Os lóbis cercam os lobos

30 de setembro 2024 - 16:56

As indústrias Agropecuária e da Caça conseguiram reduzir o nível de proteção do lobo, permitindo o controle das suas populações através da caça. A agenda da extrema-direita europeia impõem-se contra a biodiversidade.

por

Paulo Caetano

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combate de lobos
Fotos de Paulo Caetano.

25 de setembro será lembrado, na União Europeia, como um dia sombrio para a Biodiversidade e a Conservação da Natureza. Depois de anos a pressionar a Comissão Europeia, os lóbis conservadores da indústria Agropecuária e da Caça conseguiram o seu objetivo: reduzir o nível de proteção do lobo, abrindo portas para o controle das suas populações através da caça. Esta vitória é bem demonstrativa da forma como os interesses destes dois lóbis foram capturados pela agenda da extrema-direita europeia… e que acabaram por ser igualmente adotados pelo Partido Popular Europeu.

Apesar de há duas semanas, a nova Ministra do Ambiente, Graça Carvalho, ter criticado esta proposta legislativa que desprotege o lobo sem qualquer fundamento científico, no momento da verdade alterou o seu sentido de voto e apoiou a proposta dos governos conservadores – mudando radicalmente a posição que Portugal manteve ao longo dos últimos anos. Ao justificar o voto favorável, Graça Carvalho diz que o fez por “solidariedade”. Mas pode dar-se o caso de que este volte-face na posição portuguesa seja apenas a primeira de muitas “faturas políticas” que o governo de Luís Montenegro terá de pagar pela nomeação da “sua” comissária Maria Luís Albuquerque para o importante pelouro das Finanças europeias. Dá para perceber que a posição nacional na União Europeia estará agora, mais do que nunca, subordinada às agendas da direita e da extrema-direita conservadoras – os apoiantes da atual Comissão Europeia.

Convém lembrar que uma das personalidades mais vocais que se colocaram ao lado destas reivindicações da extrema-direita foi a Presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, que assumiu uma postura alarmista, desfasada de qualquer facto real: “A concentração de alcateias em algumas regiões da Europa tornou-se um perigo real para o gado e potencialmente também para os seres humanos. Apelo às autoridades locais e nacionais para que atuem onde seja necessário. A atual legislação europeia já lhes permite fazer isso”.

Aparentemente, o seu ódio ao lobo não tem apenas motivações políticas. Foi notícia na imprensa europeia que, estando desprotegida em território de lobos no norte da Alemanha, a sua égua Dolly foi vítima de uma alcateia. As pressões sobre a justiça alemã funcionaram e foi decretada uma ordem judicial de abate da família de lobos.

Confrontados com esta mudança legislativa no estatuto de proteção do lobo, convém sublinhar que não existem estudos que comprovem que o crescimento das populações lupinas está relacionado com alegados aumentos de prejuízos de ganadeiros. Pelo contrário, teme-se que esta mudança possa originar impactos devastadores nas populações de lobo que estavam finalmente a registar um aumento – provocando retrocessos de décadas na conservação da vida selvagem e dos ecossistemas mais ameaçados. E que coloque em causa os programas que têm por objetivo diminuir o nível de conflitualidade com algumas comunidades rurais, reduzindo a predação de espécies domésticas pelo lobo e garantindo o pagamento atempado e justo de indemnizações.

Lobo juvenil

Por toda a Europa – e também em Portugal – estão a ser realizados esforços para promover uma coexistência pacífica entre lobos e comunidades rurais. Desde logo, recompondo uma saudável cadeia ecológica, está a apostar-se na reintrodução de presas selvagens para os lobos. Entre nós, por exemplo, foram libertados corços na Serra da Freita e em outros territórios lupinos. Uma medida que faz diminuir a pressão sobre o gado.

Um projeto que tem trinta anos de existência em Portugal, com resultados positivos cientificamente comprovados, é a proteção dos rebanhos e manadas através do uso de cães de gado – raças de trabalho que existem em todos os países europeus. O Grupo Lobo foi pioneiro e o seu exemplo foi seguido pelos responsáveis do Parque Natural de Montesinho – um dos principais territórios das alcateias portuguesas. Recorrendo a raças como o Cão de Gado Transmontano, o Cão de Castro Laboreiro, o Cão da Serra da Estrela ou o Cão Rafeiro do Alentejo, os rebanhos ficam protegidos e o nível de predação diminui consideravelmente.

Finalmente, quando ainda assim existem ataques sobre o gado, uma das medidas mais eficazes para evitar o conflito é o pagamento de indemnizações aos criadores que sofreram baixas.  As conjugações destes três níveis de medidas têm, comprovadamente, um efeito positivo junto de pastores, criadores de gado e nas comunidades economicamente mais fragilizadas.

Só que isso não satisfaz os lóbis envolvidos – para quem a qualidade de vida dos povos serranos pouco importa. Existem outros interesses que lucrariam com a desproteção do lobo. Só para citar dois exemplos: o complexo eólico do Tâmega, da Iberdrola, recebeu o chumbo do ICNF por causa do impacto que teria na destruição de território de lobo. E situação idêntica sucedeu com o chumbo de um outro parque eólico, desta feita da EDP, que iria arrasar uma área do Parque Nacional da Peneda Gerês, nos arredores de Vieira do Minho, em área de reprodução de alcateias.

Importa estar consciente que esta diminuição do estatuto de proteção do lobo poderá ter duas consequências graves: é um precedente que poderá ser usado para desproteger outras espécies, em particular, outros predadores europeus ameaçados de extinção, como o Urso ou o Lince; e, em Portugal, pode servir de argumento para se rever a legislação nacional de proteção do Lobo, reduzindo a proteção que a lei atual lhe confere.

Dito isto, e para terminar, parece claro que a mensagem desta proposta, aprovada com o voto do governo português, é simples: a Europa entrou em contramão em relação às diretivas de Conservação. A partir de agora, e com a cumplicidade ativa da atual Presidente e da Comissão Europeia, a Natureza e a Biodiversidade são meras peças que podem ser, a qualquer momento, sacrificadas no altar dos interesses económicos e políticos da extrema-direita europeia.


Paulo Caetano é autor e divulgador de Ciência