Morreu a poetisa Adília Lopes

31 de dezembro 2024 - 12:10

O seu estilo singular, repleto de auto-ironia e jogos de palavras, fez chegar a sua obra a novos públicos e é hoje objeto de estudos académicos.

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Adília Lopes
Adília Lopes numa leitura de poemas em 2009 em Lisboa. Imagem do vídeo de António Castanheira/Youtube

Adília Lopes, o pseudónimo literário de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, morreu esta segunda-feira aos 64 anos no hospital de São José, onde estava internada. Autora de uma obra recentemente reunida em nova edição pela Assírio e Alvim no livro “Dobra”, incluindo os livros publicados até maio de 2023, Adília Lopes publicou o seu primeiro livro, “Um jogo bastante perigoso”, em 1985 como edição de autor, mas já no ano anterior vira dois poemas selecionados para o primeiro Anuário de Poesia da Assírio & Alvim, com poemas de autores não publicados.

Foi estudante de Física na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, abandonando-o quase no fim após ter sido diagnosticada com uma psicose esquizo-afetiva, “doença da qual sempre falou abertamente, fosse na sua poesia, em crónicas, conferências ou entrevistas", lê-se na biografia do Centro de Documentação de Autores Portugueses (CDAP). Trocou a Física pela Literatura e Linguística Portuguesa no início dos anos 1980, na Faculdade de Letras da mesma universidade, foi bolseira do Instituto Nacional de Investigação Científica e trabalhou no Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. Especializou-se em ciências Documentais, trabalhando nos espólios de Fernando Pessoa, Vitorino Nemésio e José Blanc de Portugal depositados na Biblioteca Nacional.

É na década de 1990 que os seus livros, editados pela &etc e Black Sun, chegam a novos públicos e despertam a atenção da crítica, com "Maria Cristina Martins" (1992), "Peixe na água" (com desenho de Sofia Areal, 1994), "A continuação do fim do mundo" (1995), "A bela acordada" (1997) e "Clube da poetisa morta" (1997). A razão desta popularidade pode resumir-se na crítica de José Cabrita Saraiva à obra reunida, quando diz que “ninguém como Adília Lopes sabe casar o vernáculo com o erudito, o infantil com o sapiencial, o doméstico com o metafísico”.  No obituário publicado no Público, Luís Miguel Queirós destaca “a singular natureza do projecto autobiográfico (e provavelmente terapêutico) que a poesia de Adília sempre foi”.

"O estilo de Adília Lopes, aparentemente coloquial e 'naïf', está repleto de jogos fonéticos, associações livres, rimas infantis e idiomas estrangeiros", lê-se na biografia do CDAP citada pela agência Lusa, acrescentando que “os temas do quotidiano, principalmente femininos e domésticos, são tratados com humor e auto-ironia, candura e crueza, inteligência e intencionalidade". Nos seus poemas encontramos também a forte aversão pelas injustiças sociais e pela opressão de género.

No final da década de 1990, textos de Adília Lopes foram levados a cena pela encenadora Lúcia Sigalho e no ano 2000, quando reuniu pela primeira vez a obra publicada em “Obra”, o livro contou com ilustrações de Paula Rego, que via nos poemas de Adílio Lopes um "impressionante paralelo" com o seu próprio imaginário. “Adília Lopes é de um grande romantismo e ao mesmo tempo de um grotesco e de um cómico transbordante”, afirmou a pintora falecida em 2022, citada na biografia do CDAP.

Os poemas de Adília Lopes foram traduzidos para várias línguas e têm sido alvo de estudo por vários académicos em Portugal, no Brasil e na Galiza. Em 2021 a Universidade de Vigo um colóquio internacional dedicado à sua obra. Na sessão realizada na Cinemateca de Lisboa e aqui disponível em vídeo, a autora recordou a sua paixão pelo cinema desde a adolescência e como o cineasta alemão Jean-Marie Straub contribuiu involuntariamente para ter escolhido Matemática e Físico-Química no 10º ano. Conta a história do filme que fez aos 14 anos e do arrependimento de o ter deitado para o lixo. No entanto, garantiu que “não lamento não ter sido realizadora. Gosto de ver filmes na mesma”.