Inteligência artificial

As outras vítimas da IA chinesa DeepSeek: empresas do setor da energia e datacenters

29 de janeiro 2025 - 14:02

Surgimento da DeepSeek provocou a maior destruição de valor em bolsa num único dia por parte da empresa de chips Nvidia. O novo modelo de IA exige muito menos consumo de energia, pelo que as empresas de energia e as que gerem centros de dados também sofreram quedas nas bolsas.

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Yago Álvarez Barba

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App Deepseek no telemóvel
Foto Tim Reckmann/Flickr

O lançamento de uma nova Inteligência Artificial (IA) pela empresa chinesa DeepSeek virou Wall Street e Silicon Valley de pernas para o ar. As empresas tecnológicas envolvidas no desenvolvimento da IA ou no fabrico dos componentes necessários caíram a pique na bolsa, queimando mais de um bilião de dólares em valor de mercado. Mas as empresas que competem diretamente na corrida tecnológica não foram as únicas a ver as regras do jogo mudarem de um dia para o outro.

O modelo de IA desenvolvido pela DeepSeek, que, segundo a empresa, foi desenvolvido em dois meses e com um investimento infinitamente inferior ao dos seus concorrentes, poderia resultar numa menor procura de eletricidade, tanto para o seu desenvolvimento como para o armazenamento dos dados necessários. Este facto não passou despercebido aos mercados, que se apressaram a vender ações das grandes empresas de energia, que também caíram a pique nas bolsas americanas e europeias.

As grandes empresas do setor da energia também fizeram parte da febre de investimentos em IA dos últimos dois anos. Estes produtores de eletricidade esfregavam as mãos na corrida para controlar o mercado em que as grandes empresas tecnológicas se tinham envolvido, uma vez que as previsões de consumo de energia aumentavam quase ao mesmo tempo que os anúncios de investimentos e novos desenvolvimentos que exigiriam novos aumentos do consumo de eletricidade. O desenvolvimento de novos centros de dados, um mercado em que a Espanha se posicionou graças aos seus preços baratos de energia, foi acompanhado por aumentos na cotação dos fornecedores de energia.

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Mas, tal como aconteceu com empresas como a Nvidia e a Microsoft, o balão esvaziou-se durante a sessão da bolsa de segunda-feira, 27 de janeiro. As empresas estadunidenses, onde se concentra a maior parte do setor, foram as mais atingidas pelas quedas. Sobretudo as que registaram uma subida acentuada devido à febre da IA. A Constellation Energy, que duplicou o seu valor num ano com a venda de energia nuclear e de gás aos datacenters do país, caiu 20%. Outras empresas, como a Vistra, caíram 30% e a Talen Energy Corp caiu mais de 20%.

Curiosamente, a quebra mais significativa não foi protagonizada por uma empresa americana, mas sim por uma empresa alemã: a Siemens Energy AG. Embora a queda da multinacional acrescente um outro fator à possível diminuição do consumo de energia. No final de outubro, a Siemens anunciou a compra do fornecedor de software industrial e de inteligência artificial Altair, por 9.225 milhões de euros, para entrar no mercado, que sofreu agora uma deflação. A Siemens caiu 20% no fecho do mercado alemão na segunda-feira, perdendo mais de 8 mil milhões de euros.

Em Espanha, Florentino Pérez e a sociedade Merlin Properties

No ecossistema empresarial espanhol, as empresas do ramo da energia não sofreram muito com o aparecimento do DeepSeek. No entanto, há um fator diretamente relacionado que pôs em cheque a estratégia de investimento que acompanha o crescimento da IA: os centros de dados.

As grandes empresas tecnológicas procuram em Espanha a localização dos seus datacenters. Os baixos preços da energia, em comparação com os países vizinhos na Europa, tornaram o país num alvo para os seus investimentos. Só em 2024, as grandes empresas de Silicon Valley, como a Amazon, a Microsoft e a Meta, anunciaram investimentos milionários para o desenvolvimento de centros de dados em território espanhol, sendo alguns deles tão sonantes como o investimento de mais de 15,7 mil milhões de euros que a Amazon prometeu fazer em Aragão, que foi fortemente criticado precisamente porque consumirá mais energia do que todas as casas e empresas da comunidade autónoma e multiplicará por cinco o consumo de água, ou o previsto em Cáceres, que também foi alvo de fortes críticas devido aos mesmos problemas de consumo de recursos.

As empresas espanholas do sector da construção e do imobiliário também se juntaram a esta vaga de investimentos, em parte desencadeada pela febre da IA. Duas delas, em particular, sofreram as consequências do crash bolsista desta segunda-feira. A primeira é a ACS. Há apenas dois meses, a empresa de construção assinou um contrato chorudo com Mark Zuckerberg para construir o seu maior campus de centros de dados, com um investimento de 9,5 mil milhões de euros, um mercado em que a ACS tinha tirado partido e se tinha especializado. Mas o aparecimento da IA chinesa, que afeta diretamente os clientes da ACS, mudou tudo. A empresa de Florentino Pérez também sofreu com o aparecimento do DeepSeek e caiu 4,5% na bolsa, ou seja, perdeu quase 600 milhões de euros de valor.

A outra empresa espanhola que sofreu quedas relacionadas com o aparecimento do DeepSeek foi a sociedade de investimento imobiliário do Ibex 35, Merlin Properties. Durante anos, a empresa de Teresa Urquijo, mulher de Martínez Almeida (presidente da Câmara de Madrid, do PP), especializou-se na compra e aluguer de escritórios. Mas esse mercado está em queda e a Merlin tinha-se dedicado totalmente ao negócio dos centros de dados. Os mercados também não lhe perdoaram e a sociedade caiu 4,68% no fecho de segunda-feira, menos 280 milhões de euros.


Yago Álvarez Barba é coordenador da secção de Economia do portal El Salto. Artigo publicado em El Salto, traduzido por Luís Branco para o Esquerda.net.