O Bloco de Esquerda apresentou esta sexta-feira o seu manifesto eleitoral intitulado “Mudar de Vida”. À margem da apresentação, Mariana Mortágua declarou que “o PSD está de cabeça perdida”.
A coordenadora do Bloco referia-se à polémica que envolve a tardia divulgação da lista de clientes da Spinumviva, a empresa criada pelo primeiro-ministro. E disse que “Luís Montenegro escondeu do país, em violação das suas obrigações legais e formais, a lista de clientes da sua empresa, da qual recebeu avenças enquanto era primeiro-ministro”.
O comentário surge depois de ter sido noticiado, pouco antes do debate televisivo entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, que o primeiro-ministro tinha entregue uma nova declaração à Entidade para a Transparência que acrescentava a informação sobre mais clientes da Spinumviva.
O PSD reagiu à notícia “com instruções para a Polícia Judiciária vigiar telefones de deputados, de jornalistas”, recordou Mariana, questionando se o primeiro-ministro esperava que “passassem as eleições para que o país ficasse a conhecer a sua lista de clientes”.
O Bloco pensa que Luís Montenegro “vai conseguir que fiquemos uma campanha inteira entretidos a discutir o 'diz que disse' do deputado, enquanto ninguém está a falar sobre as rendas que não se conseguem pagar, sobre o SNS que continua a ter maternidades e urgências fechadas, sobre o que se está a passar na Palestina, sobre os salários que não conseguem chegar ao fim do mês. E aqui estamos nós, numa campanha eleitoral, arrastados para o fundo pela empresa pessoal de Luís Montenegro e pelas suas falhas de transparência”.
Um manifesto para mudar de vida
Antes destas declarações, Mariana Mortágua, Paula Cosme Pinto e Shahd Wadi tinham apresentado o manifesto eleitoral do Bloco, intitulado Mudar de Vida. A coordenadora bloquista quis começar por destacar a presença das suas duas colegas de sessão que simbolizam dois temas “importantes e transversais” na presença política do Bloco, o feminismo e a causa palestiniana.
A dirigente do Bloco esclareceu que o Bloco tem o programa das últimas eleições “que é muito completo”, com “um conjunto de quantificações de propostas por diferentes áreas que cobre todas as áreas de trabalho do Bloco e também o conhecimento acumulado ao longo dos anos” e que este manifesto foi elaborado “porque achámos que não se justificava fazer um novo programa quando tínhamos um que estava atualizado e que era tão completo mas queríamos destacar alguns temas que pudessem ter um lugar especial nesta campanha”.
O primeiro é a habitação. Com os preços das casas a serem “um fator de empobrecimento de quem trabalha” e “uma condenação sobre as gerações mais jovens que não conseguem ter acesso à habitação e acabam muitas vezes por sair do país por causa disso”, o Bloco aponta como causas do problema a “turistificação excessiva nos centros das cidades”, defendendo a paragem de construção de novos hotéis e o limitar do alojamento local. Para resolver os problemas será ainda necessária construção e reabilitação de edifícios públicos. Isto já para não falar da medida que se pretende destacar: os tetos às rendas. Sem eles adia-se a resposta e, afirma, “até agora não houve um argumento que conseguisse destruir ou sequer beliscar esta ideia” que está em vigor em vários países da Europa, exemplificando-se com a Alemanha e Holanda.
O segundo tema é “taxar os ricos”, o que quer dizer “combater as desigualdades num país muito desigual” e “quer dizer serviços públicos” porque é fazendo-se que se vão ter recursos para os financiar.
Mariana Mortágua sublinha a “enorme desigualdade de rendimentos” no país mas sobretudo a concentração de riqueza que existe por causa de “um modelo económico baseado no preço dos imóveis” que enriquece quem vive da especulação imobiliária e nos “salários de miséria”.
Esta desigualdade é agravada por um sistema fiscal que taxa a riqueza “de forma desigual” com os trabalhadores e o consumo de bens essenciais a fazerem “a receita fiscal todos os dias” e com as “poucas empresas que dominam o mercado da energia, da banca, dos seguros, do retalho, que ganham milhares de milhões de euros de lucros” a não serem taxadas “em proporção daquilo que ganham”. O partido acreditando portanto que taxar as grandes fortunas é “uma forma de combater as desigualdades e é uma forma de termos recursos para investir na escola, nas infraestruturas, na saúde”. Isto concretiza-se através de “uma pequena taxa de 1,7% a começar nas fortunas de 3 milhões de euros”. No mesmo sentido, pretende-se a taxar os “grandes oligarcas donos das gigantes da comunicação e das redes sociais”. Esta é a chamada “taxa Musk” que pretende taxar quem se aproveita dos dados dos utilizadores sem lhes pagar e sem pagar “um cêntimo de imposto em Portugal”.
Um terceiro tema é o trabalho por turnos ao qual estão sujeitos um milhão de trabalhadores no país e que é “um trabalho pesado, que implica grandes dificuldades de conciliação da vida profissional com a vida pessoal” e que “desgasta muito”. Sobre isto o Bloco lançou uma petição “que envolveu milhares de pessoas” para mudar a lei através do subsídio por turno, da reforma antecipada para quem trabalha por turnos e do descanso obrigatório.
No campo do trabalho, defende-se ainda a valorização dos salário, mais contratação coletiva e menos tempo de trabalho.
O Bloco não esquece ainda outros temas “transversais”. A saúde, apostando na fixação de profissionais, na autonomia aos hospitais e às unidades de saúde “para poderem internalizar serviços que neste momento estão a ser externalizados com enorme custo financeiro e de organização do SNS”, na ampliação as valências do SNS no domínio da saúde mental e da saúde oral. A educação, salientando ter sido conseguido o alargamento do apoio a professores deslocados; a criação de um Serviço Nacional de Cuidados, porque “o cuidado que hoje está entregue às mulheres de forma muito informal, sem salário, sem reconhecimento, tem que ser partilhado pela sociedade e o Estado tem que ter uma responsabilidade nisso”; as alterações climáticas que “são a maior ameaça à nossa segurança interna”, sendo necessário “preparar o nosso modelo económico para se adaptar” às suas exigências, descarbonizar a indústria, descentralizar e tornar mais segura a produção elétrica; a agricultura na qual é necessário “modelos mais sustentáveis” que “não passam pela agricultura intensiva e pelo regadio, que é contrário às nossas disponibilidades de água”.
Um último tema foi sublinhado por Mariana Mortágua, a soberania digital. Considera-se necessário garantir a segurança dos dados, dos servidores e “capacidade autónoma para conseguir partilhar informação, guardar informação”. Para ela, “um país que não é capaz de fazer isto não tem a sua soberania assegurada”. Há, assim, um investimento necessário a fazer neste campo.
Todos justos, os temas constituem um roteiro para “mudar de vida”, sendo “uma proposta alternativa para o país”.