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Opióides: farmacêuticas acusadas de centenas de milhares de mortes nos EUA

A epidemia de analgésicos opióides aditivos e com consequências letais fez 400 mil mortes nos EUA entre 1999 e 2017. As farmacêuticas que os fabricam começam a ser responsabilizadas. A Johnson & Johnson foi condenada a pagar 572 milhões de dólares no Oklahoma. A Purdue está às portas da falência.
Embalagem de OxyContin, analgésico opióide altamente aditivo.
Embalagem de OxyContin, analgésico opióide altamente aditivo. Foto de GeoTrinity. WikimediaCommons.

A estratégia da Johnson & Johnson foi ir a julgamento. E acabou por ser condenada a pagar 572 milhões dólares ao Oklahoma devido ao seu papel na propagação da adição a opióides com consequências letais. Neste Estado norte-americano, segundo os procuradores, morreram seis mil pessoas devido ao consumo destas substâncias desde 2000. No conjunto dos EUA foram 400 mil desde 1999, número do Centro dos Estados Unidos para o Controlo e Prevenção das Doenças.

A decisão tomada na segunda-feira pelo juiz Thad Balkam correu mundo. Mas parecia à partida pesar mais simbolicamente do que financeiramente à empresa. Isto porque o Ministério Público do Oklahoma pedia o pagamento de 17 mil milhões, baseando as suas contas nas necessidades de financiamento de programas de tratamento e prevenção da adição por dezenas de anos. A sentença ficou significativamente aquém porque o juiz considerou que o Estado não demonstrou os custos para além do prazo de um ano.

Este valor relativamente baixo da indemnização fez as ações da empresa subirem até 5,4% em bolsa. E arrastaram outras empresas do setor também acusadas como a Teva e a Endo International. Ainda assim a empresa anunciou querer recorrer, fazendo o processo arrastar-se, pelo menos, até 2021. Mas isto não quer dizer que estas farmacêuticas tenham motivos para festejar. Ao todo enfrentam cerca de 2500 processos de Estados e autarquias.

Outras empresas têm seguido uma estratégia diferente preferindo acordos extra-judiciais a enfrentar os julgamentos. No mesmo Estado em que a Johnson & Johnson foi condenada, a Purdue chegou a um acordo de 270 milhões de dólares e a Teva a um acordo de 85 milhões para evitar esse mesmo julgamento.

Em outubro deverá sair outro veredicto decisivo, desta vez em Cleveland, Ohio. Isto porque é um julgamento a nível federal e porque cerca de 2000 destes processos encontram-se ligados a este. Também aqui houve empresas que escaparam ao veredicto através de acordos: a Endo International e a Allergan Plc concordaram pagar 15 milhões para não irem a julgamento.

Seja qual for a estratégia, dificilmente as farmacêuticas que promoveram agressivamente a venda destas substâncias vão conseguir escapar incólumes desta crise pelas suas dimensões e pela mediatização a que estão sujeitas.

Esta quarta-feira parece ter sido a data em que a primeira delas parece disposta a deitar a toalha ao chão. Segundo várias agências de notícias, a Purdue quer agora resolver o pacote inteiro de queixas que lhe foram movidas, oferecendo 12 mil milhões de dólares numa reunião com procuradores públicos e advogados de queixosos. Do acordo global fará ainda parte a sua declaração de falência e a sua transformação num fundo público em benefício dos queixosos. Com isto, a família Sacklers, dona da empresa, esperará escapar a acusações em nome individual. Já em 2007 esta empresa tinha escapado pago uma multa de 634 milhões de dólares e declarou-se culpada por ter conhecimento do risco de adição à droga dos seus analgésicos.

Do controlo da dor crónica à epidemia da adição

Os analgésicos opióides são aditivos e têm-se revelado letais. A nova vaga destes medicamentos foi lançada em 1996 pela empresa Purdue. O OxyContin, feito com oxicodona, um opióide criado em laboratório, era mais potente do qualquer outro dos analgésicos à venda. Depois veio o fentanil, ainda mais potente. Eram medicamentos para a dor crónica, receitados particularmente para doenças como o cancro. O sucesso foi garantido e ultrapassou este universo com os representantes das empresas farmacêuticas a pressionar os médicos para prescreverem mais e com a empresa a exagerar os benefícios dos seus analgésicos e a esconder os efeitos negativos.

O resultado está à vista: uma epidemia sem precedentes de consumo de opióides legais que levou, na ausência destes medicamentos, muitos pacientes tornaram-se viciados em heroína. Outros passaram a consumir doses exageradas destes medicamentos, pelo que vários distribuidores como a AmerisourceBergen Corp, o McKesson Corp e a Cardinal Health Inc, estão também a ser visados em processos judiciais acusados de distribuírem os medicamentos sem verificação. E as mortes por overdose de opióides aumentaram tanto que são a principal causa de morte acidental nos Estados Unidos, tendo suplantado os acidentes rodoviários.

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