No ano passado, Portugal enfrentou seis ondas de calor. Duas ocorreram em maio e junho, três entre julho e agosto e uma em outubro. E o Departamento de Epidemiologia do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) aponta as três ondas de calor do verão como responsáveis pela morte de 2.401 pessoas. “Este número de óbitos corresponde a 25% de excesso em relação ao esperado e coincidem temporalmente com períodos de calor extremo”, afirmou fonte oficial do INSA ao Expresso.
Segundo o semanário, este número mais do que duplica o valor estimado pelo último relatório da Agência Europeia do Ambiente, que apontava 1.063 mortes, pelos dados recolhidos até 18 de julho. Os especialistas dizem que “por cada acréscimo de 1°C na temperatura média em Portugal (comparada com a registada na época pré-industrial) é estimado um aumento de 2,17% no excesso de mortalidade” no final do século, caso não sejam aplicadas medidas de adaptação e mitigação das alterações climáticas.
Mas ao aumento da temperatura, no caso português, junta-se outro fator decisivo para o agravamento da mortalidade: a pobreza energética. João Vasconcelos, investigador do Centro de Estudos Geográficos do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT) da Universidade de Lisboa, diz ao Expresso que “Portugal é o segundo pior país da União Europeia em termos de capacidade de as pessoas arrefecerem as suas casas”. O seu estudo monitorizou casas de idosos em Lisboa e concluiu que “nos períodos de maior intensidade de calor as temperaturas noturnas ficam cerca de 8°C mais elevadas no interior das casas do que no exterior, o que poderá, eventualmente, colocar em causa o período de repouso necessário para a recuperação da sobrecarga térmica diurna”. E “chegam a mais 14°C em alguns picos de calor”.
Prevê-se que em 2050 Portugal seja o país mais envelhecido da Europa e hoje em dia os idosos que vivem sós representam 12,4% dos agregados portugueses. Quase 700 mil pessoas encontram-se em situação de pobreza energética severa, ou seja, além de pertencerem a agregados familiares que gastam mais de 10% dos seus rendimentos em energia, também se encontram em situação de pobreza monetária ou económica e sofrem a impossibilidade de manterem as suas casas em condições de conforto térmico.
A percentagem de pessoas que não tem condições para aquecer ou arrefecer a casa ao longo do ano era em 2020, segundo o Eurostat, de 17,5%, mais do dobro da média europeia, colocando Portugal na quarta posição entre os países europeus onde mais pessoas não conseguem pagar aquecimento adequado no inverno. A fraca eficiência energética da maioria das habitações em Portugal inverte o problema no verão, com a dificuldade em arrefecer a temperatura no interior das casas.
Para garantir o conforto térmico, a associação Zero tem reclamado “formatos mais inovadores” e mais apoio técnico para a promoção da eficiência energética dos edifícios, tendo em conta que estes são responsáveis por 40% do consumo de energia na Europa. Na discussão pública da Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2022-2050, a associação ambientalista criticou algumas “fragilidades” nos processos dos apoios do Fundo Ambiental para o investimento das famílias em janelas eficientes, painéis solares, isolamento térmico, bombas de calor e outros equipamentos. Fragilidades quanto à comunicação, mas também no processo de candidatura, ligação ao mercado ou formação dos profissionais no terreno. E denuncia que "os apoios disponíveis não chegam à população mais vulnerável”.