Faltavam apenas dois dias para a segunda volta das eleições presidenciais romenas quando mais uma reviravolta se deu. Depois da vitória eleitoral de um candidato de extrema-direita, Calin Georgescu, relativamente desconhecido até então, com 23% dos votos, agora foi a vez do Tribunal Constitucional anular a primeira volta das eleições que aconteceu a 24 de novembro.
De acordo com a sentença, a “integralidade do processo eleitoral” deve recomeçar depois de se “anular a totalidade do processo para eleger o presidente romeno” de forma a “assegurar a validade e legalidade” de um escrutínio marcado pelas acusações de ingerência por parte do regime de Putin. A decisão não deixa de ser uma surpresa já que a mesma instância tinha ainda esta semana efetuado uma recontagem de votos e decidido não terem existido fraudes eleitorais.
Entretanto, os serviços secretos do país desclassificaram documentos sobre o que terão sido 85.000 ciberataques que “exploraram as vulnerabilidades dos sistemas informáticos eleitorais” com o objetivo de desestabilizar a votação.
Desenvolveu-se ao mesmo tempo uma campanha que visou sobretudo a rede social TikTok com 25.000 contas que já existiam há anos se terem tornado de repente “extremamente ativas duas semanas antes da data do escrutínio”. Através de mensagens no Telegram eram recrutadas pessoas para promover o candidato de extrema-direita pró-russo e um utilizador do TikTok pagou 381.000 dólares a influenciadores para promover Georgescu.
Em curso estão assim duas investigações sobre delitos eleitorais e branqueamento de capitais. O candidato mais votado na primeira volta tinha declarado que não gastou nada com a campanha eleitoral.
O chefe do maior partido da extrema-direita romena, o AUR, Aliança para a União dos Romenos, George Simion, contesta uma decisão “motivada politicamente” que “anula a vontade do povo romeno” e é um “golpe de Estado”, apelando à queda do “sistema” mas “democraticamente”. Este tinha ficado em quarto lugar na primeira volta mas passou a apoiar Georgescu.
A decisão não agradou também à outra candidata que passou à segunda volta com 19% dos votos, Elena Lasconi, da União Salvar a Roménia, que se afirma “anti-sistema” e se apresenta como centrista de direita e pró-europeia. De acordo com as sondagens sairia vencedora no próximo domingo. Talvez daí “condenar firmemente” a “decisão ilegal” de “um Estado romeno que despreza a democracia” e “conduz o país à anarquia”.
Obviamente no polo inverso está Marcel Ciolacu, social-democrata e primeiro-ministro demissionário, que foi o candidato que não passou à segunda volta. Para ele, a sentença foi “a única boa solução” depois de terem sido conhecidos os documentos, indicando um resultado eleitoral “falseado pela intervenção da Rússia”.
Comissão Europeia questiona TikTok
Nesta mesma sexta-feira, a Comissão Europeia anunciou ter enviado ao TikTok um pedido urgente de informação sobre a alegada ingerência russa nas eleições romenas.
Bruxelas pretende ainda saber que medidas a rede social vai tomar em resposta ao esquema. Foi ordenado à empresa que guardasse todos os ficheiros e provas relacionados com as eleições romenas.
O TikTok tem agora 24 horas para responder.
Henna Virkkunen, vice-presidente executiva da Comissão Europeia para a Soberania Tecnológica, a Segurança e a Democracia, diz que há “indicações crescentes de uma operação coordenada de influência online” visando estas eleições e que a empresa chinesa dona daquela rede social precisa de rever “urgentemente” as suas políticas de moderação de conteúdo de forma a cumprir as regras do espaço comum europeu.
Georgescu, pró-Putin e admirador de fascistas
Calin Georgescu em outubro passado tinha apenas 0,4% numa sondagem. Noutra, a alguns dias das eleições tinha subido para os 5%. Nada ainda que fizesse prever que desestabilizaria por completo o quadro eleitoral passando à segunda volta.
Também o seu percurso profissional não augurava tal futuro. Doutorado em agronomia, dedicou-se ao desenvolvimento sustentável, tinha trabalhado como alto funcionário do Ministério do Ambiente e chegou a ser relator da ONU num tema ligado à eliminação de dejetos perigosos.
É admirador do presidente russo Vladimir Putin, que considera “um homem que ama o seu país”, e pretendia cortar o apoio à Ucrânia. Julga-se defensor do cristianismo e ataca os direitos LGBT+.
Foi militante da Aliança para a União dos Romenos mas acabou por ser expulso por ser demasiado radical num contexto em que aquele partido procurava branquear a sua imagem pública. Para isso contribuíam declarações como as que fez em 2022 quando louvou como heróis o ditador fascista romeno Ion Antonescu, um dos cúmplices ativos do Holocausto nazi, e Corneliu Zelea Codreanu, líder do movimento fascista e antissemita Guarda de Ferro.