Logo a seguir ao 25 de Abril, a destruição dos arquivos da PIDE/DGS nas colónias dificultou em muito o conhecimento detalhado da ação da polícia política em África. Recentemente, o arquivista Paulo Tremoceiro descobriu, nos Arquivos da PIDE/DGS, na Torre do Tombo, uma caixa numerada com documentos de uma comissão militar de inquérito, que funcionou entre maio e setembro de 1974, destinada a averiguar as “responsabilidades criminais do pessoal da ex-DGS” em Moçambique.
Foi a ponta do icebergue: em conjunto com a jornalista e historiadora Maria José Oliveira, descobriram depois mais 11 caixas do mesmo fundo, perfazendo milhares de páginas. Essa é a base de uma investigação que Maria José Oliveira está agora a lançar no jornal Público, numa série de sete artigos. O primeiro deles, publicado este domingo, analisa os percursos atribulados de detenção de mais de 500 pides em Moçambique e de como as Forças Armadas portuguesas desencadearam no território um processo de recolha de testemunhos junto de torturados e familiares de pessoas desaparecidas ou mortas.
Maria José Oliveira revela como, a partir de maio de 1974, dezenas de militares começaram a trabalhar, em diferentes regiões de Moçambique, nessa comissão de apuramento das atrocidades cometidas pela polícia política. Conta ainda como na ex-colónia vários pides foram detidos, alguns incorporados em organismos militares e outros ainda – antes de capturados ou depois de um período de prisão – fugido para a África do Sul e para a Rodésia ou vindo para Portugal.
Os papéis agora descobertos permitem também perceber os contornos do desaparecimento de boa parte dos arquivos. Nos dias a seguir ao 25 de Abril, nas subdelegações da Beira e de Inhambane, responsáveis da polícia política comandaram operações de queima dos documentos. Em setembro seria já o exército que, num telegrama “muito secreto” enviado a partir de Moçambique, notava que estava em curso a destruição do acervo da PIDE/DGS uma vez que era impossível a sua “triagem forma garantir não ficarem assuntos inconvenientes mesmo respeitantes Forças Armadas política internacional” (sic). O certo é que, nesse momento, uma parte dessa documentação tinha já sido recolhida instrutores da comissão.
Por outro lado, a investigação dá-nos a conhecer a existência, nunca antes revelada, desta comissão e a natureza do trabalho efetuado. Com efeito, os militares receberam denúncias, conduziram audições e solicitaram documentação oriunda dos arquivos da PIDE, buscando com isso fundamentar eventuais acusações. É esse material que agora é desocultado.
Não obstante a investigação já existente sobre a PIDE/DGS em Portugal (patente, entre outras, nas obras de Irene Pimentel) ou sobre as relações entre o Exército e a polícia política na guerra colonial (como estudado por Dalila Cabrita Mateus na sua tese de doutoramento), o grau e extensão da violência perpetrada pela PIDE/DGS pode ser melhor conhecida a partir deste trabalho de investigação. Até 3 de agosto teremos um conjunto de artigos documentados e seis episódios de um podcast que nos dará um retrato mais detalhado da brutalidade da PIDE/DGS em Moçambique, nos anos finais do colonialismo.