Kollontai, Comissária do Povo para a Proteção Social numa revolução feminista

O primeiro governo bolchevique afirmou o desejo de criar uma rede de creches, jardins de infância, lavandarias e cantinas para libertar as mulheres das tarefas domésticas. Decidiu a não ingerência do Estado nas relações sexuais entre os indivíduos e aboliu as penas de prisão por homossexualidade. Por Jean-Jacques Marie.

27 de março 2022 - 20:23
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Desde os primeiros meses da revolução, os bolcheviques no poder tomaram medidas democráticas que o anterior governo provisório tinha ignorado, com a única exceção do direito de voto concedido às mulheres em junho de 1917.
O governo bolchevique, no qual Alexandra Kollontai foi nomeada comissária do Povo para a Proteção Social, afirmou o seu desejo de criar uma rede de creches, jardins de infância, lavandarias e cantinas para libertar as mulheres das tarefas domésticas. Decidiu sobre a não ingerência do Estado e da sociedade nas relações sexuais entre os indivíduos e aboliu as penas de prisão por homossexualidade. Terminada a guerra civil, lança-se numa luta titânica para liquidar o analfabetismo, enquanto mais de 80% das mulheres são analfabetas.
Em 28 de dezembro de 1917, o Comissariado de Assistência Social criou uma seção de proteção à maternidade e primeira infância, posteriormente transferida para o Comissariado de Saúde Pública. O Código de Família, promulgado em 16 de setembro de 1918, liquidará o poder conjugal e paterno, abolirá a distinção anterior entre os chamados filhos legítimos e ilegítimos, que passaram a gozar dos mesmos direitos, permitindo assim que uma mulher, mesmo solteira, solicite pensão alimentícia ao pai.
Em 4 de janeiro de 1919, será criado um órgão interministerial, um conselho de proteção à infância, reunindo representantes das delegacias de Proteção à Saúde Pública, Previdência Social, Abastecimento e Trabalho. O governo soviético, há muito paralisado pela guerra civil, abolirá, pela primeira vez no mundo, as sanções penais que punem o aborto por decreto de 18 de novembro de 1920. Mas a Rússia soviética carece de leitos hospitalares e médicos.
A realidade não é, de facto, e não pode ser a cópia dos decretos: os bolcheviques assumem o poder num país arruinado pela guerra e pelas políticas do Governo Provisório, devastado pela violência das apropriações de terras e pela fome. A sangrenta guerra civil provocada pela reação e incentivada pelas potências aliadas devorou a maior parte dos parcos recursos do país, espalhou cólera e tifo, ampliou ainda mais essa ruína e paralisou as medidas de emancipação das mulheres. Assim, em dezembro de 1920, havia apenas 567 creches, 108 lares materno-infantis, 197 centros de consulta, 108 centros de abastecimento de leite e 267 asilos para crianças pequenas e asilos em todo o país. É muito pouco, claro, mas é um começo e um exemplo.


Jean-Jacques Marie é historiador, especialista sobre história da Revolução Russa de 1917 e da URSS. Autor de uma extensa bibliografia, nomeadamente do livro Les femmes dans la Révolution Russe (2017).

Texto publicado no jornal L'Humanité. Traduzido por Miguel Pereira para o Esquerda.net.

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