A tragédia de J. Robert Oppenheimer e a atualidade do perigo das armas nucleares

06 de agosto 2023 - 21:35

O recente filme sobre o físico nuclear americano deve ajudar-nos a lembrar como o desenvolvimento de armas modernas correu mal para os indivíduos e para toda a humanidade. Por Lawrence S. Wittner.

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J. Robert Oppenheimer em dezembro de 1953.
J. Robert Oppenheimer em dezembro de 1953.
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A estreia, a 21 de julho de 2023, do filme Oppenheimer, focado na vida de um proeminente físico nuclear americano, deve ajudar-nos a lembrar como o desenvolvimento de armas modernas correu mal para os indivíduos e para toda a humanidade.

Baseado na biografia vencedora do Prémio Pulitzer, American Prometheus, escrita por Kai Bird e pelo falecido Martin Sherwin, o filme conta a história da ascensão e queda do jovem J. Robert Oppenheimer, recrutado pelo governo dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial para dirigir a construção e testagem da primeira bomba atómica do mundo em Los Alamos, Novo México. O seu sucesso nesses empreendimentos foi seguido depois pela ordem do presidente Harry Truman para o uso de armas nucleares para destruir Hiroshima e Nagasaki.

Durante os anos imediatamente a seguir à guerra, Oppenheimer, amplamente louvado como “o pai da bomba atómica”, alcançando um poder extraordinário para um cientista nas fileiras do governo dos EUA, inclusive como presidente do Comité Consultivo Geral da nova Comissão de Energia Atómica (AEC).

A sua influência diminuiu à medida que a sua ambivalência sobre as armas nucleares crescia. No outono de 1945, durante uma reunião na Casa Branca com Truman, Oppenheimer disse: “Sr. Presidente, sinto que tenho sangue nas mãos.” Furioso, Truman disse mais tarde ao assistente do secretário de Estado Dean Acheson que Oppenheimer se tinha tornado “um bebé chorão” e que não queria “ver aquele filho da puta neste gabinete nunca mais”.

Oppenheimer também ficou perturbado com a emergente corrida ao armamento nuclear e, como muitos cientistas atómicos, defendeu o controle internacional da energia atómica. De facto, no final de 1949, todo o Comité Consultivo Geral da AEC se opôs ao desenvolvimento da bomba H nos Estados Unidos - embor o presidente, ignorando esta recomendação, aprovasse o desenvolvimento da nova arma e a tenha adicionado ao arsenal nuclear dos Estados Unidos em rápido crescimento.

Nestas circunstâncias, figuras com consideravelmente menos ambivalência sobre armas nucleares agiram para afastar Oppenheimer do poder. Em dezembro de 1953, pouco depois de se tornar presidente do AEC, Lewis Strauss, um fervoroso defensor de uma acumulação nuclear dos EUA, ordenou que a autorização de segurança de Oppenheimer fosse suspensa. Ansioso para contrariar as implicações da deslealdade, Oppenheimer apelou da decisão e, em audiências subsequentes perante o Conselho de Segurança de Pessoal da AEC, enfrentou interrogatórios exaustivos não só sobre as suas críticas às armas nucleares, mas também sobre as suas relações, décadas antes, com indivíduos que tinham sido membros do Partido Comunista.

Em última análise, a AEC decidiu que Oppenheimer era um risco de segurança, uma determinação oficial que se somou à sua humilhação pública, completada pela sua remoção do cargo governamental e desferindo um golpe devastador na sua carreira meteórica.

É claro que o desenvolvimento de armas nucleares teve consequências muito mais vastas do que a queda de J. Robert Oppenheimer. Para além de matar mais de 200.000 pessoas e ferir muitas mais no Japão, levou nações de todo o mundo a entrar numa feroz corrida ao armamento nuclear. Na década de 1980, impulsionado pelos conflitos entre as grandes potências, 70.000 armas nucleares tinham sido criadas, com o potencial de destruir praticamente toda a vida na Terra.

Felizmente, emergiu uma massiva campanha de cidadãos de base para combater esse impulso em direção a um apocalipse nuclear. E foi bem sucedida na pressão face a governos relutantes a uma série de tratados de desarmamento e controle de armas nucleares, bem como em ações unilaterais, para reduzir os perigos nucleares. Como resultado, em 2023 o número de armas nucleares caiu para cerca de 12.500.

No entanto, nos últimos anos, graças a uma diminuição acentuada do ativismo dos cidadãos e a um aumento dos conflitos internacionais, o potencial para uma guerra nuclear ressurgiu de forma dramática. Todas as nove potências nucleares (Rússia, Estados Unidos, China, Grã-Bretanha, França, Israel, Índia, Paquistão e Coreia do Norte) estão atualmente empenhadas em atualizar os seus arsenais nucleares com novas instalações de produção e armas nucleares novas e melhoradas. Durante 2022, estes governos investiram quase 83 mil milhões de dólares nesta construção nuclear. As ameaças públicas de iniciar uma guerra nuclear, incluindo as de Donald Trump, Kim Jong Un e Vladimir Putin, tornaram-se mais comuns. Os ponteiros do Relógio do Juízo Final do Boletim dos Cientistas Atómicos, criado em 1946, estão agora a 100 segundos para a meia-noite – a configuração mais perigosa da sua história.

Não é surpreendente que as potências nucleares mostrem pouco interesse em novas ações para o controle de armas nucleares e desarmamento. As duas nações que possuem cerca de 90% das armas nucleares do mundo – a Rússia (com a maioria delas) e os Estados Unidos (não muito atrás) – retiraram-se de quase todos os acordos entre si. Embora o governo dos EUA tenha proposto estender o Tratado New Start (que limita o número de armas nucleares estratégicas) com a Rússia, Putin terá respondido em junho que a Rússia não se envolveria em nenhumas conversações de desarmamento nuclear com o Ocidente, comentando: “Possuímos mais armamento de tal tipo do que os países da Nato. Eles sabem disso e estão sempre a tentar convencer-nos a iniciar negociações sobre uma redução. Que se lixem... como diz o nosso povo”. O governo chinês – cujo arsenal nuclear, embora crescendo substancialmente, ainda ocupa um distante terceiro lugar em números – declarou que não vê razão para a China se envolver em quaisquer negociações de controle de armas nucleares.

Para evitar uma catástrofe nuclear iminente, os países não nucleares têm defendido o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares (TPNW). Adotado por um voto esmagador das nações numa conferência da ONU em julho de 2017, o TPNW proíbe desenvolver, testar, produzir, adquirir, possuir, armazenar e ameaçar utilizar armas nucleares. O tratado entrou em vigor em janeiro de 2021 e – apesar da oposição de todas as potências nucleares – foi até agora assinado por 92 nações e ratificado por 68 delas. É provável que o Brasil e a Indonésia o ratifiquem num futuro próximo. As sondagens revelaram que o TPNW tem um apoio substancial em muitos países, incluindo nos Estados Unidos e noutros países da NATO.

Resta assim alguma esperança de que a tragédia nuclear que envolveu Robert Oppenheimer e há muito ameaça a sobrevivência da civilização mundial ainda possa ser evitada.


Lawrence S. Wittner é professor emérito de História em SUNY/Albany e autor de Confronting the Bomb. A Short History of the World Nuclear Disarmement Movement, (Stanford University Press, 2009).

Artigo publicado no Common Dreams. Traduzido por Carlos Carujo para o Esquerda.net.

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