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“Existe uma vontade política de privatizar a TAP e todas as desculpas são boas”

Segundo António-Pedro Vasconcelos, “as razões que levam o Governo a vender a TAP são as mesmas que o levaram a vender outras empresas públicas: são empresas rentáveis, atrativas para os privados”.
Para o cineasta, as privatizações promovidas pelo Governo PSD/CDS-PP representam, na realidade, grandes lucros para os privados, piores serviços e custos para os cidadãos, bem como a perda de instrumentos estratégicos, alguns dos quais monopólios naturais, como a eletricidade.
Sobre as razões que o executivo anuncia para justificar a venda da transportadora aérea portuguesa, António-Pedro Vasconcelos enfatiza: “existe uma vontade política de privatizar e todas as desculpas são boas!”.
O mentor do movimento “Não TAP os Olhos” desmonta os “argumentos falaciosos” do Governo para “vender rapidamente e ao desbarato a TAP”.
No que respeita a ser uma exigência por parte dos credores internacionais, o cineasta refere que “o que o Governo não diz é que a troika não impunha nem tantas privatizações”, já que o montante a que o executivo se comprometeu era de 5 mil milhões de euros e o valor arrecadado já ascende a quase 9 mil (o que não inclui sequer a TAP), e nem exigia que as privatizações fossem a 100%.
Quanto ao argumento de que “a TAP tem um défice, uma necessidade urgente de tesouraria, e o Estado não lhe pode acudir porque a União Europeia não autoriza”, António-Pedro Vasconcelos afirmou que “este argumento devia levar-nos a desconfiar, porque todas as outras privatizações foram de empresas que dão lucro”, exemplificando com o caso dos CTT, REN e ANA.
Por outro lado, o mentor do movimento “Não TAP os Olhos” frisou que “a própria comissária europeia já veio dizer que o Governo português nunca apresentou qualquer proposta neste sentido, como aconteceu, aliás, com os estaleiros de Viana do Castelo”, acrescentando ainda que Bruxelas já autorizou intervenções estatais em onze companhias de outros países.
Perante a ideia propalada pela maioria de direita de que praticamente todas as companhias aéreas europeias foram privatizadas, António-Pedro Vasconcelos lembrou o que aconteceu, por exemplo, com a Olympic Airlines, “em que os gregos perderam mais de 70% das rotas, principalmente aquelas que iam para a diáspora”.
“Anúncio da privatização tornou-se um dos maiores problemas da transportadora”
O cineasta aponta ainda as razões que justificam os atuais problemas de tesouraria da empresa: o “negócio ruinoso” da compra de uma empresa de manutenção do Brasil, a VEM; o não pagamento da dívida da Venezuela, de 130 milhões de euros, e de outra de menor dimensão de Angola; e o atraso na entrega dos airbus aquando da renovação da frota da TAP, que não deu azo a qualquer pedido de indemnização.
António-Pedro Vasconcelos lembrou também que na última vez que a TAP teve de recorrer a financiamento o executivo impôs que a empresa o fizesse na Parpública em condições que foram, inclusivamente, mais penalizadoras, já que os juros cobrados foram de 8% contra a média de 6% cobrada pela banca comercial, o que implicou um custo adicional de dois milhões de euros por ano.
“Um dos grandes problemas da TAP está relacionado com a turbulência a que a empresa está exposta desde que o Governo anunciou que a ia privatizar, o que dificultou, nomeadamente, o seu acesso ao mercado”, assinalou.
O promotor do Não TAP os Olhos contestou ainda o argumento de que as greves da TAP é que arruínam a empresa. “Com o mínimo de honestidade, era bom divulgar o que são as greves noutras companhias aéreas, como na Lufthansa, por exemplo”, adiantou.
“Não há nenhuma razão que possa justificar a venda da TAP”
Frisando que a TAP é “um instrumento estratégico fundamental”, António-Pedro Vasconcelos defendeu que “não há nenhuma razão económica, financeira, de defesa do interesse nacional que possa justificar a venda” da empresa.
“A TAP é uma empresa que dá lucro além de que é uma empresa com prestígio”, avançou, lembrando que o seu presidente, Fernando Pinto, que é um simpatizante da privatização, disse, durante uma entrevista ao jornal Expresso, que a transportadora aérea é uma empresa sustentável, cujo futuro não depende de ser privatizada, e que sempre cumpriu as suas obrigações.
O cineasta assinalou ainda que a TAP ganhou inúmeros prémios internacionais de manutenção e segurança, sendo uma das empresas mais prestigiadas do mundo.
“Há 19 anos que a TAP não custa um tostão ao contribuinte, pelo contrário, traz muitos benefícios para a economia nacional: é a maior exportadora nacional, vende produtos portugueses a bordo, tem 12 mil trabalhadores e é um contributo essencial para a Segurança Social. Permite-nos, por outro lado, chegar à diáspora”, afirmou, sublinhando que “o nome da TAP é algo que não tem preço”.
António-Pedro Vasconcelos destacou ainda a importância do hub (placa giratória) de Lisboa e dos slots da empresa – autorizações para voar para determinadas rotas, cuja manutenção não estará garantida com a privatização.
Um processo pouco transparente
A par de defender a urgência de “averiguar a decisão política de vender instrumentos de soberania”, António-Pedro Vasconcelos teceu duras críticas à forma como o processo de privatização da TAP tem vindo a ser conduzido.
Antes de mais, o cineasta lamentou que “o Governo tenha decidido reconduzir a comissão de acompanhamento da privatização dos CTT no caso da venda da TAP”, sendo esta uma comissão “mais dócil” do que a anterior, que detetou riscos na venda da transportadora aérea estatal e criticou a pressa do Governo no negócio.
O cineasta afirmou-se também “escandalizado” com o facto de o Presidente da Comissão Especial de Acompanhamento do processo de reprivatização da TAP, Cantiga Esteves, ao mesmo tempo que defendeu o sigilo sobre o processo de privatização, argumentando que o segredo que é a alma do negócio, ter afirmado na Comissão Parlamentar de Economia e Obras Públicas que "a TAP vive um desespero completo de tesouraria" que torna "absolutamente agonizante viver minuto a minuto".
Estas afirmações, que condicionam à partida o negócio, seriam suficientes para, no seu entender, reverter de imediato o processo de privatização.
António-Pedro Vasconcelos considera “gravíssima” a ausência de concurso público na designação da comissão de avaliação técnica da situação financeira da TAP, alertando que, se a empresa vier a ser vendida, quem a vier a comprar poderá contestar as contas e, inclusive, pedir uma indemnização caso se venha a confirmar algum erro.
Sobre o caderno de encargos, o impulsionador do Não TAP os Olhos referiu que o mesmo é completamente “vago”, não dando garantias à prossecução do interesse público.
“A adesão é quase espontânea e a indignação é geral”
Durante a entrevista ao Esquerda.net, António-Pedro Vasconcelos falou ainda sobre o movimento Não TAP os Olhos, os seus objetivos, as ações que estão a ser preparadas e a adesão da população a esta luta.
“Começámos por lançar um manifesto para dizer o que queríamos e para que fosse claro que esta causa tinha um largo apoio público, em todos os setores da vida portuguesa da direita à esquerda”, esclareceu o cineasta.
Frisando que “as petições e os manifestos não servem para nada se se limitarem a ser somente petições e manifestos”, António-Pedro Vasconcelos sublinhou que, “se ficássemos por aí, o assunto morria e o Governo fazia o que queria”.
“Era preciso, continuadamente, programar uma série de ações diversas e, por outro lado, dar resposta àquelas que são as mentiras do executivo”, referiu.
Lembrando as iniciativas já promovidas pelo movimento - como a manifestação de 31 de janeiro no aeroporto, a sessão no São Jorge com um filme do Frank Capra chamado Passa Palavra, o concerto no coliseu apresentado por Virgílio Castelo e Rita Blanco, que reuniu no palco nomes como Sérgio Godinho, Cátia Guerreiro e mereceu o apoio de muitos outros, ou a manifestação na Alameda Afonso Henriques para assinalar o aniversário da TAP, - o cineasta adiantou que está a ser preparada uma conferência sobre as “Privatarias” promovidas até à data, bem como está a ser compilado o livro negro das privatizações, que denunciará todos os aspetos promíscuos de privatizações anteriores.
António-Pedro Vasconcelos falou também sobre o processo de recolha de 75.000 assinaturas em mão para exigir um referendo à privatização que exige a mobilização de todos os cidadãos e cidadãs.
“Enquanto o Governo não recuar naquilo que consideramos que seria um crime de lesa-pátria, usaremos todos os meios legais ao nosso alcance para fazer chegar aos portugueses a nossa indignação, a nossa revolta, o nosso protesto e a nossa oposição”, garantiu.
“Temos de travar um executivo que já provou que, independentemente daquela que é a vontade dos portugueses e o interesse público, desde que tenha esta arma, que é a maioria no Parlamento com deputados dóceis que votam cegamente tudo aquilo que o primeiro ministro os manda votar, e que tenha o presidente da República em Belém a dar a benção a tudo aquilo que queira fazer, não irá recuar”, acrescentou.
Segundo o cineasta, “enfrentamos um inimigo determinado que já provou noutras circunstâncias que, independentemente daquele que é o interesse nacional, pretende ir para a frente com o seu fanatismo ideológico”.
António-Pedro Vasconcelos defendeu ainda que “este Governo é altamente competente porque todas estas falhas nos cálculos - a dívida a aumentar, existir maior pobreza, mais emigração, mais falências – são deliberadas”.
“Hoje em dia é mais difícil sensibilizar as pessoas para questões como a venda dos CTT, porque as pessoas estão preocupadas com o dia a dia, em garantir se têm um futuro, se conseguem manter o emprego, se conseguem manter o seu nível de vida, se podem levar os seus filhos para a escola, se não têm de emigrar. E todas essas preocupações, que são totalmente legítimas, fazem com que estas operações ruinosas para o país se façam com muito menos protesto”, avançou.
Sublinhando que, “se não pendesse sobre si a ameaça constante que a sua vida vai piorar os portugueses estariam mais mobilizados para estas causas”, o cineasta lembrou, contudo, que uma sondagem recente revelou que 79,7% dos portugueses querem que a TAP fique no Estado - entre os que defendem o Estado como accionista único (46,0%) e os que defendem o Estado como sócio maioritário (33,7%).
“Sempre que vamos para a rua recolher assinaturas a adesão é quase espontânea e a indignação é geral”, rematou António-Pedro Vasconcelos.
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