Alexandra Kollontai, de revolucionária a estalinista

porAntónio Louçã

António Louçã analisa as contradições da vida da revolucionária e faz um balanço crítico das várias metamorfoses da sua atividade política desde os tempos antes da revolução de Outubro até ao período em que se torna embaixadora.

27 de março 2022 - 20:21
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Alexandra Kollontai.
Alexandra Kollontai.

Numa revolução que fez correr rios de tinta, a biografia de Alexandra Kollontai é talvez um dos temas mais recheados de mistificações. Alexandra Mikhailovna Domontovich, Kollontai a partir do seu primeiro casamento, teve fama de feminista, mas descobriu o tema das mulheres trabalhadoras precisamente para combater o feminismo. Foi recordada como bolchevique da primeira hora, mas na realidade manteve-se como menchevique até ao início da Primeira Grande Guerra. Denunciou vigorosamente a proibição do direito de tendência por Lenine, mas acabou por caucionar as purgas estalinistas.

Para além das contradições patentes na movimentada vida militante de Kollontai, existe amplo consenso em reconhecer-lhe uma personalidade brilhante e um talento multifacetado – como militante revolucionária, como oradora, como publicista, como reformadora social. Tentou além disso a sua sorte como escritora, embora as novelas que escreveu sejam geralmente consideradas medíocres; e aceitou mais ou menos contrafeita um papel de diplomata que lhe ocupou toda a idade madura e sobressaiu pelo pioneirismo feminino numa coutada tradicionalmente masculina.

A anti-feminista convertida ao exemplo alemão

Nascida em 1872, filha de um general czarista e de uma terratenente finlandesa, Kollontai cedo evoluiu em direcção ao marxismo, partiu para a Suíça, estudou os clássicos, travou conhecimento com Lafargue, Plekhanov, Kautsky e Rosa Luxemburg. No inverno de 1899-1900 produziu um estudo sério e documentado sobre a economia finlandesa, a que depois daria continuidade com a publicação em 1903 de um trabalho de fôlego sobre a situação da classe operária na Finlândia. Ganhou assim as credenciais que iriam fazer dela a principal especialista do marxismo russo sobre a Finlândia.

Regressou entretanto à Rússia, a tempo de viver a revolução de 1905. Estava, aliás, presente no pacífico cortejo que foi recebido a tiro no “Domingo sangrento” de S. Petersburgo. Datam de 1905 os primeiros vestígios documentais e testemunhais de uma activa militância política de Kollontai. A mais autorizada entre os seus biógrafos, Barbara Evans Clements, observa, contudo, que nos escritos dessa fase nada se encontra ainda sobre a situação da mulher trabalhadora (Clements, p. 38).

Em todo o caso, sob a pressão do caudal revolucionário, a prática antecipava-se à teoria. Feministas russas de classe média alta começavam nesse tempo a utilizar a abertura legal criada pela revolução para fazerem propaganda de reformas ao nível da educação e dos direitos cívicos. Kollontai, como também anota Clements, viu-se pressionada pela capacidade de iniciativa das feministas e começou a frequentar as sessões públicas dessa campanha para polemizar contra elas e para disputar-lhes a influência política (Clements, p. 44).

Kollontai partilhava a ideia generalizada entre os marxistas russos, segundo a qual os problemas da opressão da mulher resultavam da existência do capitalismo e só poderiam ser resolvidos com a abolição do capitalismo. Este postulado teórico traduzia-se depois em preconizar que as mulheres participassem na luta comum do movimento operário. A mobilização em torno de reivindicações específicas das mulheres era encarada com desconfiança e rotulada como separatismo.

Mas, para além deste consenso, Kollontai preocupava-se com a ausência de um esforço do partido para mobilizar as mulheres e olhava, apreensiva, os êxitos conseguidos pelas feministas. Procurou convencer os seus camaradas social-democratas a colocarem na ordem do dia as reivindicações próprias das mulheres, mas foi esbarrando numa inércia que vinha de trás.

Mais produtiva a médio prazo foi a aproximação entre Kollontai e Clara Zetkin, iniciada no congresso social-democrata de Mannheim, em 1906. Além de um rico património de elaborações teóricas sobre a situação da mulher, de Engels até Bebel, o partido alemão tinha uma política para fazer participar as mulheres social-democratas na actividade política. Sob a influência deste exemplo, Kollontai evoluiu, segundo Clements, “da sua convicção inicial de que o partido devia fazer mais para atrair mulheres trabalhadoras, até à noção de Zetkin de que as mulheres deviam organizar-se dentro da social-democracia para reclamarem os seus direitos desde já” (Clements, p. 56).

O esforço para fazer participar as mulheres deixava de ser uma táctica visando disputar o terreno às feministas. A ideia já não era convencer os dirigentes do partido de que a mobilização das mulheres podia ser instrumental para alargarem a sua influência política. As mulheres trabalhadoras deixavam de ser olhadas como objecto de uma política partidária, e passavam a sê-lo como sujeito activo de transformações profundas na sociedade e no próprio partido. Tratava-se agora de que as mulheres se mobilizassem para fazer valer os seus interesses e direitos.

Nesse sentido, a anti-feminista Kollontai regressou de Mannheim a S. Petersburgo transformada em discípula de Zetkin, embora ambas tivessem certamente recusado o rótulo de feministas que a posteridade lhes colou.

Quando, em dezembro de 1908, as feministas liberais convocaram o “Congresso das Mulheres”, Kollontai preconizou a intervenção das mulheres social-democratas nesse fórum e deparou com uma reacção fria no comité partidário de S. Petersburgo, tanto dos mencheviques como dos bolcheviques. Mas, sem se dar por vencida, voltou-se para os meios sindicais e conseguiu lançar com três activistas têxteis (Antonova, Solov’eva, Klavdiia Nikolaeva) um engenhoso processo de eleição de delegadas fabris para participarem no congresso (Clements, p. 61).

O comité do partido, contrariado com o sucesso das eleições, apelou a boicotar o congresso, mas Kollontai e as suas novas aliadas ignoraram o apelo e intervieram ruidosamente, em polémica com as feministas liberais. No último dia do congresso, uma boa parte da delegação operária abandonou ostensivamente a sala, para marcar distâncias face ao feminismo liberal. Kollontai, organizadora da espectacular intervenção, não pôde estar presente no congresso, para não ser identificada e detida pela polícia.

Depois de partir para o exílio, ela iria passar a escrito reflexões várias sobre a situação da mulher, que se torna então, pela primeira vez, um tema da sua produção literária. No entanto, ao focar-se sobre temas como o da nova moral sexual, Kollontai parece reflectir mais a influência filosofante que recebera do ex-bolchevique Alexander Bogdanov do que a mudança de perspectiva política que ficara a dever a Clara Zetkin. Os escritos que décadas mais tarde iriam fazer dela um ícone do feminismo soixante-huitard constituíam mais uma divagação de antropologia prospectiva do que uma expressão teórica dos méritos que teve a sua campanha entre as operárias têxteis.

A reanimação do movimento operário russo abria entretanto novas oportunidades e, a partir de 1912, Kollontai constatou que três destacadas militantes bolcheviques partilhavam o seu interesse em promover uma activa participação das mulheres na luta política: Inessa Armand, Konkordiia Samoilova e Nadejda Krupskaia, beneficiando todas de um hesitante apoio de Lenine (Clements, p. 75 sg). Mas persistiam vários obstáculos a uma cooperação mais estreita – desde logo os preconceitos fraccionais entre bolchevismo e menchevismo, e também a hostilidade que as três militantes bolcheviques mantinham contra a criação de um comité de mulheres, preconizada por Kollontai. Enfim, a repressão policial impediu as comemorações do 8 de março de 1913 e desse modo privou esta embrionária convergência de fazer a prova prática dos seus méritos.

Poder soviético e libertação da mulher

Pelo meio, meteram-se a guerra mundial e a revolução. Kollontai não renunciara, contudo, ao foco sobre a participação das mulheres na revolução e viu-se confirmada em vésperas de fevereiro de 1917, quando as operárias têxteis do bairro de Viborg não se deixaram refrear pelo bolchevique Kaiurov, insistiram em convocar manifestações de protesto no Dia Internacional da Mulher e deram desse modo o tiro de partida para o derrubamento do czar.

Com a revolução de fevereiro consumada, Kollontai voltou a agitar contra as feministas e surpreendeu-se ao vê-las aplaudidas, e ao ser ela própria apupada, pelos seus excessos polémicos perante uma manifestação que, em 19 de março, exigia do Governo Provisório igualdade de direitos cívicos para as mulheres. Mas aprendeu com esse primeiro revés e, na manifestação seguinte, das mulheres dos soldados, emendou o tiro e tratou de impulsionar o movimento sem estigmatizar as feministas presentes (Clements, p. 111)

Após a revolução de outubro, Kollontai foi nomeada comissária do povo. Era a primeira mulher na história a dirigir um Ministério, neste caso equivalente ao dos Assuntos Sociais, mas com meios tão rudimentares que começou por funcionar numa sala do Smolny, tendo à porta um letreiro pintado à mão: “Comissariado do Povo para o Bem Estar Social”.

Num discurso pronunciado em 6 de novembro, a recém-empossada comissária do povo anunciou medidas de apoio à maternidade e à infância num sistema em que, explicou, “a participação das mulheres na vida produtiva da sociedade não contradiga a sua tarefa natural e socialmente necessária de pôr as crianças no mundo”. Em consequência, legislou para limitar o trabalho infantil e o trabalho de mulheres grávidas, introduzir a licença de maternidade durante oito semanas com o salário correspondente e sem perda de antiguidade, bem como assistência médica gratuita, alimentação e vestuário para as crianças.

Para as reformas laborais em prol das operárias, Kollontai contou com o apoio de Shliapnikov, então comissário do povo para o Trabalho. Em cooperação com Inessa Armand, conseguiu obter o apoio do secretário do partido, Yakov Sverdlov, para organizar o Primeiro Congresso Pan-Russo de Mulheres Operárias e Camponesas, logo em 16 de novembro. Em vez das 300 esperadas, vieram 1.100, criando um problema logístico grave, no meio da escassez generalizada.

O direito de voto para todas as mulheres adultas, que continuava a não existir em grande parte da Europa ocidental, foi imediatamente introduzido pelos bolcheviques, sem Kollontai necessitar de fazer uma campanha sufragista dentro do partido. Outras reformas do primeiro governo soviético traziam a marca do seu Comissariado do Povo: dois meses depois da revolução de Outubro, o casamento civil tinha substituído o casamento religioso, o divórcio fora simplificado e a mulher deixara de ter de adoptar o nome do marido.

Mas as reformas introduzidas com a assinatura de Kollontai iriam ficar limitadas pelas dificuldades materiais com que se debatia o poder soviético e também pela brevidade da sua permanência no cargo. Aquando da polémica sobre a paz de Brest-Litovsk, Kollontai apoiou Bukharin e acabou por demitir-se ao ver derrotada a moção dos “comunistas de esquerda”.

Enquanto Kollontai se envolvia em missões de propaganda na guerra civil, Inessa Armand e Konkordiia Samoilova continuavam a promover a organização de mulheres iniciada no Congresso Pan-Russo de novembro de 1917 e conseguiram finalmente luz verde do partido para criarem uma comissão própria, o Zhenotdel, que em breve iria tornar-se tão ou mais influente do que o primeiro Comissariado do Povo presidido por Kollontai.

Kollontai tinha motivos para ambicionar a presidência do Zhenotdel, mas Armand, finalmente escolhida para o cargo, tinha sobre a ex-comissária do povo a vantagem de ser mais astuta em levar a água ao seu moinho. E, com efeito, Armand soube invocar a autoridade de Clara Zetkin e os sucessos da comissão de mulheres do partido alemão, sem se deixar conotar com a imagem que Kollontai ganhara nos seus escritos (Clements, p. 163), na realidade de inspiração mais fourierista que marxista e menos influentes no seu tempo do que viriam a sê-lo postumamente.

Ainda assim, Kollontai meteu ombros a colaborar com Armand e Samoilova nas prioridades do Zhenotdel em prol das mulheres: no combate aos trabalhos insalubres, pela criação de cursos de formação profissional, pela inclusão de mulheres em organismos do partido, dos sindicatos, das empresas e do Estado. Com a morte prematura de Inessa Armand em setembro de 1920, Kollontai assumiu a presidência do Zhenotdel e em breve decidiu legislar sobre a questão, controversa mesmo nas fileiras do bolchevismo, da interrupção voluntária da gravidez.

Para algum feminismo soixante-huitard, que meio século depois se entusiasmou com os escritos de Kollontai, o estudo do debate sobre o aborto no Estado soviético seria certamente decepcionante, tal como seria decepcionante a omissão de qualquer referência a meios contraceptivos (Goldman, p. 245). Com efeito, não predomina nesse debate a invocação do direito das mulheres a decidirem sobre o seu próprio corpo e sim uma série de considerações de saúde pública, sobre o flagelo do aborto clandestino. E foi com fundamento nessas considerações que o Zhenotdel em novembro de 1920 conseguiu fazer passar a legislação descriminalizadora, também nessa altura pioneira na Europa. (Goldman, p. 244)

Outras causas que o Zhenotdel chamou a si foram a luta contra a prostituição e uma campanha nas repúblicas soviéticas de maioria muçulmana para combater a poligamia, os casamentos forçados, a obrigatoriedade do véu e a exclusão das mulheres da vida pública.

No balanço global, Clements considera que a actividade do Zhenotdel, iniciada sob a presidência de Armand, e prosseguida sob a de Kollontai, esta temperada com a influência mais sóbria e realista de Samoilova, constituiu uma hábil utilização das circunstâncias da guerra civil para fazer reconhecer o papel das mulheres como sujeito activo na luta comum, só possível se as suas reivindicações específicas deixassem de ser adiadas em nome da vitória final. Sob a pressão dessas circunstâncias e da enérgica actividade do Zhenotdel, o bolchevismo evoluía de proclamar que “a libertação da mulher não é possível sem o socialismo”, para a adenda não menos importante de que “o verdadeiro socialismo não é possível sem a libertação da mulher”.

A revolucionária menchevique convertida ao bolchevismo

A simpatia de Kollontai pelo marxismo e os seus contactos com personalidades marxistas de projecção internacional são anteriores aos primeiros rastos de uma militância política activa e organizada. Esta começa muito provavelmente com a revolução de 1905, em que ela colaborou com publicações das duas alas do partido, mencheviques e bolcheviques.

Mas o elo de ligação com os bolcheviques era Alexander Bogdanov, a expressão mais extrema da política sectária que exigia dos sovietes uma submissão incondicional ao partido. Kollontai, valorizando a espontaneidade revolucionária, sentia-se politicamente mais atraída pelo menchevismo, que nadava com a corrente e não tratava necessariamente de prevalecer sobre o movimento.

Ao partir para o exílio em 1908, Kollontai apenas teve ocasionais aproximações ao bolchevismo nos momentos em que este pareceu mais permeável a uma reflexão sobre o papel da mulher na revolução. Contudo, a disposição para prestar atenção ao tema era volátil, e não constituía marca de água de nenhuma das duas fracções por contraste com a outra. Kollontai manteve-se, assim, na órbita do menchevismo até ao começo da Primeira Guerra Mundial.

Em 4 de agosto de 1914, assistiu na galeria do Reichstag à votação dos créditos de guerra pelo SPD e o choque emocional da traição aproximou-a da fracção que mais radicalmente proclamava o internacionalismo e a luta contra a guerra. Desta vez, o seu elo de ligação ao bolchevismo foi Alexander Shliapnikov, que pela primeira vez a pôs em contacto com Lenine.

A radicalidade derrotista do bolchevismo cimentou a adesão de Kollontai, porque também ela era radicalmente contra a guerra. Mas, como assinala Clements, é verdade que a essa adesão subjazia um mal-entendido, porque Kollontai era uma pacifista radical e Lenine proclamava, alto e bom som, a necessidade de transformar a guerra imperialista em guerra civil (Clements, p. 87). Daí que Kollontai tenha continuado a embarcar nos efémeros projectos que lhe pareciam poder reaproximar os bolcheviques e os mencheviques contrários à guerra, primeiro com Axelrod e Balabanov, depois com Trotsky e Martov.

Mas em breve ela se foi afastando de Martov, que denunciava a guerra, e ao mesmo tempo procurava manter a ligação com os mencheviques belicistas. A ambiguidade de Martov empurrou Kollontai, cada vez mais, para a posição de Lenine, acabando por fazê-la aderir formalmente ao bolchevismo em junho de 1915. Ela continuava, contudo, a reclamar contra Lenine o desarmamento universal, e a divergir dele sobre a luta pela autodeterminação nacional, partilhando a aversão de Luxemburg, Bukharin e Piatakov aos movimentos independentistas.

Ao eclodir a revolução de fevereiro, Kollontai, exilada na Noruega, pôde chegar a Petrogrado mais rapidamente que os exilados da Suíça. Adiou ainda por um par de dias a partida, para receber as “Cartas de longe”, em que Lenine reafirmava a oposição à guerra, apesar da mudança de regime ocorrida na Rússia. Com essas cartas no bolso, e convicta da sua validade, enfrentou os dirigentes do interior, Kamenev e Estaline, que tinham adoptado uma política de reaproximação aos mencheviques e de contemporização com a política belicista.

Apesar de ter ficado em minoria até ao regresso de Lenine, Kollontai não foi ostracizada e tornou-se uma activa colaboradora da Pravda. Soube também fazer-se eleger para o soviete de Petrogrado, fracassando numa primeira tentativa junto dos operários madeireiros, mas obtendo depois um mandato como representante de um regimento influenciado pelo bolchevismo. Pouco depois, foi eleita para o Comité Executivo dos Sovietes.

Mesmo com o regresso de Lenine, nada ainda estava ganho e a maioria do bolchevismo continuava céptica sobre a estratégia de “todo o poder aos sovietes” preconizada pelo dirigente recém-chegado da Suíça. A primeira voz a apoiá-lo convictamente foi a de Kollontai, seguida a curta distância por Shliapnikov. Na primeira fase de isolamento da proposta sovietista, Kollontai foi alvo frequente de troça e de apupos, que a apontavam como servil seguidora de Lenine.

Nos poucos meses que durou a fase de mais entusiástica adesão ao leninismo, Kollontai chegou mesmo a reavaliar as suas anteriores objecções sobre o princípio da autodeterminação nacional. Fê-lo, em boa parte, pela sensibilidade que tinha desde sempre aos sofrimentos da nação finlandesa, oprimida pelo império russo, e escolhendo o congresso do partido finlandês, em junho de 1917, para defender pela primeira vez essa perspectiva.

Na sequência das jornadas de julho, Kollontai foi presa. Estava na cadeia quando se reuniu o sexto Congresso do partido e, com expressiva votação, a elegeu para o Comité Central, como primeira mulher a ter assento nesse órgão. Na confecção das candidaturas para a Assembleia Constituinte, Kollontai foi depois colocada num dos lugares cimeiros da lista bolchevique.

Depois da insurreição de outubro, voltaram a vir à tona os velhos impulsos unitários de Kollontai, que preconizou uma coligação com os mencheviques e criticou Lenine e Trotsky pelo seu alegado radicalismo. Criticou também, no espírito de Gorki, a detenção de opositores mas, quando teve de fazer funcionar o seu Comissariado do Povo e deparou com uma greve dos velhos burocratas czaristas, ela própria chamou um destacamento de marinheiros para prender os grevistas (Clements, p. 126).

Do mesmo modo, Kollontai não hesitou em mandar ocupar o emblemático mosteiro Alexandre Nevskii para instalar feridos da guerra. A igreja ortodoxa logo convocou uma manifestação de protesto, que os marinheiros reprimiram com o saldo de um morto. Lenine repreendeu Kollontai por ter desencadeado um conflito latente com a Igreja e obrigou-a a desocupar o mosteiro. Mas, abertas as hostilidades e sendo já imparável a ruptura, o Conselho de Comissários do Povo decretou no dia seguinte a separação entre a Igreja e o Estado (Clements, p. 131). Kollontai tornara-se um factor de radicalização – prematura, diriam alguns – da ditadura revolucionária.

Do “comunismo de esquerda” à “Oposição operária”

No debate sobre as negociações de Brest-Litovsk, Kollontai começou por avaliar sobriamente a realidade em privado, e acabou a agitar em público propostas que sabia serem inviáveis. A Jacques Sadoul, ela confidenciou logo em janeiro de 1918 que considerava impossível recusar as exigências territoriais dos alemães, porque os soldados já não queriam combater (Clements, p. 139). Depois, esteve ausente da maioria das reuniões do Comité Central que acaloradamente discutiram o tema. Mas, em março, ela reclamava já ao lado de Bukharin e dos “comunistas de esquerda” uma guerra revolucionária contra o ocupante. Em protesto contra a assinatura do Tratado, foi mesmo ao ponto de se demitir, em 19 de março, do cargo de comissária do povo.

Barbara Clements observa judiciosamente que o pacifismo de Kollontai durante a Primeira Guerra Mundial se tinha transformado no seu contrário – um belicismo serôdio, extemporâneo e irrealista, provavelmente inspirado pela sua indignação por ver a revolução finlandesa abandonada para salvar a revolução russa (Clements, p. 141).

No plano subjectivo, não voltou a existir entre Lenine e Kollontai a amistosa relação anterior. A ex-comissária deu mesmo largas a uma certa tendência para fabricar teorias da conspiração, como foi o caso quando o seu marido de então, Pavel Dybenko, foi detido por deserção.

Dybenko era um dos lendários marinheiros de Kronstadt, que depois Lenine elevara ao cargo de comissário do povo da Marinha. Mas no início da guerra civil deu má conta de si na batalha de Narva, cometeu erros tácticos grosseiros, perdeu a cabeça e partiu sem avisar ninguém. Foi julgado por insubordinação e finalmente libertado, sem outras consequências que a destituição do cargo ministerial e a degradação para responsabilidades inferiores.

Kollontai nunca se convenceu de que Dybenko estivesse a ser castigado por uma falta grave e sempre atribuiu a sua prisão a uma sanha retaliatória, por ele ter estado entre os “comunistas de esquerda” que, como ela, se opuseram ao Tratado de Brest-Litovsk. Clements comenta, certeira: “Kollontai ignorava a razão mais óbvia para a detenção de Dybenko – ele tinha desertado do seu posto no meio da batalha” (Clements, p. 144 sg.).

A actividade de Kollontai no Zhenotdel viria depois a cruzar-se com um debate que começou a tomar forma dentro do partido ao longo do ano de 1919 e que culminaria com uma plataforma entre a “Oposição operária” animada por Shliapnikov e os “centralistas democráticos”, em setembro de 1920, para defenderem na IX Conferência do partido mais democracia interna. Kollontai tardou em tomar posição no debate, provavelmente para evitar que o Zhenotdel se visse arrastado para um conflito que podia comprometer-lhe o futuro.

Mas em janeiro de 1921, quando já se desenhava uma clara maioria para Lenine no X Congresso do partido, ela decidiu finalmente aderir à Oposição operária, fazendo-o daí em diante com a sua truculência característica. Em declaração de 28 de janeiro, Kollontai criticou duramente o partido por postergar o controlo operário da indústria em prol da gestão unipessoal, entregue a gestores burgueses. Defendeu também o papel dos sindicatos no exercício do poder económico e a limitação do partido a um papel de supervisão sobre o poder político.

A Oposição operária reclamou maior liberdade de expressão dentro do partido, mas sempre admitindo que mencheviques e socialistas-revolucionários continuassem excluídos dessa liberdade. Pior, a Oposição operária nada disse em defesa dos insurrectos de Kronstadt, que foram esmagados pela repressão em março de 1921. Kollontai foi porta-voz da Oposição operária, mas as meias tintas de pouco lhe serviram, porque a sua eloquência não comoveu o Congresso.

No final, foi aprovada a NEP que substituía as requisições compulsivas de cereais por um imposto sobre os excedentes da produção agrícola. Antecipando uma forte contestação desse restabelecimento, mesmo limitado, de uma economia mercantil, o Congresso deliberou ainda a proibição de tendências no partido.

Kollontai procurou depois proteger o trabalho do Zhenotdel contra a má vontade que o seu apoio à Oposição operária provavelmente suscitaria. Resguardou-se quanto pôde, mas no verão de 1921 discursou no III Congresso da Komintern, a pedir que os outros partidos comunistas interviessem contra a NEP, considerada um perigo para o futuro do socialismo. O apelo foi mal recebido, mas Kollontai não ficou queimada perante o Congresso: poucos dias depois, o seu discurso a reclamar um papel activo e independente para o Zhenotdel foi calorosamente aplaudido (Clements, p. 167).

Nos meses seguintes, a Oposição operária insistiu nos apelos à Internacional e Kollontai retomou uma atitude discreta, evitando envolver-se directamente na discussão. Em fevereiro, Shliapnikov apresentou ao Executivo da Komintern a “Declaração dos 22”, severamente crítica sobre a política de Lenine. Kollontai começou por não subscrever o documento, mas a adopção de um perfil baixo não bastava para recuperar para o Zhenotdel os apoios que este entretanto perdera.

Ao aderir à Oposição Operária, Kollontai dera o golpe de misericórdia na sua relação com Lenine, já abalada durante a crise de Brest-Litovsk, mesmo se o apoio que este lhe prestava nunca chegara a ser tão enérgico como o do entretanto falecido Sverdlov. A isto juntou-se ainda a morte de Samoilova, vítima de cólera na primavera de 1921.

Privada de apoios decisivos na cúpula do partido e do realismo de Samoilova no escalão imediatamente inferior, Kollontai vira degradar-se muita da capacidade de realização do Zhenotdel e acabou por ser afastada da sua presidência em fevereiro de 1922. Clements não considera que esse afastamento tenha sido uma medida retaliatória pela sua adesão à Oposição Operária, antes o atribui a uma constatação da sua crescente ineficiência naquele cargo (Clements, p. 216).

Sem mais nada a perder, Kollontai subscreveu então a “Declaração dos 22”. O seu nome era um dos cinco que foram alvo de um processo de expulsão. O Congresso do partido confirmou a expulsão de dois deles, mas recusou fazer outro tanto com os históricos: Kollontai, Shliapnikov e Medvedev. Mas, afastada do Zhenotdel e com uma presença condicionada no partido, ela dirigiu-se no verão de 1922 ao secretário-geral, Estaline, pedindo-lhe uma nova missão. Estaline respondeu em outubro, oferecendo-lhe o ingresso na carreira diplomática, como adida comercial na Noruega.

Silêncio sobre a colectivização forçada e sobre a restauração patriarcal

Kollontai aceitou a carreira diplomática como alternativa à vida de revolucionária, aparentemente na expectativa de poder dedicar-se à escrita, em várias das suas vertentes. E voltou naturalmente a escrever sobre a situação da mulher, procurando agora complementar os seus escritos sobre o capitalismo e a mulher, anteriores a 1914, com escritos sobre as realizações do socialismo em prol da mulher. Voltou também a publicar novelas, que voltaram a contar-se entre a sua escrita menos feliz, dando aso a que lhe fosse atribuída a ela, aliás erradamente, a “teoria do copo de água”, ou o elogio da promiscuidade sexual, que Lenine uma vez criticara, mas sem a mencionar como autora.

Agora, que Estaline consolidava o seu poder, e enquanto não estivesse seguro de poder contar com a adesão de Kollontai, ele aproveitar-se-ia de qualquer palavra das ficções publicadas por ela para distorcer as suas posições políticas e para desacreditá-la. Kollontai, atacada na imprensa soviética por epígonos do estalinismo, como Polina Vinogradskaia, apressou-se a pedir uma entrevista com Estaline (Clements, p. 232).

A facilidade com que Kollontai obtinha acesso a Estaline não deixa de impressionar, como assinala Beatrice Farnsworth no âmbito do seu estudo sobre os diários de Kollontai. A debutante da carreira diplomática tinha publicamente louvado a “sensibilidade” do secretário-geral em 1924, ao salvá-la da ostracização que sentia dentro do partido – um elogio que certamente agradava e convinha a um homem conhecido pela sua brutalidade, notada também por Lenine no escrito que ficou conhecido como seu testamento (Farnsworth, p. 950).

Estaline apadrinhara, aliás, os primeiros passos de Kollontai na carreira diplomática, ao ponto de por vezes curto-circuitar e desautorizar os seus imediatos superiores hierárquicos. Logo em 1924, deu-se um caso em que Estaline lhe perguntara, a propósito de uma divergência entre ela própria e dois desses superiores: “Mas quem foi que a contrariou, Litvinov ou Chicherin?”. A isto terá respondido Kollontai, em ar de amuo adolescente: “Ambos, camarada Estaline” (Farnsworth, p. 949).

A entrevista pedida a Estaline em outubro de 1926 durou cerca de uma hora e meia. Serviu para Kollontai afiançar a sua lealdade ao secretário-geral e marcar distâncias face à oposição (Farnsworth, p. 952). A campanha difamatória parou então, como por encanto. Depois dessa entrevista, vieram várias outras. Durante pelo menos oito anos, até 1934, Kollontai continuou a ser recebida por Estaline com inusitada naturalidade (Farnsworth, p. 960).

De confidências que fez em carta pessoal a Ström, entende-se que no início da aliança entre Estaline e Bukharine Kollontai conservava ainda reservas sobre a linha geral, muito no espírito da Oposição operária, considerando que o partido sacrificava o proletariado industrial e fazia demasiadas concessões ao campesinato, especialmente aos seus estratos mais abastados. Mas depois deixou-se convencer pelas bondades do apelo bukahriniano ao enriquecimento dos kulaks e, a partir do XIV Congresso do partido, passou a ter expressões de apoio à moderação de Estaline em matéria de política agrária. (Farnsworth, p. 956).

Quando veio a viragem da colectivização forçada, Kollontai já tinha esquecido e definitivamente enterrado o espírito da Oposição operária e, em julho de 1930, não deixou de confidenciar ao seu diário o horror que lhe causava a deportação dos kulaks, acrescentando que nem sempre se tratava comprovadamente de kulaks. E perguntava-se angustiada: “Quantas crianças morreram e para quê? Desastrado, estúpido, uma verdadeira falta de humanidade comunista. Dói-me o coração” (Farnsworth, p. 956 sg.). Mas guardou as angústias para si própria e, a bem do modus vivendi que tinha encontrado com o estalinismo, absteve-se de qualquer palavra pública sobre as crianças mortas.

Na sua estadia de 1926 em Moscovo, Kollontai participou ainda num debate sobre a revisão do código de família. A situação dramática das mães solteiras estava sendo aproveitada pelo estalinismo para pôr em causa legislação revolucionária anterior em pontos como o divórcio e o aborto. A ex-comissária do povo e ex-presidente do Zhenotdel interveio no debate sugerindo um reforço dos abonos de família, mas agora no quadro de uma restauração dos quadros familiares pré-revolucionários.

Clements observa que se tratava de uma “proposta extraordinária”, muito longe da anterior campanha de Kollontai pela socialização do trabalho doméstico com creches, lavandarias e cantinas públicas que libertassem a mulher da dupla jornada de trabalho (Clements, p. 238). Daí em diante, sempre que escreveu sobre a situação da mulher na URSS foi para tecer loas à obra realizada, quando o estalinismo febrilmente se dedicava a restaurar a família tradicional, para assim garantir a transmissão hereditária dos privilégios crescentes da burocracia.

Até à re-criminalização do aborto, em 1936, continuou a haver na URSS um aceso debate público, com milhares de cartas de leitoras enviadas à imprensa, defendendo a legislação que ia ser cancelada. Mas a voz de Kollontai tinha-se calado muito antes das suas discípulas (Goldman, p. 265). Ouvindo o que diziam os seus múltiplos silêncios, Alexander Shliapnikov, o irredutível oposicionista, ex-marido e companheiro de numerosos combates, passara a classificá-la como “uma carreirista” (Farnsworth, p. 955).

Apoio expresso às purgas estalinistas e ao pacto Hitler-Estaline

Quando a Oposição de Esquerda ainda não estava expulsa do partido russo, Kollontai tivera ainda gestos de simpatia pessoal por Krupskaia, pouco antes de esta capitular ao estalinismo, por Natalia Sedova e por Trotsky, pouco antes de estes serem deportados para Alma-Ata, e conversas politicamente infrutíferas com Rakovsky e com a esquerdista alemã Ruth Fischer. Enviara também mensagens pessoais de simpatia aos seus amigos Zeth Höglund e Fredrik Ström, quando estes foram expulsos do partido sueco, e mantivera ocasionalmente contacto com Shliapnikov. Mas, em 30 de outubro de 1927, Kollontai publicou na Pravda um artigo que cortava as pontes com qualquer oposição a Estaline e marcava o silenciamento do seu espírito crítico até ao fim da vida.

Na carreira diplomática, Kollontai passou por um posto na Noruega, um no México, um na Suécia. Foi a primeira mulher a desempenhar o papel de embaixadora e teve uma intervenção hábil e relativamente bem sucedida para conseguir um cessar-fogo e um tratado de paz sovieto-finlandês – embora o tratado espezinhasse direitos territoriais da Finlândia que lhe era tão querida desde a infância. Também foi bem sucedida ao ameaçar a Suécia com drásticas retaliações, para impedir que em 1935 fosse concedido asilo político a Trotsky (Haupt, p. 319).

Sofreu as atenções e obséquios do rei Carlos Gustavo da Suécia; e, pior ainda, recebeu a certa altura com um brinde hipócrita o embaixador alemão na Suécia, von Wied. Mas a confraternização de Kollontai com um diplomata nazi não deve surpreender-nos, se atendermos à forma como ela se referia ao tratado Hitler-Estaline, em pergunta retórica dirigida à sua amiga Ada Nilsson: “E não será este um método absolutamente novo de resolver conflitos, que a União Soviética está a praticar agora? E não será mais sábio e mais humano tentar resolver os problemas mediante um tratado e negociações do que pegando em armas?” (Clements, p. 257)

De qualquer modo, antes de tecer ditirambos ao tratado germano-soviético, Kollontai já se rebaixara a acções e omissões muito mais gravosas. A maioria do corpo diplomático soviético fora liquidada nas purgas estalinistas. Toda a velha guarda bolchevique fora exterminada e Kollontai gozava da duvidosa distinção de ser o único membro sobrevivente do primeiro governo soviético – além do próprio Estaline. Os seus amigos mais próximos pereceram nas purgas, incluindo dois ex-maridos, Shliapnikov e Dybenko, o primeiro recusando capitular, o segundo capitulando em vão. Nada disto suscitara a Kollontai uma palavra pública de protesto.

Pelo contrário, às perguntas embaraçosas do seu amigo Marcel Body, Kollontai respondia com uma argumentação defensiva e justificativa das purgas estalinistas: “Era inevitável a ditadura de Estaline ou outra que tivesse sido instituída por Trotsky. Esta ditadura fez correr vagas de sangue, mas o sangue já tinha corrido antes, sob Lenine, e sem dúvida muito sangue inocente (…) Historicamente, a Rússia, com as suas massas incontáveis, incultas, indisciplinadas, não está suficientemente madura para a democracia” (Clements, p. 253)

Para além desta teorização mais genérica, Kollontai colocava a sua autoridade de velha revolucionária ao serviço da falsificação histórica. Em 1927, ela publicara ainda um testemunho sobre as dramáticas discussões no Comité Central em vésperas da insurreição de outubro. Aí recordara as vacilações de Kamenev e Zinoviev, ambos contrários à insurreição, retratando também Trotsky como apoiante de Lenine nos aspectos essenciais da discussão e Dybenko como apoiante de Lenine, pecando ocasionalmente por excesso de impaciência.

Dez anos depois, no auge das purgas, Kollontai publicara uma versão totalmente modificada do seu testemunho, apagando completamente Dybenko da narrativa, introduzindo Estaline – que antes não era mencionado – como dirigente quase equiparado a Lenine (Clements, 4453-4464), apresentando Zinoviev e Kamenev como deliberados sabotadores da revolução e referindo-se enfim a Trotsky como “o Judas-Trotsky, futuro agente da Gestapo” e como fabricante de pretextos legalistas para adiar a insurreição. E comentava sobre a posição de Trotsky: “Também traição, só que de uma forma camuflada. O Judas disse tudo sobre si próprio nesse momento decisivo”. O testemunho tinha-se tornado, como diz Clements, uma “abjecta homenagem a Estaline”, que bem pode ter sido decisiva para salvar a vida da sua autora (Clements, p. 254 sg.).

Mas, ao fazer coro com a histeria colectiva das purgas, Kollontai não perdera inteiramente a lucidez, que se manifestava principalmente em privado. Já desde 1929 ela dizia a Marcel Body, para justificar o seu conformismo: “Ninguém pode opor-se ao aparelho. Pela minha parte, pus de lado os meus princípios, num canto da consciência, e pus em prática o melhor que posso as políticas que me foram ditadas” (Clements, p. 250).

Entre as manifestações privadas das opiniões de Kollontai contam-se principalmente os seus diários, que ela continuou sempre a escrever com uma paixão a raiar a imprudência. Em julho de 1937, ao ser chamada a Moscovo, Kollontai deixou nas mãos de Ada Nilsson o que já estava escrito, recomendando-lhe que, no caso de “ser vítima de alguma desgraça”, a amiga conservasse os diários durante dez anos, para então os entregar ao Instituto Marx-Engels em Moscovo, que os publicaria quando fosse oportuno.

Surpreendida por ter sobrevivido àquela convocatória, Kollontai continuou a escrever os seus diários durante mais 15 anos. Pouco antes de morrer, entregou-os aos arquivos soviéticos, juntamente com 58 páginas de anotações sobre as suas frequentes conversas com Estaline. Deixou também expresso o desejo de que tudo fosse publicado em 1972, aquando do seu centenário, mas a publicação só veio a ocorrer em 2001, já com uma década corrida sobre o fim da URSS. (Farnsworth, p. 945)

Kollontai morreu, de morte natural, no Dia Internacional da Mulher, 8 de março de 1952, três semanas antes de completar 80 anos, e um ano antes da morte de Estaline. Atingira uma longevidade invulgar entre os revolucionários da sua geração. Muitos tinham morrido por resistirem ao estalinismo, muitos outros morreram apesar de capitularem ao estalinismo. Kollontai capitulou e sobreviveu, mas politicamente tinha morrido antes da maioria. Fora leninista convicta durante três anos (1915-1918) e estalinista assumida durante 25 anos (1927-1952). A burocracia moscovita pagou-lhe os cinco lustros de lealdade incondicional com o desprezo. Na Pravda, ignorou a morte da que fora uma figura grada da revolução e não lhe dedicou qualquer obituário. Na lápide funerária, deixou inscrever laconicamente: “Revolucionária, oradora, diplomata”.


Bibliografia:

Clements, Barbara Evans. Bolshevik Feminist. The Life of Aleksandra Kollontai. Bloomington/London: Indiana University Press, 1979.

Farnsworth, Beatrice. “Conversing with Stalin, Surviving the Terror: The Diaries of Aleksandra Kollontai and the Internal Life of Politics”. In: Slavic Review, vol. 69, Cambridge University Press, 2017.

Goldman, Wendy. “Women, Abortion, and the State, 1917-36”. In: Clements, Barbara; Engel, Barbara; Worobec, Christine. Barbara. Russia’s Women. Accommodation, Resistance, Transformation. Berkeley/Los Angeles/Oxford: University of California Press, 1970.

Haupt, Georges; Marie, Jean-Jacques. Les bolchéviks par eux-mêmes. Paris: François Maspéro, 1969.

Kollontai, Alexandra. Autobiografia de uma mulher emancipada. Lisboa: Iniciativas editoriais, 1976.

- The Social Basis of the Women’s Question, 1909. In: https://www.marxists.org/archive/kollonta/index.htm

- Love and the New Morality, 1911, ib.
- Women’s Day, 1913, ib.

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