Mercosul

Von der Leyen anuncia acordo de livre comércio, França e Polónia descartam-no

06 de dezembro 2024 - 16:14

A presidente da Comissão Europeia anunciou com pompa o “momento histórico” em que chegam ao fim de 25 anos de negociações. Mas prevê-se que uma minoria de bloqueio faça cair por terra o que é apresentado como o maior acordo de livre comércio do mundo.

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Cimeira Mercosul com Von der Leyen
Cimeira Mercosul com Von der Leyen. Foto de Sofia Torres/EPA.

Foram 25 anos de negociações e apresenta-se como o maior acordo de livre comércio do mundo que envolve 450 milhões de consumidores do lado europeu e 268 milhões do lado da América do Sul. incluindo países como Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia.

Mas a história do tratado comercial entre a União Europeia e o Mercosul, que Ursula von der Leyen garantiu em conferência de imprensa esta sexta-feira ter chegado ao fim das negociações, está longe de estar terminado.

Segue-se um longo processo de revisão dos textos e de tradução, o que pode levar pelo menos meio ano, uma votação no Parlamento Europeu e uma seguinte no Conselho da União Europeia. E, aí, este teria de ter uma maioria qualificada de 55% de Estados que somem pelo menos 65% da população do espaço europeu. Para já, a França e a Polónia descartam o acordo e procuram uma minoria de bloqueio. Se não a encontrarem podem ainda não ratificar o acordo ou partes dele. E dificilmente o acordo passaria em votação na Assembleia Nacional Francesa. Entre os maiores países europeus, Alemanha e Espanha estão a favor do acordo. Portugal também, mirando todos a exportação a preço mais baratos para os mercados daquela região e a possibilidade de aceder aos seus concursos para contratos públicos.

A presidente da Comissão Europeia fez a sua declaração na cimeira dos presidentes do Mercosur em Montevideu, Uruguai, onde, como não podia deixar de ser, disse tratar-se de um “momento verdadeiramente histórico” e sublinhou tratar-se não só de uma “oportunidade económica” mas de uma “necessidade política” que envia uma “mensagem clara e poderosa ao mundo”. Uma declaração que chega num momento em que já se acentua a guerra comercial entre os EUA e a China e em que o presidente eleito norte-americano, Donald Trump, promete elevar as tarifas aduaneiras.

Por outro lado, a notícia de que se alcançou um acordo não é dada pela primeira vez. Em 2019, em Bruxelas, houve até uma assinatura do acordo. Cerimónia que se deve repetir, de acordo com o ministro dos Negócios Estrangeiros do Uruguai, Omar Paganini, que acredita que agora se resolveram “todas aquelas questões que tinham impedido ratificar o acordo” então.

Na altura, França, Irlanda, Áustria e Países Baixos colocaram em causa os compromissos ambientais da América do Sul e exigiram mais garantias.

A França volta agora a liderar a oposição ao processo também com firme oposição da Polónia que voltou a afirmar-se absolutamente contra este acordo. Áustria, Irlanda e Países Baixos levantaram igualmente objeções recentemente. Se a Itália se opuser ou se abster estaremos perante uma minoria de bloqueio. O ministro da Agricultura deste país, Francesco Lollobrigida, do partido de extrema-direita Irmãos de Itália, não abria o jogo há dois dias. Dizia serem precisos ajustes ao que já estaria “fechado” e que é preciso “comprovar que os países do Mercosul cumprem as mesmas obrigações que impomos aos nossos agricultores em matéria de respeito dos direitos dos trabalhadores e do meio ambiente”. Esta quinta-feira, o Governo italiano pôs a circular na Reuters que “não há condições” para a assinatura do acordo, não se especificando o que poderia alterar a sua posição em termos das “salvaguardas” e “compensações” exigidas.

O presidente francês, a meio da crise que deitou abaixo o Governo que nomeara, é bem mais claro, avaliando o “projeto” como “inaceitável tal e como está”. A ministra do Comércio Externo, demissionária, Sophie Primas, comenta em sentido semelhante que o acordo “só a compromete a ela”, referindo-se à presidente da Comissão Europeia.

Agricultores franceses acusan von der Leyen de “trair os agricultores europeus”

Os agricultores franceses têm-se manifestado nos últimos tempos contra o acordo por este abrir as portas a produtos vindos da América do Sul. Dizem precisamente tratar-se de concorrência desigual porque estes não estão obrigados às mesmas obrigações ambientais e padrões sanitários e agitam com a possibilidade da perda de milhares de empregos. O mesmo diz o setor da pecuária e dos lacticínios.

As grandes organizações de agricultores francesas FNSEA e Jeunes agriculteurs acusam em comunicado Ursula von der Leyen de “trair os agricultores europeus”, numa “provocação” para quem “aplica os padrões de produção mais elevados do mundo mas também uma negação da democracia” por ir contra o parlamento do seu país.

Von der Leyen assegura que, com o acordo, os países do Mercosul passarão a ter cumprir “rigorosamente” as “normas europeias em matéria de saúde e de alimentação” que “permanecem intocáveis”. Mas está longe de conseguir aplacar a ira dos agricultores franceses.

Também a Esquerda no Parlamento Europeu se opõe ao acordo, estimando que causará “danos significativos tanto às pessoas como ao planeta”, colocando em perigo “os direitos dos trabalhadores e as empresas mais pequenas em ambos os lados do Atlântico para favorecer os interesses das grandes corporações”.

Vários movimentos sociais têm-se também oposto ao acordo, cruzando problemas de ambos os lados do Atlântico e sublinhando que no setor primário no Mercosul a exploração laboral se intensificará e a soberania alimentar das comunidades locais está em causa, com as grandes empresas a dirigirem a produção para a exportação.

Os Amigos da Terra dizem ser um acordo para “estragar o clima” e Lis Cunha, da Greenpeace, sublinha que foram “25 anos de conversações à porta fechada, deixando de lado as preocupações da opiniões pública” e que desembocaram num acordo que “aumentará o comércio de carne de bovino, os pesticidas e os plásticos, com consequências desastrosas para a Amazónia, o clima e os direitos humanos. É vergonhoso que os líderes da UE e do Mercosul continuem com este acordo tóxico”.