Mais uma vez, dois altos representantes do governo da Nicarágua opuseram-se publicamente ao Presidente Ortega. A 2 de março de 2022, o proeminente advogado norte-americano Paul Reichler, que tinha representado o governo nicaraguense em litígios internacionais desde 1984, declarou que estava a terminar a sua cooperação com Ortega porque se tinha estabelecido uma nova ditadura na Nicarágua. A 23 de março, o Embaixador da Nicarágua junto da Organização dos Estados Americanos (OEA) Arturo McFields, denunciou energicamente a repressão do regime de Ortega contra o povo nicaraguense. Foi imediatamente demitido do seu posto em consequência disso e enfrenta agora um futuro incerto.
Paul Reichler é mais conhecido por ter representado a Nicarágua de 1984 a 1986 como advogado contra os EUA no Tribunal Internacional de Justiça em Haia (TIJ). Num processo que fez história jurídica internacional, a Nicarágua denunciou as atividades militares e paramilitares dos EUA, que lutavam, através dos Contra, financiadas e organizadas por eles, contra o governo sandinista no poder naquela altura. O TIJ julgou a favor da Nicarágua em todos os pontos essenciais e condenou os EUA a que cessassem imediatamente a intervenção militar e pagassem mais de mil milhões de dólares em reparações à Nicarágua. Este sucesso no julgamento deve-se decisivamente ao empenho de Paul Reichler e à sua extraordinária competência jurídica. Mas quando se tornou claro que o Tribunal decidiria contra os EUA, eles já tinham negado a competência da jurisdição do TIJ e retiraram-se do mesmo. Contudo, isso não alterou a posição do TIJ de considerar-se como órgão competente para este caso e poder continuar este processo até ao fim e finalmente emitir o seu julgamento. Mesmo assim, os EUA nunca pagaram um único dólar em reparações à Nicarágua pela destruição que tinham causado.
Na sua nota de despedida, escreve Reichler, “é inconcebível para mim que Daniel Ortega tenha reprimido tão impiedosamente as manifestações pacíficas de abril de 2018, resultando em centenas de mortes [...] e que tenha encarcerado mais de 50 figuras da política, dos meios de comunicação, das universidades e empresariais sob falsas acusações que nada mais são do que um pretexto para eliminar a oposição”. Continua a dizer que a sua consciência moral exige que se separe de Ortega e do seu governo porque ele estabeleceu uma nova ditadura na Nicarágua. Esta ditadura, com as suas “eleições manipuladas, um parlamento submisso, um sistema judicial corrupto e a supressão da liberdade de expressão e duma imprensa independente, assemelha-se em muitos aspetos à ditadura de Somoza, que o próprio Ortega em tempos ajudou a derrubar.”
Na sua declaração à Comissão Permanente da OEA, o Embaixador da Nicarágua Arturo McFields afirmou: “Hoje tomo a palavra em nome dos mais de 177 presos políticos e das mais de 350 pessoas que perderam a vida desde 2018, em nome dos milhares de funcionários públicos a todos os níveis que hoje são obrigados pelo regime a preencher as praças e a cantar slogans porque perderão os seus empregos se se recusarem a fazê-lo. Não é fácil denunciar a ditadura no meu país, mas é-me impossível continuar em silêncio e defender o que não pode ser justificado. Tenho de falar apesar de sentir medo e apesar de a minha família e eu enfrentarmos um futuro incerto.” Porque “a Nicarágua tornou-se o único país da América Central onde não existe um único jornal diário impresso. Não há liberdade para os meios de comunicação social, não há organismos de direitos humanos, nem partidos políticos independentes nem eleições livres. [...] Mas quero deixar uma coisa bem clara: embora possa não parecer, ainda há esperança! As pessoas já não querem esta ditadura, e a cada dia que passa há cada vez mais quem diga: Parem com isso!”