Está aqui

Trabalhadores da Euronews em greve por causa do fundo de investimento português

A Alpac Capital é um fundo de investimento de cujo capital se desconhece a origem. É gerida por Pedro David Vargas, filho do ex-eurodeputado do PSD, Mário David, e próximo do primeiro-ministro húngaro de extrema-direita Viktor Orbán. Em Portugal, comprou o Nascer do Sol e o Inevitável. Contamos aqui o que se sabe da sua história.
Sede da Euronews em Lyon. Foto de Fred Romero/Flickr.
Sede da Euronews em Lyon. Foto de Fred Romero/Flickr.

Esta quinta-feira, os trabalhadores da Euronews, o canal televisivo europeu, entram em greve e vão realizar uma concentração de protesto em frente à sede da empresa em Lyon. A decisão foi tomada num plenário com a presença de 170 pessoas.

A comissão intersindical que representa estes trabalhadores explica em comunicado as razões do protesto: a “deterioração das condições de trabalho”, as “medidas de redução de custos”, as “ameaça aos postos de trabalho” de “600 empregados (permanentes, a termo certo, independentes e ocasionais)” o “possível desmantelamento” da redação multilingue naquela cidade francesa.

Os trabalhadores dizem que a Alpac, a nova dona do canal, “prometeu investir para tornar rentável”. Só que a empresa agora “anunciou a venda do nosso edifício e a aquisição parcial da nossa marca pela sociedade 'holding' sediada no Luxemburgo”, ao mesmo tempo que “já estão em marcha uma série de reduções de custos que estão a piorar as nossas condições de trabalho e a agravar ainda mais o problema da falta de pessoal”.

De acordo com os delegados sindicais, Pedro David Vargas, da Alpac, ter-lhes-á dito em reunião que “a sede permanecerá em Lyon, mas não sabemos quem estará lá”, acrescentando que “as línguas europeias trabalharão a partir de redações nas capitais europeias”, colocando assim em causa o papel da redação de Lyon. Estes dizem ainda que a administração “não deu qualquer indicação do seu plano estratégico; contudo, não negou as informações sobre uma possível deslocalização ou um possível plano social”.

Alpac? O obscuro fundo de investimento português e as ligação húngaras

A Euronews tinha sido lançada em 1993 por cerca de duas dezenas de televisões europeias com a ambição de ser um canal noticioso continental. Depois de ter passado pela NBC, estava nas mãos do milionário egípcio Naguib Sawiris, detentor da holding MGN. Em meados de dezembro de 2021, foi assinado um contrato promessa de compra de 88% das suas ações por um novo protagonista, a Alpac Capital. Os restantes 12% continuaram nas mãos de 21 grupos públicos do setor audiovisual europeu e três coletividades territoriais.

Mas quem é o novo patrão da televisão europeia? O fundo de investimentos foi criado em novembro de 2016 e é gerido por Pedro Vargas David. Este é filho do antigo assessor de Durão Barroso, ex-eurodeputado do PSD e também ex-conselheiro do primeiro-ministro húngaro de extrema-direita Viktor Orbán, Mário David. A ligação húngara não fica por aqui: um mês depois da criação da Alpac, Pedro David torna-se administrador da Metalcom, uma empresa daquele país que ganhou o contrato para construir uma vedação/muro para separar Hungria e Sérvia.

Escrevia o Expresso, a 30 de dezembro de 2021, que “na Hungria, onde Vargas David tem casa e a Alpac Capital possui escritório, a notícia da aquisição da Euronews chegou com estrondo. Havia dois motivos para isso: a proximidade do gestor ao regime de oligarquia política e económica criado pelo primeiro-ministro, Viktor Orbán, incluindo na indústria dos media, tomada de assalto por empresários alinhados com o seu partido, o Fidesz, e o facto de não se conhecerem publicamente quem são os investidores por trás do fundo gerido pela Alpac que comprou a estação de televisão. Estava aberto o caminho para especular sobre se não se trataria de um cavalo de Troia de Orbán no coração da Europa.”

Uma conclusão suportada por outros dados que o artigo avança. O principal acionista da Metalcom é Zoltán Bozó que em 2014 foi candidato ao cargo de presidente da Câmara de Szentes pelo Fidesz, partido de Orbán. O segundo maior é Dániel Mendelényi que nesse mesmo ano foi nomeado embaixador “extraordinário e plenipotenciário” da Hungria.

Vargas David também está ligado ao Estado húngaro por outra via já que dois dos fundos de capitais de risco que a Alpac Capital gere, o East West European Capital Fund e o East West, são constituídos por capital deste país.

O sócio minoritário e a ligação colombiana

Se dois terços da Alpac são de Pedro Vargas David, o restante pertence a Luís Santos, conhecido por ser filho do ex-selecionador da seleção portuguesa futebol, Fernando Santos, e que entre 2005 e 2013 tinha trabalhado na consultora multinacional McKinsey, onde se cruzou com o seu parceiro de negócio. Depois da McKinsey, David trabalhou na Colômbia durante três anos, dois para a Jerónimo Martins, um para Prebuild, empresa entretanto falida que entrou nas notícias por ser um dos grandes devedores do Novo Banco e cujo grupo económico incluía a Levira, fabricante de mobiliário de escritório, a Aleluia Cerâmicas e a Viúva Lamego.

Mas o episódio colombiano tem muito mais que contar. O Esquerda.net publicou em agosto de 2015 um artigo de Viviana Viera, do portal colombiano Las 2 Orillas, detalhando essas ligações familiares. Em 2009, Mário David quis ser no Parlamento Europeu relator do Tratado de Livre Comércio entre a UE e a Colômbia e o Peru. “Como relator, Mário David teve de convencer a maioria do Parlamento Europeu que o TLC com a Colômbia e o Peru iria trazer muitos benefícios. Mas esqueceu-se de apontar que esses benefícios iam ser para a sua família de sangue e também para a sua família política”, pode ler-se neste artigo. O político do PSD minimizou questões como “violações de direitos humanos na Colômbia, a destruição do ambiente e até a facilitação para a lavagem de dinheiro e a evasão de impostos” para fazer avançar a sua agenda e “enquanto viajava para a Colômbia para dialogar com o governo colombiano e impulsionar o promissor TLC, o eurodeputado português Mário David servia-se da sua posição privilegiada para acordar a entrada das empresas portuguesas no nosso país, a partir do mais alto nível”.

É então que o seu filho entra em cena “para instalar os grupos no mercado nacional”. Primeiro, “mudou-se para a Colômbia para comprar terrenos como responsável pela Expansão Internacional da holding portuguesa Jerónimo Martins”. Depois na Prebuild, prometeu “o investimento de 250 milhões de dólares num parque industrial situado numa zona franca em Gachancipá e a criação de 1.600 postos de trabalho”. A empresa “não honrou os contratos e o projeto acabou por afetar alguns dos grupos mais poderosos da Colômbia, o grupo Santo Domingo (fundo de investimentos Terranum) e muitos trabalhadores que estão há meses sem receber salários”, escrevia-se na altura. Também no mesmo âmbito, a Prebuild Distribuiciones (Plenty), tinha prometido abrir 50 lojas. “No final apenas foi aberto um armazém Plenty em Bogotá, que fechou deixando dívidas no montante de 1,2 milhões de dólares”. Acusa-se ainda a Prebuild de ter sido “favorecida entre vários construtores a nível nacional, pelo ministério da habitação, com um projeto de 44.525 milhões de pesos (15.6 milhões de euros), para a construção de 1.079 habitações sociais em Barracabermeja”. Também não correu bem: “houve problemas jurídicos com a propriedade do terreno, houve problemas com os salários dos trabalhadores e houve problemas com a Ekko a filial da Prebuild. O projeto de habitação não foi cumprido”.

Há ainda outra empresa portuguesa na história: a Mota-Engil. A declaração de interesses de 2012 de Mário David coloca-o como administrador desta e o artigo de Viviana Viera sublinha que esta empresa “ganhou vários concursos na Colômbia”. O fundo Alpac, ainda segundo o mesmo texto, “investe precisamente na Colômbia e Peru para continuarem a beneficiar do TLC”, detalhando-se uma série de sócios e aliados no mundo da política dos dois países.

E de onde veio o dinheiro para comprar a Euronews?

Hoje em dia, sobre a Alpac Capital só se fala nas ligações húngaras. Muito pelas preocupações à volta da influência de Órban mas também pelo dinheiro desta proveniência. Entretanto, o fundo de investimento criou um terceiro fundo de risco, o European Future Media Investment Fund, “de propósito para comprar a Euronews”, ainda de acordo com o Expresso que questionou Vargas David sobre quem estaria a investir, tendo este recusado revelar. “A Alpac garante apenas que não existe dinheiro público envolvido e que não há empresários húngaros na lista de investidores na Euronews”, escreve-se. De resto, mais nada se sabe.

O braço mediático da Alpac estende-se a Portugal

Outra coisa contudo é bem conhecida, na mesma semana que comprava uma cadeia televisiva de dimensão europeia, o mesmo fundo de investimento anunciava a compra de dois jornais portugueses, o “Nascer do Sol” e o “Inevitável” que eram à data pertença da Newsplex de Mário Ramires.

Termos relacionados Sociedade
(...)