Petição contra abate de sobreiros em Sines já reuniu mais de 5.000 assinaturas

08 de agosto 2023 - 19:27

Ministro do Ambiente autorizou EDP a abater 1821 sobreiros para a construção de um parque eólico, levantando críticas face ao facto de, mais uma vez, interesses privados prevalecerem sobre o bem-estar da população portuguesa e a preservação da biodiversidade. Bloco questionou Governo.

PARTILHAR
Campo de sobreiros. Foto de Crispi.pp, Wikimedia Commons.

Num despacho publicado a 1 de agosto, Duarte Cordeiro declara a “imprescindível utilidade pública” do parque eólico de Morgavel. O empreendimento, desenvolvido pela empresa Parque Eólico de Moncorvo, adquirida no final de 2022 pela EDP, envolve um investimento de 66 milhões de euros e o seu projeto teve declaração de impacto ambiental favorável condicionada em setembro de 2020.

Agora, o ministro do Ambiente veio confirmar a autorização do Governo no que respeita ao abate de sobreiros, numa área de 32 hectares, nos concelhos de Sines e Santiago do Cacém. O governante alega “o relevante interesse público, económico e social do empreendimento, cumulativamente às obrigações inerentes ao contrato assinado entre a requerente e o Governo Português, a qual se encontra contratualmente obrigada a promover a execução de um parque eólico que concorra para o cumprimento pelo Estado Português dos objetivos de Quioto e do Plano Nacional de Energia”.

Abate de sobreiros fortemente contestado

Em entrevista à SIC, Bruno Candeias afirmou que a decisão de Duarte Cordeiro é incompreensível. O ativista ambiental explicou que a preocupação do Governo devia passar por produzir “energia descentralizada para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis mas também reduzir a fatura elétrica e democratizar a energia”.

“A energia devia ser pública e servir as pessoas”, defendeu, denunciando que “muitos destes projetos têm sido feitos nas costas das populações”. Conforme reivindicou, é preciso envolver as populações e “gerar processos participativos”, para que um “desígnio nacional energético seja um desígnio de toda a população”.

Sobre a etiqueta de “imprescindível utilidade pública” do projeto e promessa de medidas compensatórias, Bruno Candeias assinalou que é uma campanha de “greenwashing” e que não podemos “produzir energia renovável a qualquer custo”.

Petição soma mais de 5.000 assinaturas

Uma petição contra o abate de sobreiros no Parque Eólico de Morgavel já reuniu mais de 5.000 assinaturas. Os signatários consideram que a justificativa do ministro do Ambiente “carece de fundamentação adequada”, e suspeitam “que interesses privados estejam prevalecendo sobre o bem-estar da população portuguesa e a preservação de nossa biodiversidade”. Nesse sentido, exigem “total transparência sobre os motivos que levaram à classificação do abate de sobreiros” como “imprescindível utilidade pública” e demandam “que quaisquer conflitos de interesse sejam esclarecidos”.

A iniciativa visa instar o Governo português a rever o despacho e reivindicar “que alternativas sustentáveis e menos impactantes ao ecossistema sejam amplamente estudadas e consideradas”. “Somente com a participação ativa da sociedade e o respeito ao meio ambiente, poderemos construir um futuro mais próspero e equilibrado para as gerações vindouras”, defendem os peticionários.

Projeto colide com anunciada proteção da biodiversidade

A Quercus, por sua vez, alerta que o projeto, “incluindo cerca de 16 km de linhas elétricas associados ao empreendimento junto ao Parque Natural do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina, por si só representa uma ameaça à compatibilização com a proteção da biodiversidade, pelo facto de coincidir com o corredor de migração de aves selvagens protegidas, nos concelhos de Sines e Santiago do Cacém, agravado pela afetação de 3 325 exemplares de sobreiro, com abate de 1821, em 32 hectares de povoamentos”.

A Organização Não Governamental de Ambiente (ONGA) frisa que o projeto do Parque Eólico de Morgavel “devia ter acautelado as condicionantes legais e de ordenamento do território, evitando mecanismos de exceção para promover o abate dos sobreiros existentes” e que a sua execução “vai em contra ciclo e contraria os acordos e esforços de conservação que o Estado Português assumiu para travar a perda de biodiversidade”.

Sublinhando considerar essencial a descarbonização através das energias renováveis, a Quercus destaca a necessidade de acautelar “as condicionantes sobre os ecossistemas, sem exceções, o que não foi devidamente salvaguardado neste projeto”.

“Problema é muito sério, pois o caso de Morgavel não é único”

A Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade – FAPAS afirma-se “apreensiva” com a decisão do ministro do Ambiente. Em comunicado, a FAPAS enfatiza que “utilidade pública têm os 1.821 sobreiros e o Parque Natural do Sudoeste Alentejano [e Costa Vicentina], mais que os 15 autogeradores que podem ser instalados ali ou noutro local sem sobreiros”.

Relativamente às medidas compensatórias por arborização de povoamento misto de sobreiros e medronheiros numa área de 50,07 hectares na zona de Tavira, a ONGA refere que, com esta decisão, “desvaloriza-se o Parque Natural do Sudoeste Alentejano (já demasiado desvalorizado pela agricultura intensiva) para, supostamente, compensar 120 km a Sul”.

Abatem-se “árvores adultas para compensar com a plantação de pequenas árvores de viveiro, que só cumprirão totalmente os serviços ecossistémicos daqui a umas décadas, se não secarem pelo caminho”, aponta a FAPAS, acrescentando que “autorizar a desmatação num local, com a promessa de plantação noutro local é 'greenwashing', [ou seja] 'lavagem verde', pois nada compensa o abate de árvores autóctones”.

A ONGA alerta que “o problema é muito sério, pois o caso de Morgavel não é único”, já que se têm “sucedido as autorizações de abates de sobreiros e azinheiras por todo o território nacional, para construção de parques eólicos e fotovoltaicos”.

Nesse sentido, apela ao ministro do Ambiente e da Ação Climática para, “em nome do ambiente e da ação climática”, pôr “cobro à desflorestação do país para os mais diversos empreendimentos que, por mais que se argumente, não têm tanta utilidade pública como as árvores adultas”.

Bloco questionou Governo

Os deputados Pedro Filipe e Joana Mortágua querem que o Ministério do Ambiente e da Ação Climática esclareça em que estudos se baseia para considerar que a construção Parque Eólico de Morgavel (PEM) e da linha elétrica a 400 kV de interligação à subestação de Sines são imprescindíveis, não havendo alternativas de localização.

O Bloco pretende ainda apurar se, face às razões apresentadas nos protestos ambientalistas, o Governo está disponível para rever a autorização do abate de 1821 sobreiros em Sines e em Santiago do Cacém.

Por fim, o executivo socialista é questionado sobre as medidas que irá implementar para envolver a população nas decisões relativas ao projeto de construção do Parque Eólico de Morgavel.