O Tribunal de Trabalho de Castelo Branco reconheceu a existência de contrato de trabalho por tempo indeterminado a quatro estafetas da Uber Eats, uma decisão apoiada nas mudanças legislativas aplicadas em maio passado.
De acordo com a sentença, a decisão tem efeitos retroativos a 1 de agosto passado. Ficou provado que a empresa estabelecia limites mínimos e máximos do valor pago aos trabalhadores, que determinava regras específicas e restringia o horário de trabalho, tudo indícios de trabalho subordinado.
Apesar do reconhecimento do contrato, ficou também escrito que “é apenas isso que será reconhecido”: “o que vale por dizer: uma coisa é qualificar um dado contrato como um contrato de trabalho, outra, logicamente posterior, é aplicar o regime jurídico aplicável a esse contrato”. Ainda assim, estabelece-se que se aplicam as regras constantes do Código de Trabalho para funções deste género, “nomeadamente o disposto em matéria de acidentes de trabalho, cessação do contrato, proibição do despedimento sem justa causa, remuneração mínima, férias, limites do período normal de trabalho, igualdade e não discriminação”.
Esta é a terceira sentença neste sentido, apesar de a primeira, do Tribunal de Trabalho de Lisboa, estar em risco por causa de um erro processual: devido a uma troca de moradas, a ré acabou por não ser ouvida e a decisão poderá assim acabar por ser anulada.
Há ainda uma outra sentença de fevereiro, do Tribunal da Covilhã, que reconhece contrato a três estafetas. Desta vez não afeta um gigante do setor mas uma empresa local - Xico’s - que terá sido criada por dois estudantes da Universidade da Beira Interior.
O ano passado, a Autoridade para as Condições de Trabalho tinha enviado para o Ministério Público 861 processos em que pedia reconhecimento do contrato de trabalho de estafetas que estavam a trabalhar como falsos prestadores de serviços. Podendo a partir daqui suceder-se outras sentenças.
A Uber anunciou entretanto que vai recorrer, alegando que “há um ano, lançámos um novo modelo que permite aos estafetas continuar a fazer entregas como prestadores de serviço independentes, em conformidade com a regulação laboral de Portugal. Este modelo envolve mudanças estruturais para aumentar a independência e o controlo dos estafetas sobre a sua experiência com a aplicação, incluindo a capacidade de estabelecer as suas próprias tarifas. Todos os estafetas que usam a nossa aplicação podem decidir livremente quando, onde e como a querem usar”, informa a empresa ao Jornal de Negócios.
Uma “grande notícia”, diz José Soeiro
José Soeiro, deputado bloquista que tem vindo a acompanhar estes casos e negociou a lei para incluir a presunção de laboralidade, considerou tratar-se de uma “grande notícia” e uma “decisão importantíssima de um tribunal português”.
Isto porque “depois dos contratempos da primeira decisão, esta acaba por tornar-se o precedente histórico que se exigia e que esperávamos!”
O dirigente bloquista sublinha que a nova lei “foi um passo decisivo e muito positivo” e que “agora é o tempo dos tribunais”. Para ele, trata-se de “uma enorme derrota da Uber, cujo modelo de negócios passa pela exploração do trabalho sem direitos e por tentar por todos os meios escapar à aplicação do direito do trabalho”.
Sobre a resposta da empresa à sentença, antecipou que esta lamentaria que “o tribunal não tivesse sido sensível aos novos esquemas que inventou para fingir que não tem responsabilidades empregatícias”.