como bem fundamentadas. Ela sublinha que, com a sua conduta, esses camaradas, manifestamente, quebraram as decisões do X Congresso do PCR acerca da unidade do Partido e a tendência sindicalista libertária. O Comité Executivo informou esses camaradas que o prolongamento da campanha iniciada, fatalmente, em contradição com o PCR, o seu programa e o interesse do proletariado da Rússia, os colocará fora das fileiras da III Internacional”.
A Oposição Operária dissolveu-se. Alexandra Kollontai não tomará mais uma posição política e vai recusar todos os apelos que iam nessa direção. Os caprichos da revolução, no entanto, não afetarão o seu gosto pela aventura e pelo amor.
Em 1918, os seus romances com Pavel Dybenko, dirigente revolucionário dos marinheiros do Báltico, comissário dos assuntos navais desde a Revolução de Outubro, causou grande alvoroço. Ele era dezassete anos mais jovem que ela. Preso na véspera do IV Congresso dos Sovietes, em março de 1918, acusado de não ter defendido corretamente Petrogrado, ela salvou-o através de um pedido de casamento. Casou-se civilmente com ele, com isso Dybenko foi libertado sob fiança da sua esposa legítima. Fogem juntos e acabam por retornar a Moscovo no final de abril, depois de Lenine ter garantido que não se estava a considerar nenhuma detenção.
Depois do processo, Dybenko, absolvido, apressa-se a juntar-se aos seus amigos do Báltico. Alexandra, então, aceita fazer uma jornada de propaganda sobre o Volga. Milhares de pessoas vieram escutar aquela que foi apresentada como “Uma comissária do povo presta contas ao povo”. Iniciou, igualmente, missões de propaganda nas regiões têxteis, depois retoma a pena para defender as suas ideias sobre a família, o casamento, a educação. Os seus artigos são publicados no Pravda e no Izvestia. Aí afirmou:
“O casamento é revolucionado. A família deixa de ser uma necessidade. Ela é inútil para o Estado porque, afastando as mulheres de um trabalho útil à sociedade, não é mais útil para os membros da família na medida em que o Estado se encarrega, progressivamente, da educação das crianças”.
Toma a palavra em muitas reuniões defendendo a liberdade do amor, sinal da total rejeição dos entraves e da moral burguesa. O seu casamento com Pavel Dybenko durará até 1923.
Em 1922, ela inicia uma carreira de diplomata que a afastou ou, sem dúvidas, visou afastá-la, dos problemas políticos do seu país. Durante o verão recebe um telegrama de Estaline: “Nomeamo-la para um posto importante no exterior. Regresse imediatamente a Moscovo”. Ela aceita representar a Rússia Soviética na Noruega, mesmo que o seu papel por lá não estivesse bem definido. Em 1923, foi nomeada ministra plenipotenciária na Noruega, tornando-se a primeira embaixadora no mundo.
Depois de uma curta estadia no México, em 1926, ela retorna para a Noruega e lá permanece até 1930. No dia 30 de outubro de 1930, foi nomeada para a Suécia, onde fora presa dezasseis anos antes e onde fora impedida de permanecer. Assume, brilhantemente, as novas responsabilidades. O seu domínio de várias línguas é uma vantagem. Ela tem uma importância central na assinatura do tratado de Moscovo que selou a paz entre a URSS e a Finlândia no dia 12 de março de 1940. De 1935 a 1939, torna-se membro da delegação soviética na Liga das Nações, em Genebra. A sua atividade diplomática termina em 1945, quando ela completa 73 anos, uma decana do corpo diplomático na Suécia.
Ela esperava que o seu trabalho diplomático lhe deixasse tempo para que pudesse escrever. Mas esse não foi o caso. Ainda no começo da sua nova carreira publica, ainda assim, dois artigos sobre a liberdade sexual na Molodaya Gvardiya (Jovem Guarda), no início de 1923, que serão violentamente criticados. Ambos conservam, até hoje, o seu caráter inovador e a sua força. Estes artigos foram escritos sob a forma de cartas aos jovens trabalhadores. A primeira análise da poeta Anna Akmatova, musa dos acmeístas (movimento político russo que aspirava a unidade indivisível entre a Terra e o homem), apelidada de a “rainha Neva” ou “a Alma da Idade da Era da Prata”. Para Kollontai, a sua poesia ilustrava a incapacidade dos homens de reconhecerem a individualidade da mulher e as dificuldades por ela encontradas para combinar amor e criação. O “Pássaro branco”, da poetisa, representa o sentimento nato da mulher, a sua própria personalidade, e o “Dragão” o conteúdo que retira a personalidade destilada pela ideologia burguesa. E, para concluir, apenas a cultura proletária poderia permitir o desaparecimento da luta entre os sexos.
A segunda carta faz referência aos problemas do amor. Para Alexandra Kollontai, chegara a hora de revolucionar os sentimentos e as conceções a respeito do amor. Interpelada por uma jovem comunista que lamentava o retorno do amor (uma vez que durante a Revolução, parecia que as pessoas tinham se libertado dele), ela respondeu à jovem que “o Eros de asas abertas” retornava e que isso era uma coisa boa. Ela constrói nesse artigo todo o horizonte histórico e pertinente das conceções amorosas através dos tempos, atacando o amor burguês hipócrita e definindo os contornos de um novo amor-camaradagem. Com o fim da propriedade privada e com a emancipação humana, o amor libertar-se-ia do caráter exclusivista e egoísta que carrega até o momento.
Alexandra Kollontai foi, então, vigorosamente atacada pela imprensa comunista. Ela alimentaria preocupações antimarxistas e seria apenas uma “intelectual pequeno-burguesa”. Chegaram ao ponto de sugerir que ela se teria tornado uma inimiga do Partido. Tratam-na por “devassa”, “escandalosa”, “imoral”. Artigos que deturpavam as suas ideias apareciam assinados por AK. Acabou por solicitar uma reunião com Estaline quando, finalmente, a campanha difamatória se acalmou.
Publicará igualmente, em 1923, as suas obras literárias A Mulher encontra-se num momento decisivo e em O Amor das abelhas-operárias tenta dar vida aos seus personagens e às suas conceções acerca da moral e do amor e representar o tipo de mulher que ela imaginava na sociedade comunista. Estas obras também provocam reações violentas e reações escandalizadas.
Ainda em 1936, durante as discussões sobre o novo Código da Família, um dos oradores citou a sua novela “O Amor de três gerações” para ilustrar a “libertinagem pequeno-burguesa” dos anos vinte. Ainda em 1923, ela lança o seu livro sobre a questão feminina, A situação da mulher na evolução económica, e uma série de artigos sobre os problemas da moral comunista.
Em 1927, publica um romance, O Grande Amor, sem dúvida inspirado na relação de Lenine com Inessa Armand, obra sobre a qual a imprensa soviética silencia. Depois disso, não publica muita coisa, as suas ocupações diplomáticas tomam muito do seu tempo. Não participará de nenhum debate político no seu país.
É curioso que ela tenha se mantido em silencio durante todo o período estalinista. Durante a redação das suas Memórias, em 1945, não faz qualquer referência à Oposição Operária ou às suas conceções acerca do amor livre, ela, a quem nunca faltou coragem para defender suas posições, mesmo face à Internacional Comunista. Foi uma das raras oponentes de esquerda da Revolução de Outubro a escapar das purgas estalinistas. Não protestou quando o aborto ou a liberdade conferida ao divórcio foram questionados por Estaline.
Sobre os seus silêncios, parece confidenciar, modestamente, em duas ocasiões a Marcel Body, francês envolvido na Revolução Russa e que se tornou diplomata na Noruega ao lado de Alexandra. Disse apenas: “Como lutar, como se defender contra a injúria? Eles dispõem dos meios para disseminá-la” (1925); “Não podemos ir contra o aparelho. Da minha parte, coloquei de lado a minha consciência, os meus princípios e faço tanto quanto é possível a política que me é ditada” (1929). Sem dúvida, a sua preocupação em defender a Revolução foi mais forte do que as críticas que podia formular.
Alexandra Kollontai morre em Moscovo, no dia 9 de março de 1952, aos 80 anos, depois de ter escrito as suas memórias, nas quais ela deixa de lado vários episódios da sua atividade e da sua vida, como a pertença à Oposição Operária ou as suas conceções sobre a moral e o amor, sobre as quais não menciona uma única palavra. (...)
Interessou-se por todos os problemas políticos da sua época como uma revolucionária aguerrida: economia, democracia, o lugar da classe operária na revolução, a necessidade de liderar em paralelo com a revolução política, uma revolução “da vida quotidiana e dos hábitos”, a luta contra a opressão das mulheres e a posição legitima na sociedade comunista, a construção de uma nova moral e de uma nova relação entre os sexos.
Desprezada e adorada na sua época, a sua elegância lendária encontra-se no seu pensamento e nos seus escritos. Vamos então lê-la.
Patricia Latour é jornalista e ensaísta. Fundadora das Edições le Temps des Cerises e redatora do jornal "Le Manifeste". É autora de "Femmes et citoyennes", "De l'esclavage à la liberté", “Droit de citer les femmes”, “Femmes en révolution” e “La révolution en chantant”.
Prefácio às Obras Escolhidas de Alexandra Kollontai. Publicado por LavraPalavra. Traduzido por Maitê Peixoto. Editado pelo Esquerda.net para português de Portugal.