Itália

Salvini quer construir a maior ponte suspensa do mundo, o povo saiu à rua a contestar

11 de agosto 2025 - 12:49

O governo italiano quer gastar 13,5 mil milhões para unir a Sicília ao continente. Este fim de semana 10.000 pessoas saíram às ruas em Messina contra uma ponte que “só vai unir os interesses de uns poucos”, levantando problemas sísmicos, ambientais e sociais em duas zonas com baixo investimento público.

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Manifestantes contra a ponte em Messina.
Manifestantes contra a ponte em Messina. Foto No Ponte Messina

Cerca de 10.000 pessoas manifestaram-se este fim de semana em Messina contra a construção de uma mega-ponte que deverá ligar a Sicília à parte continental da Itália, aquela que é descrita pelo governo como a maior ponte suspensa do mundo.

Esta ponte tem um custo previsto de 13,5 mil milhões de euros. Passará sobre o estreito de Messina, numa distância total de 3,7 quilómetros, 3,3 dos quais com um vão suspenso. Os trabalhos deverão iniciar-se para o ano para estar pronta em 2032/3.

Na Sicília, a contestação popular à ideia é tão velha como o projeto que data pelo menos dos anos 1960 e voltou a expressar-se este sábado. Em causa está a sua dimensão, as questões sísmicas que levanta, o enorme impacto ambiental e as suspeitas de possibilidade de interferência da máfia nos contratos de construção.

A dar a cara pela ponte, em nome do governo, está agora o vice-primeiro-ministro e ministro dos Transportes, o líder tradicional da Liga de extrema-direita, Matteo Salvini, que o considera “o maior projeto de infraestrutura no Ocidente” e que promete que a atual passagem do estreito em 100 minutos por ferry fique reduzida a dez por carro e a criação de 120.000 empregos anualmente e investimentos milionários nas estradas e outras infraestruturas da região. Também pretende que o valor gasto integre o aumento de 5% do PIB em despesas para “defesa” prometido à Nato e que escapa dos números do deficit para Bruxelas.

Com este entusiasmo, Salvini volta a dar o dito por não dito, o que é tudo menos inédito num dirigente partidário que passou de separatista a “nacionalista” num piscar de olhos. Ainda em 2016, este político de extrema-direita dizia que não se devia gastar “milhares de milhões de euros numa ponte no meio do mar quando na Sicília e na Calábria não há comboios ou são de via única”. Afirmava então que o dinheiro que esta custaria seria melhor emprega a “reparar as escolas”. Agora diz que o avanço do projeto é “uma das maiores satisfações” da sua vida política.

Uma ponte para unir os interesses de poucos”

Entre os críticos estão as 500 famílias que terão de ser expropriadas, aqueles que sofrerão com o impacto de quase uma década de estaleiros e poluição mas também muitos outros que não serão afetados diretamente pelos problemas causados pela obra.

Na manifestação, a terceira em perto de um ano, a palavra de ordem central foi que “o estreito de Messina não pode ser tocado”, enquanto se afirmava também que esta é “uma ponte para unir os interesses de poucos”.

De acordo com o Il Manifesto, foi um protesto “numeroso, colorido e determinado”. A este jornal, Federico Alagna da No Ponte di Messina afirmou que o povo estava nas ruas “para reiterar a Salvini que esta região não é uma colónia e que não aceitaremos mais uma decisão imposta de cima”, criticando ainda o governo por não ouvir os cidadãos da zona sobre as suas necessidades.

Depois do cortejo massivo, a organização emitiu uma nota em que se confessava surpreendida com a dimensão do protesto “não imaginávamos”, escreveram, acreditando que este provou a oposição de toda a região à ponte e a possibilidade de a interromper através da mobilização popular para “travar a hemorragia de recursos públicos que seriam desviados de necessidades básicas não satisfeitas (água, educação, saúde, segurança sísmica, segurança hidrogeológica”).

Entre quem se opõe à ponte há também quem expresse preocupações ambientais, nomeadamente com as aves migratórias que atravessam esta zona. Algumas associações ambientalistas impulsionam a apresentação de queixas em Bruxelas por causa disto. Para além disso, há quem defenda o valor paisagístico do estreito, tendo sido até apresentado um pedido por ativistas para que a área seja declarada Património Mundial.

O maior desperdício de dinheiro público jamais visto”

A esquerda também contesta o projeto. O deputado Angelo Bonelli da AVS, Aliança Verde-Esquerda, citado pela agência Ansa, considera que se trata do “maior desperdício de dinheiro público jamais visto em Itália” lançado para “cimento e propaganda”.

O deputado lembra que a aprovação foi feita “apesar da opinião negativa da comunidade ambiental e do risco sísmico, com um pilar em cima de uma falha geológica ativa”.

O governo avançou “num ato de pura arrogância” e “ignorou os corpos técnicos relevantes” numa “verdadeira estalada na cara da transparência e legalidade”.

Para este dirigente político, “as regiões envolvidas, Sicília e Calábria, precisam de infraestruturas para o bem-estar dos seus cidadãos como linhas férreas, água potável e transportes, não uma ponte a ligar dos áreas com uma infraestrutura devastada”.