A Carris e o Metro de Lisboa são os pilares do serviço público de transportes na capital e o instrumento determinante para a política de mobilidade na cidade. A entrega destas empresas de transportes a privados em regime de subconcessão, assumindo o Estado a dívida destas empresas, garante-lhes uma renda milionária por 10 anos de lucros operacionais. É o que já se sabe do famoso Caderno de Encargos do qual pode-se não saber muita coisa, mas sabe-se o essencial: as rendas milionárias, à custa dos cofres públicos, estarão garantidas para os putativos concessionários.
Como? Com uma garantia adicional de que o SET não fala mas que está no DL que aprova o regime de subconcessão: a atribuição de subsídios à exploração pela prestação de serviços públicos de transportes.
Se este processo for avante, no final deste ano, teríamos mais umas quantas parcerias público-privadas (PPPs), as tais que este Governo desdenhou no início do mandato, mas que, em final de mandato, e quatro anos depois, regressam em toda a força. É que, de facto, Sócrates, Passos Coelho e Paulo Portas estão de acordo que a forma mais barata de dar utilidade aos propalados “cofres cheios” (do Tesouro) é pô-los a sangrar direitinho para os bolsos de privados, com a ajuda de quem conhece bem os meandros deste tipo de negócio: Sérgio Monteiro e Maria Luís Albuquerque. Um e outra podem exibir as suas cartas de alforria na mestria com que construíram, no passado, PPPs precisamente em projetos de investimento de transportes (um deles sobre o tal de TGV, alvo de chacota desqualificada de ministros do atual Governo, mas que foram promovidos pelos suspeitos atrás referidos…), apoiados em contratos SWAP que se revelaram operações super-ruinosas de transferência de recursos dos cofres públicos para os cofres privados.
Os resultados desta opção política são fáceis de adivinhar: menos qualidade, eliminação de carreiras pouco procuradas e sobrelotação de carreiras mais utilizadas, serviço mais caro, despedimentos, lucros para os acionistas.
Os resultados desta opção política são fáceis de adivinhar: menos qualidade, eliminação de carreiras pouco procuradas e sobrelotação de carreiras mais utilizadas, serviço mais caro, despedimentos, lucros para os acionistas.
A concessão da Carris e Metro saltou para a agenda do Governo com o Orçamento de 2015. No passado dia 6 de Março o Conselho de Ministros aprovou o processo de concurso e estabeleceu que a decisão final será tomada no final de junho. A euforia é tal, que até o primeiro-ministro anda feito caixeiro-viajante a mostrar o menu de privatizações, onde constam as empresas de transportes, aos investidores chineses e japoneses.
É preciso travar este processo.
O Bloco defende que a gestão do Metro e da Carris deve ser realizada em regime de parceria pública-pública, transformando aquelas entidades em empresas públicas mistas, com a participação da Câmara Municipal de Lisboa (CML), Área Metropolitana de Lisboa e Estado, quer na sua propriedade como na sua gestão. Durante todo o ano de 2014 insistimos na Assembleia Municipal de Lisboa (AML) que a CML devia tomar uma posição de força contra este concurso, assumindo uma negociação direta com o Estado reivindicando os direitos históricos do município sobre aquelas empresas.
Na AML, o presidente da CML e o PS rejeitaram sempre esta posição “radical” do Bloco, alegando que estava a ser preparada proposta para o concurso e que a negociação com o Secretário Estado Transportes, Sérgio Monteiro, corria a bom ritmo.
António Costa reconheceu em março que as negociações com Sérgio Monteiro eram uma ratoeira e resolveu pedir um mandato ao executivo municipal para intentar ações judiciais ou arbitrais contra a decisão do Conselho de Ministros.
Entretanto, o PS decidiu suscitar ao Tribunal Constitucional o pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade das normas decididas pelo Governo, em forma de vários Decretos-Lei, para abrir caminho ao concurso para a subconcessão dos transportes públicos de Lisboa (Metro e Carris) e do Porto (STCP e Metro).
A julgar pelas notícias que vieram a público, apenas podemos manifestar um acordo genérico com os fundamentos do pedido. Mas também sabemos que tais decisões, pelo tempo que podem demorar, arriscam-se a serem ineficazes para travar o processo de concurso e a decisão relativa ao futuro concessionário, que o Governo insiste em concluir nos últimos dias da sua governação.
Este processo selvático de privatizações, cheio de ilegalidades e de erros grosseiros, não apenas dos transportes coletivos urbanos de Lisboa e do Porto, mas também da TAP, parecem configurar-se como uma besta negra destruidora que hipotecará o futuro comum. A herança imposta pelo fanatismo ideológico do governo poderá implicar sobre o país, através da venda ao desbarato de importantes ativos estratégicos (como a TAP ou a EMEF), mais as novas PPPs das subconcessões das empresas de transportes públicos em Lisboa e no Porto, autênticos golpes mortais sobre o interesse público, sobre os trabalhadores destas empresas e sobre a democracia.
Este processo selvático de privatizações, cheio de ilegalidades e de erros grosseiros, não apenas dos transportes coletivos urbanos de Lisboa e do Porto, mas também da TAP, parecem configurar-se como uma besta negra destruidora que hipotecará o futuro comum.
Sobre a democracia, pois o direito ao transporte público, para as populações das cidades de Lisboa e do Porto, pode ficar em causa se os municípios ficarem amputados da capacidade de gerir os transportes de acordo com o interesse público e com as suas escolhas em matéria de mobilidade na cidade e na região.
Sobre os trabalhadores porque, neste momento, já estão em curso uma série de medidas de sangria de quadros e trabalhadores “dispensáveis” para cumprir a derradeira fase de preparação destas empresas para a sua entrega aos futuros concessionários privados em condições de “limpeza geral”, ao mesmo tempo que se redistribuem no tabuleiro dos lugares de chefia da nova macroestrutura empresarial os filhos, os enteados e os encartados, todos fiéis yes man and girls do governo.
Sobre o interesse público porque o regime de subconcessões que se pretende aplicar ao Metro e à Carris mais não é do que o modelo das parcerias público-privadas (PPPs) que, como em todos os outros casos, irá assegurar aos concessionários privados, um rendimento anual garantido por períodos de 8 ou 10 anos por via da transferência, sempre que necessário, de fundos públicos para os cofres privados. E como o mercado dos transportes de passageiros em Portugal é um mercado relativamente pequeno está “escrito nas estrelas” o desenho da partilha que vai ocorrer entre os putativos concorrentes, os quais, “por mero acaso”, acabarão por se acomodar, à mesma mesa, neste jogo de cartas marcadas, a que o Secretário de Estado dos Transportes insiste em chamar de “concurso público”. Quem se lembra dos “concursos” das concessões rodoviárias e ferroviárias pelo governo de Sócrates mas com os mesmos intervenientes, e ainda tem presente o processo da sua alocação entre as grandes empresas de construção e obras públicas, ancoradas pelos bancos (incluindo os públicos) segundo a conhecida regra “pataca a mim, pataca a ti”, terá agora a ocasião de ver a história repetir-se: a cada um segundo as suas capacidades para “agradar” aos decisores do concurso.
É preciso agir rápido e de forma a tentar travar o processo de desconstrução do serviço público de transportes que o Governo decidiu promover, à boa maneira dos talibãs. De facto, a aceleração dos concursos para colocar em prática os processos das subconcessões até junho de 2015 constituem, na realidade, a tentativa de aplicar uma política de terra queimada para o futuro, pois quem vier a seguir terá de se confrontar com uma série de armadilhas para desativar, tais como os compromissos com os putativos concessionários “vencedores” ou as “mudanças” dentro das empresas para salvaguarda dos lugares dos acólitos do atual ministério, tudo integrado num conjunto de decisões arbitrárias e ilegais a que não faltam o despedimento de mais umas centenas de trabalhadores, tal como revelam algumas notícias, entretanto conhecidas, do obscuro Caderno de Encargos que o Governo se recusa a mostrar.
Agir rápido é coisa que a Câmara Municipal de Lisboa não parece ter vontade de fazer. Se António Costa tinha, aparentemente, o crédito de ter reclamado para a Câmara a gestão dos transportes em Lisboa, depois, esse discurso, acabou por se perder nas brumas da memória e no enredado das “negociações” com Sérgio Monteiro. O novo presidente parece estar ainda mergulhado no limbo da transição de poderes. Interrogado pelo Bloco de Esquerda na última Assembleia Municipal sobre “para quando a anunciada ação judicial em Tribunal para reclamar os direitos do município sobre os transportes”, encolheu-se nas respostas e apenas adiantou que a ação será entregue nas “próximas semanas”.
O tempo do faz de conta acabou. O Bloco de Esquerda irá recorrer a todas as iniciativas ao seu alcance para denunciar e suspender todas as trapalhadas, ilegalidades e medidas gravemente lesivas dos transportes por parte do Governo e das suas marionetas instaladas à frente da Carris, Metro e Transtejo/Soflusa, nomeadamente todo o processo ilegal e obscuro das subconcessões de transporte em Lisboa.
Entretanto, estamos, como sempre estivemos, ao lado de todos aqueles que, através da sua luta, estão disponíveis para, em unidade na ação de todos os sindicatos e comissões de trabalhadores de todas as empresas de transporte, estejam dispostos a erguer uma frente unida comum para derrotar o Governo e os seus acólitos nesta derradeira batalha.
* Ricardo Robles é Engenheiro civil. Deputado municipal do Bloco de Esquerda em Lisboa
* Heitor de Sousa é dirigente nacional do Bloco, economista e técnico de transportes