Mais um mês recorde de aposentações de professores

27 de outubro 2022 - 10:12

Em outubro reformaram-se quase 300 docentes e o aumento de baixas também se reflete na falta de professores. Estes dizem que o próximo Orçamento revela “pouca preocupação com a crescente falta de professores” e “subfinanciamento crónico” e têm já greve marcada.

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Escola. Foto de Paulete Matos.
Escola. Foto de Paulete Matos.

Os dados da lista mensal da Caixa Geral de Aposentações mostram que em setembro se tinham reformado 257 professores e que, em outubro, foram 280. Estes são números elevados comparados com anos anteriores e com os meses precedentes que andavam, em média, pelas 185 aposentações.

Os dados foram recolhidos pelo Diário de Notícias, que destaca que falta acrescentar-lhes ainda o número de reformados pela Segurança Social, uma informação que não é pública.

A vaga de aposentações há muito seria expectável, dada a estrutura da carreira docente e a idade da maior parte dos seus quadros. Mas os professores sublinham para além disso que “milhares de professores abandonam precocemente a profissão” e que a “falta de atratividade” da profissão se agrava “ano após ano” com os mais novos a não quererem ingressar. Para os docentes, a desvalorização da carreira surge como um dos fatores principais da situação. No próximo dia 2 de novembro vão estar em greve e a Fenprof escreveu uma “carta à comunidade e ao país” a explicar as suas razões. A estrutura sindical considera o quadro “muito preocupante” com desvalorização da carreira e dos salários, precariedade que “se arrasta, em média, mais de 15 anos”, falta de prevenção de situações de violência, entre vários outros aspetos.

Criticam ainda o Orçamento do Estado para 2023 que revela “pouca preocupação com a crescente falta de professores” e continua o “subfinanciamento crónico”, o que “impede a melhoria das condições de trabalho nas escolas” e “a melhoria das condições de aprendizagem dos alunos”.

Horários incompletos e falta de professores

O número de aposentações faz-se sentir nas escolas através da falta de professores, apesar do recurso a não profissionalizados. Ainda assim há horários que ficam sem ser preenchidos. Uma das razões é que os horários dos docentes que se vão reformando são reduzidos, uma vez que aqueles que têm mais tempo de serviço vão vendo o seu tempo letivo ser diminuído.

O presidente da Associação Nacional de Diretores de Escolas Públicas, Filinto Lima, explica ao DN que “a grande maioria dos professores que se aposentam têm um horário letivo de 14 horas semanais”. As escolas levam a concurso estes horários incompletos que resultam num salário mais baixo e nem contabiliza os 30 dias de desconto para a Segurança Social necessários para conferir direito ao subsídio de desemprego quando o contrato acabar.

A sangria de professores precários em anos anteriores é outra parte desta equação. Lima explica que “muitos contratados já têm a sua vida organizada e não se vão despedir dos empregos que, entretanto, tiveram de arranjar, para aceitar um horário nestas condições”. Porém, fala numa fase de “estabilização” no que toca à falta de professores: “nesta altura, sente-se mais ainda a falta de professores, mas as necessidades atingiram alguma estabilidade.” A antecipação das contratações de escola e o recurso a horas extraordinárias terão servido como remendo mas a situação estrutural continua por resolver.

Para além disso, o mesmo responsável sublinha que o “cansaço extremo” está a fazer cada vez mais professores recorrer a baixas médicas. Declara que “há mais atestados agora do que nos anos anteriores em virtude do burnout” e que “é muito difícil substituir esses docentes, pois os horários são temporários e, por isso, pouco atrativos para os docentes contratados”.

Dadas as más condições de trabalho, o privado tem dificuldades em contratar

Outro efeito da falta de professores no ensino público são as dificuldades acrescidas de contratação no privado. Há professores com vários anos de serviço do privado que preferem ensinar no público. O DN escreve que “contactou largas dezenas de docentes que saíram do setor privado para o público nos últimos dois anos letivos. No leque de explicações para a mudança encontram-se o trabalho suplementar excessivo, a pressão exercida pelos Encarregados de Educação e direções das escolas, a falta de perspetivas de progressão na carreira e o salário inferior. Os docentes apontam a estabilidade, não tendo de procurar escolas a cada ano, como uma das únicas vantagens atuais do trabalho nas escolas privadas.”

Uma delas, a educadora de infância Helena Santos, que trabalhou 16 anos no ensino privado, justifica a mudança para a escola público com questões como a progressão na carreira, “o abuso nas questões salariais e no trabalho excessivo das escolas privadas” e a pressão dos pais “que os privados nos colocam em cima”. “No privado, trabalhamos para um cliente e no público para as crianças”, explica.