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Ucrânia: Construir a paz sobre os escombros da invasão russa

Um ano depois da invasão com avanços e recuos de parte a parte, como desenhar a paz numa guerra fratricida e sanguinária, recheada de crimes de guerra contra a humanidade? Por José Carlos Lopes.
Cartaz em forma de coração com as cores da Ucrânia
Foto de Ana Mendes.

Paz! Paz! Todos os povos querem a paz. Mas que paz querem para o povo ucraniano? A paz que quer negar o direito a um pais independente, subjugando e humilhando um povo que ousou e ousa resistir ao exercito invasor imperial russo?

Sendo certamente um ‘exemplo’ de nacionalismo também pouco ‘recomendável’ para o capitalismo, cujos arautos das democracias ocidentais e das liberdades deixaram este povo à mercê, talvez da espectativa de o poder russo resolver rapidamente a ‘operação militar especial’. Um ano depois da invasão com avanços e recuos de parte a parte, como desenhar a paz numa guerra fratricida e sanguinária, recheada de crimes de guerra contra a humanidade?

Assumam-se todos os legados nas últimas décadas, de invasões, golpes militares e palacianos, terrorismo, narcotráfico, delapidação de recursos, atentados ambientais, guerras e guerrilhas genocidas e de domínio geoestratégico promovidas pelas várias potencias belicistas, protagonizadas destacadamente pelos EUA, ou países da União Europeia e da Rússia, todos promotores de cenários dantescos de exploração e opressão dos povos e seus recursos naturais, por meio das guerras como laboratórios para ensaio de novas armas e meios bélicos de destruição massiva, de países, cidades e aldeias.

Guerras fomentadas no Planeta como promoção dos grandes negócios das armas proporcionadas aos vários beligerantes, que transformam corpos mutilados e dilacerados, como troféus de guerra, pelas ruas, cidades e regiões em disputa, seja na Síria, Iraque, Afeganistão, Curdistão, Eritreia, Sudão ou Ucrânia, país celeiro do Mundo regado pelo sangue dos mortos que a defendem como país independente, e dos que lhe negam tal direito, invadindo e ocupando este país europeu através do terror e da barbárie, com milhões de refugiados e deslocados de guerra.

Perante o cenário de destruição de cidades inteiras e infraestruturas fundamentais para sobrevivência do povo ucraniano (hospitais, escolas, centrais elétricas, estações de comboios, abastecimento de água, edifícios residenciais…), que resiste corajosamente com as armas disponíveis, incluindo a solidariedade, e com sacrifício e determinação quer reerguer o seu país no intervalo de tempo entre cada bomba ou míssil russo, mesmo vendido pelo ocidente, dirigidos a zonas residenciais, que em parte escapa ao sistema de defesa da Ucrânia, enquanto o espaço aéreo continua escancarado por uma estranha cumplicidade para com o agressor russo. Paz sim! Mas a paz sobre os despojos da guerra imposta por uma potência imperial que se declarou “caçador” de nazis, para justificar uma agressão a um país vizinho soberano que não quer reconhecer como tal, ao mesmo tempo que ameaça subjugar outros povos da região?

Sem complexos políticos e sem submissões às várias potências imperialistas, económicas e militares, como a NATO e seus interesses geoestratégicos. Paz sim! Mas não se espere que o povo ucraniano ofereça flores ao exército vermelho e aos mercenários das forças paramilitares privadas da Wagner que assume o trabalho sujo na Ucrânia, como em países de África ao serviço da Rússia de Putin.  

Pela paz sim! Com a necessária autonomia nas relações internacionais, sem submissões à Aliança Atlântica - NATO, para o colo de quem a Rússia empurra a Ucrânia, a Finlândia e a Suécia, países tradicionalmente neutrais nas suas fronteiras. Alargamento estratégico da Aliança Atlântica que os EUA naturalmente saúdam na fronteira entre a Ásia e a Europa. Paz sim! Mas também sem deixar de condenar inequivocamente a agressão da Rússia à Ucrânia que continua a ser dilacerada desde o dia da invasão em 22 de fevereiro de 2022, a designada ‘operação militar especial’, que o ocidente só não fechou os olhos a troco dos seus interesses económicos, porque o povo ucraniano tomou nas suas próprias mãos a defesa do seu país, enfrentando surpreendentemente o exercito agressor, mesmo sem armas, resistindo em abrigos mantendo a esperança viva no seu país.

Parem o negócio das armas e o seu fornecimento bélico que alimenta e incendeia esta guerra. Mas não deixem um dos lados da batalha à mercê da impiedosa voracidade do agressor, cujo regime autocrático que reprime o seu povo e qualquer veleidade de oposição não pode ser branqueado cínica e calculisticamente em função dos interesses das potenciais económicas tradicionais ou emergentes.

Uma paz assinada com o sangue do povo ucraniano e da sua liberdade e democracia ainda mais condicionada pelo estado de guerra, só para quebrar a sua resistência ao invasor, e fortemente motivada para salvaguardar as economias da crise provocada por esta guerra que as políticas neoliberais estão a descarregar sobre os povos, só pode ser efémera, mesmo reconhecendo-se que a guerra, como produto da crise do próprio capitalismo global, só os povos saem sempre a perder.

Como a exigência de paz não pode ser uma palavra vã, nem indiferente à realidade do cortejo de mortes e destruição nos campos de batalha que prosseguem na Ucrânia entre ucranianos, russos ou russófonos, é tempo de acrescentar à ‘mera’ propaganda de exigência de paz dos interesses imperialistas, condições que garantam efetiva paz, para que estes povos que resistem histórica e culturalmente há séculos, possam em segurança construir o seu futuro, a sua independência, a sua liberdade e democracia.

José Carlos Lopes, Ovar

 

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