Kollontai e a Oposição Operária

Mais conhecida pela sua intervenção no debate sobre a “questão das mulheres” e pela sua ação feminista, Kollontai foi também uma das dirigentes de uma corrente minoritária no seu partido tendo protagonizado um dos debates centrais da política soviética no início dos anos vinte, o “debate sindical”.

27 de março 2022 - 20:21
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Antes de ter sido a primeira mulher embaixadora do mundo e depois de ter sido a primeira a ter as rédeas de uma pasta governamental na história ocidental moderna, Alexandra Kollontai foi a última a dirigir uma tendência organizada no interior do Partido bolchevique.

A Oposição Operária surgiu em 1920, num contexto pós-guerra mundial, pós-revolução de Outubro, em plena guerra civil que contou também com intervenção das potências estrangeiras, e num clima de crise económica severa com o chamado “comunismo de guerra” a ser implementado. Criticava o que considerava ser a burocratização do regime soviético, o fim do controlo operário nas fábricas, quando a autoridade estava a passar para as mãos de comissários políticos designados, e a subordinação dos sindicatos ao poder de Estado.

Para além de Kollontai, distinguiam-se entre os seus dirigentes Alexander Shlyapnikov, indiscutivelmente a figura central do movimento, o líder histórico dos metalúrgicos que tinha sido o primeiro comissário governamental para a área do Trabalho, Sergei Medvedev e Yuri Lutovinov também eles dirigentes sindicais do metalúrgicos.

O grupo surgiu publicamente pela primeira vez no IXº Congresso do Partido Comunista Russo e dissolveu-se dois anos depois no Xº Congresso. Então, o partido proibiu a existência de frações.

Kollontai assumiu parte importante do protagonismo como lembrou Angelica Balabanoff no seu livro A minha vida de rebelde: “Foi uma mulher – Alexandra Kollontai – que dirigiu a primeira oposição organizada contra as linhas de Lenine e de Trotsky. Alexandra não tinha sido uma bolchevique desde o início mas tinha-se juntado ao partido ainda antes de Trotsky e de mim. Nesses primeiros anos da Revolução, tinha sido várias vezes fonte de contrariedades, ao nível pessoal e político, para os dirigentes do partido. Mais do que uma vez, o Comité Central tinha querido que eu a substituísse na direção do movimento das mulheres, esperando que assim se facilitasse a campanha lançada contra ela e isolando-a das trabalhadores. Felizmente, percebi a intriga e recusei as ofertas, sublinhando que ninguém poderia fazer este trabalho melhor que ela e esforçando-me por aumentar o seu prestígio e popularidade de cada vez que me era possível”. É de Kollontai a brochura que sintetiza os ponto de vista do grupo, um documento chamado precisamente Oposição Operária.

No 5º Congresso dos Sindicatos o grupo vivia um dos seus momentos mais fortes. E na conferência de Moscovo de novembro de 1920 totalizava quase metade dos delegados (124 em 278). Tinha então um apoio forte no sindicato dos metalúrgicos de Petrogrado devido a Shlyapnikov.

Em dezembro desse ano, o debate sobre o papel dos sindicatos no regime pós-revolução está ao rubro. O 8º Congresso Pan-Russo dos Sovietes dá-se com os soviéticos divididos em três posições. O grupo liderado por Trotsky, e que incluía também Bukharine, Djerzinsky, Andreïev, Krestinsky, Préobrajenski e Serebriakov, conhecido como a plataforma dos sete, defendia na prática um reforço do controlo do Estado sobre os sindicatos e a possibilidade de nomeação da direção destes. Trotsky, à frente do Exército Vermelho e no contexto do comunismo de guerra, defendera em dezembro de 1919 a “militarização do trabalho” e a transformação das organizações sindicais em “organizações de produção” numa resolução de trabalho ao Comité Central que não deveria ser pública. No dia seguinte, as suas teses surgem no Pravda, dirigido por Bukharine, “por engano”, e a contestação a elas multiplica-se.

A tese final da plataforma dos sete resulta em seguida de um acordo de Trotsky com o grupo de Bukharine e de Préobrajenski que se lhe tinham oposto defendendo a existência de conselhos gestores para administrar a economia que teriam participação sindical e o incremento da planificação económica. A solução de compromisso foi a proposta de uma “democracia operária na produção” com a “estatização dos sindicatos” e a “sindicalização do Estado” com o controlo estatal sobre as instâncias que tratariam da planificação económica mas com direitos democráticos internos assegurados.

Do lado contrário, apoiada na brochura escrita por Kollontai, perfilava-se a Oposição Operária que esgrimia pela autonomia sindical, isto apesar do grupo conceder que o partido deveria continuar a ser “o centro supremo da política de classe, o órgão do pensamento comunista, o controlador da política real dos sovietes”. No “meio”, encontrava-se a plataforma dos 10 que juntava Lenine, Zinoviev, Kamenev, Estaline e entre outros que entendiam que os sindicatos deviam ter uma autonomia relativa.

As teses da Oposição Operária condenavam a diminuição do campo de ação dos sindicatos e a anulação da influência da classe operária, o reforço do poder dos “técnicos burgueses e outros elementos não-proletários manifestamente hostis aos sindicatos”. Para eles, o consentimento destes seria obrigatório para qualquer nomeação para um lugar económico administrativo.

Defendiam ainda um igualitarismo salarial e a substituição gradual do salário em termos pecuniários por outro tipo de remuneração.

A sua ideia de que o poder de decisão económico deveria começar nos comités de fábrica e recair depois sobretudo nos sindicatos, através de um “Congresso Pan-Russo dos Produtores” gerará a acusação de ser um grupo “anarco-sindicalista”, uma organização “anti-partido”. A polémica será feroz e os termos duros.

Assim o prova a atitude de Lenine que abre o 10º Congresso do partido bolchevique com um ataque contra a Oposição Operária que apresenta como uma “ameaça para a revolução” e um “desvio pequeno-burguês”. Para ele, apenas o partido “é capaz de agrupar, educar e organizar a vanguarda do proletariado e as massas laboriosas” e de “dirigir politicamente” o proletariado.

Ao longo do Congresso, o grupo foi sendo fustigado ao mesmo tempo por ser ultra-revolucionário e contra-revolucionário. O resultado foi o fim do direito de fração ordenando-se “a dissolução imediata de todos os grupos sem exceção que se constituíram com base neste ou naquele programa (os grupos da “Oposição Operária”, do “Centralismo Democrático”, etc.” sob pena de expulsão.

O debate sindical salda-se por uma vitória esmagadora do grupo de Lenine com 336 votos. As teses de Trotsky contarão com 50 votos. A Oposição Operária com 18.

Um último ato de dissidência deste grupo ocorre ainda no início de 1922. A “Carta dos 22”, subscrita por Kollontai, será um recurso ao executivo da Internacional Comunista sobre a supressão do direito de organização.

Os dirigentes da Oposição Operária vão continuar a expressar oposição às diretivas do partido ao longo do período da Nova Política Económicas mas não voltarão a poder organizar-se abertamente nem a protagonizar o debate nacionalmente. Depois, todos serão exterminados durante as purgas estalinistas. Com a exceção de Alexandra Kollontai que sobreviverá.

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