México

Quem é Claudia Sheinbaum, a primeira mulher presidente no norte do continente americano

03 de junho 2024 - 12:50

Neta de judeus perseguidos, “filha de 68” e ativista estudantil, a cientista do clima tornou-se a primeira mulher à frente da Câmara da Cidade do México antes de vencer confortavelmente a presidência este domingo.

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Claudia Sheinbaum
Claudia Sheinbaum depois da sua vitória eleitoral. Foto de Mario Guzman/EPA/Lusa.

A candidata apoiada pelo Morena, o Movimento de Regeneração Nacional, do até agora presidente mexicano André Manuel López Obrador (AMLO), apoiada pela coligação “Quarta Transformação”, venceu confortavelmente as eleições presidenciais deste domingo com entre 58% e 60% dos votos. A candidata da direita, a empresária Xóchitl Gálvez da coligação Força e Coração pelo México, que juntava os partidos tradicionais de poder PAN, PRI e PRD, obteve entre 26% e 28% dos votos. E o deputado centrista do Movimento Cidadão Jorge Alvarez Máynez entre 9% e 10% dos votos. Também nas duas câmaras do Parlamento mexicano, as projeções apontavam para uma vitória folgada do mesmo campo político.

Sheinbaum apresentou-se como a sucessora de AMLO que, no seu discurso de vitória, caracterizou como “um homem excecional e único que transformou para melhor a história do nosso país”. Prometeu nessa ocasião continuar com estes “avanços”, nomeadamente os programas de apoio social para “construir um verdadeiro Estado Providência”. A “paz e a segurança”, num país em que há 80 homicídios por dia e em que 30 candidatos a estas eleições foram assassinados, foi outras das prioridades avançadas.

Salientando igualmente ser a primeira mulher no cargo, disse que isso era um feito para todas as mulheres e assegurou que não as vai desiludir. É, aliás, aos 61 anos, a primeira mulher a vencer umas eleições gerais em toda a parte norte do continente americano.

Claudia Sheinbaum também tinha sido já a primeira mulher na presidência da Câmara da Cidade do México.

A “filha de 68”

Os seu avôs paternos são originários da Lituânia, os maternos eram judeus que fugiram da Bulgária por causa do nazismo.

Começou a destacar-se como ativista estudantil integrando em meados dos anos 1980 o Conselho Estudantil Universitário e fazendo parte da direção de uma greve de grandes dimensões contra a privatização do ensino universitário.

Definiu-se até, nas redes sociais, como “filha de 68”, referência à histórica greve universitária no país que foi duramente reprimida. O massacre de Tlatelolco que a segue ainda hoje assombra a consciência política do país.

Depois, seguiu uma carreira científica na esteira dos seus pais, ambos ativistas daquele movimento. Estudou primeiro Física e depois doutorou-se em Engenharia da Energia, tendo sido investigadora na Universidade de Berkeley nos EUA, e na UNAM no México. Nesse âmbito, é especialista em alterações climáticas e nos padrões de consumo de energia do México. Fez parte do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas da ONU (o IPCC) pelo que foi co-galardoada com o Nobel da Paz de 2007.

Politicamente, tinha apoiado a candidatura presidencial de Rosario Ibarra Piedra nos anos 80. Esta mãe de um desaparecido foi a primeira mulher candidata presidencial no país, agitando as águas com uma campanha destemidamente à esquerda.

Bem mais tarde, tornou-se secretária do Ambiente na gestão de Andrés Manuel López Obrador à frente da Câmara Municipal de México. Foi ainda sua porta-voz na primeira campanha presidencial de AMLO em 2006, antes de, em 2015, ganhar a prefeitura de Tlalpan, na Cidade do México e de em 2018, passar a ficar à frente da presidência da Câmara da capital.

A sua gestão ficou marcada pelo desabamento de um viaduto de uma estação de metro, a 3 de maio de 2021, no qual morreram 27 pessoas. Choveram então acusações de corrupção na construção da linha e desfiaram-se as constantes queixas que existiam sobre o funcionamento deste meio de transporte. Foi então responsável pela negociação de indemnizações às vítimas por parte da empresa construtora do multimilionário Carlos Slim, o homem mais rico do país.

Desconfiança em alguns movimentos sociais

Outro momento de tensão foi a repressão policial dos grandes movimentos de mulheres. Estes nunca lhe perdoaram não ter tomado o seu lado. E também os grupos de familiares de desaparecidos a criticam por considerarem não estar suficientemente empenhada na defesa da memória histórica.

Apesar do seu destaque enquanto cientista do clima, vários movimentos ecologistas também não lhe são particularmente favoráveis. Criticam-lhe o apoio ao projeto, que já vem de AMLO, da construção do chamado Comboio Maia, um mega-projeto que vai atravessar a península do Iucatão, destruindo sítios arqueológicos maias e zonas ambientais.

À Al Jazeera, Guadalupe Correa-Cabrera, analista política, explica ainda que no programa político do seu partido não há nenhum plano para cortar com emissões poluentes provenientes de combustíveis fósseis e, pior, prevê-se a expansão da investimentos na área por parte da Pemex, a empresa pública do setor do petróleo. Esta especialista acredita que Sheinbaum “vai seguir as linhas diretrizes do interesses do petróleo e do gás e dos Estados Unidos e da China”.

Para além disso, antevê ainda que “não vai ser tão radical como AMLO”, lembrando que “nunca esteve longe da elite”, que “é obediente às instituições internacionais e sistemas económicos”, para além de ter uma relação privilegiada com Carlos Slim.

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