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Sampaio lembra a Durão Barroso que se opôs ao envio de tropas para o Iraque

Reagindo às declarações de Durão de Barroso que, durante uma entrevista à SIC e ao Expresso, afirmou que Jorge Sampaio concordou com a Cimeira das Lajes, o ex presidente da República recordou como o Iraque se tornou num "fator de polarização" entre ambos.
A 16 de março de 2003, George W. Bush, Tony Blair e José Maria Aznar são recebidos pelo ex primeiro ministro português Durão Barroso, na Base das Lajes, nos Açores, para uma cimeira, conhecida por Cimeira das Lajes ou Cimeira da Guerra, onde foi acertada a intervenção militar contra o Iraque. A maioria dos membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas decide não apoiar o uso da força contra o Iraque.

"Costuma dizer-se que a memória é seletiva e que os relatos históricos são reconstruções narrativas, que não dispensam nem uma parte de interpretação nem alguma subjetividade. Até poderá ser assim, mas as chamadas fontes em história permitem colmatar lacunas e reconstituir factos passados”, escreve o ex presidente da República num artigo de opinião intitulado “Iraque, evocações presidenciais”, publicado este sábado no jornal Público.

No texto, Jorge Sampaio evoca “uma extensa conversa telefónica” sobre o Iraque com Durão Barroso, a 9 de setembro de 2002, “aquando do seu regresso de um encontro na Sardenha, com congéneres europeus, durante o qual se teria desenhado com maior clareza a possibilidade, apoiada por ingleses, espanhóis e italianos, de uma intervenção no Iraque, mesmo sem mandato das Nações Unidas”.

“Recordo bem esta conversa não só por ter marcado a introdução da questão do Iraque na agenda interna, de que passou a ser um ponto recorrente, como por ter revelado ab ovo [de início] as diferenças de posição entre mim e o chefe do executivo”, destaca.

O ex presidente da República refere que “a convicção certa, com que então ficara, de que o Iraque se viria a tornar num factor de polarização PR versus PM, foi-se adensando”, tendo-se tornado evidente no encontro semanal de 19 desse mês, depois de uma intervenção de Durão Barroso no Parlamento.

Jorge Sampaio lembra, por sua vez, que “a divisão europeia tornou-se óbvia com, por um lado, a tomada de posição conjunta de Chirac e Schröder (22 de janeiro de 2003) sobre a oposição a qualquer ação militar sobre o regime iraquiano e a chamada 'carta dos Oito', publicada a 30 de janeiro”. Barroso apenas terá informado o ex presidente que iria assinar a missiva na véspera, utilizando “argumentos semelhantes aos que viria a expender no Parlamento a 31 de janeiro – ou seja, basicamente que para Portugal a neutralidade não era opção”.

Sampaio recorda também o telefonema que, pelas 7 da manhã de 14 de março, recebeu do primeiro-ministro, solicitando-lhe uma reunião de urgência: “Para minha estupefação, tratava-se de me informar que havia sido consultado sobre a realização de uma cimeira nos Açores, essa mesma que, nesse mesmo dia, a Casa Branca viria a anunciar para 16 de março, daí a pouco mais de 48 horas…”.

“Não é preciso ser-se perito em relações internacionais para se perceber que eventos deste tipo não se organizam num abrir e fechar de olhos; e também não é necessário ser-se constitucionalista, para se perceber que não cabe ao Presidente autorizar ou deixar de autorizar atos de política externa”, sublinha.

“De qualquer forma, transmiti claramente que tratando-se, como o meu interlocutor afiançava, de uma derradeira e essencial tentativa para a paz e evitar a guerra no Iraque nada teria a opor”, acrescenta.

O ex presidente da República salienta que “em relação a tudo isto, muito mais poderia recordar, para além da fotografia conhecida que registou um dos momentos mais gravosos deste século, quer seja sobre o papel de Portugal na dita Cimeira, sobre as conclusões da mesma ou ainda sobre tudo o que se seguiu e o início da guerra”.

No final do seu artigo, Sampaio assinala ter, por um lado, evitado “abrir um conflito institucional que em nada serviria o país”, mas, por outro, ao opor-se “ao envio de tropas para o Iraque”, ter afirmado “decisivamente o papel efetivo do presidente como comandante supremo das Forças Armadas”.

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