Há quinhentos anos, um dos maiores movimentos sociais da história europeia varreu o Sacro Império Romano-Germânico, naquilo que é agora a Alemanha. Em milhares de aldeias, os murmúrios privados das pessoas sobre os pesados impostos, a pobreza e o trabalho oneroso que lhes era imposto pelos seus senhores feudais transformaram-se em reuniões de protesto. Grupos de camponeses andavam de aldeia em aldeia, aproveitando as oportunidades oferecidas pelas feiras e mercados para espalhar a sua raiva e a sua organização. Em fevereiro de 1525, na Alta Suábia, se alguém da autoridade lhes perguntasse o que estavam a fazer, os camponeses respondiam que estavam a “ir buscar bolos de entrudo uns aos outros”.
Debaixo do nariz dos seus senhores e mestres, os camponeses construíram um movimento de massas. As reuniões transformaram-se em “bandos” de rebeldes armados que elegeram líderes e marcharam pelo campo, reunindo grandes exércitos com dezenas de milhares de homens. Estes invadiram casas senhoriais, castelos, aldeias e cidades. Esta revolta, a maior em solo europeu até à Revolução Francesa, é conhecida como a Guerra dos Camponeses Alemães.
Um mundo virado do avesso
Tratava-se de um movimento radical de massas vindo de baixo. Nele se encontravam visões revolucionárias de um mundo novo sem opressão e exploração. Antes de mais, a revolta foi uma expressão do descontentamento das massas face à pobreza, à fome e às privações regulares da guerra. Mas também refletia as crescentes contradições da sociedade feudal – a emergência dos primeiros sinais da economia capitalista e a sua expressão no fermento religioso da Reforma alemã. Estas tensões levaram à rebelião a partir de baixo.
Em 1525, os senhores, cujo domínio brutal e explorador tinha mantido o campesinato subjugado durante centenas de anos, ficaram aterrorizados. Da parte dos rebeldes, no entanto, houve surpreendentemente pouca violência. Mas uma série de assassínios, em Weinsberg, na primavera de 1525, encheu os senhores de pavor, mas não apenas por causa da sua própria saúde. A nobreza também estava aterrorizada com um “mundo virado do avesso”. Em maio, um escrivão local escreveu com urgência ao seu senhor, do centro da revolta na Alta Suábia:
“No terra de Württemberg, os camponeses estão fortemente unidos e tomaram primeiro Weinsberg, onde havia muitos nobres... Há rumores de que vão marchar para Balingen. O Senhor Georg Truchsess encontrar-se-á com eles lá; Deus lhe dê boa fortuna para que tudo corra bem, pois se o exército da Liga for derrotado uma vez, toda a terra cairá e os camponeses serão os senhores. Que Deus o impeça!”
A revolução tinha de ser travada e isso significava afogá-la em sangue. Exércitos liderados por figuras como Georg Truchsess percorreram o sul da Alemanha, esmagando exércitos de camponeses e libertando vilas e cidades rebeldes. Os rebeldes, ou até qualquer pessoa ou coisa associada a eles, eram destruídos. Na “batalha” de Frankenhausen, em maio de 1525, milhares de rebeldes foram massacrados, perseguidos pelas ruas e assassinados a sangue frio. A “guerra” transformou-se num assassinato em massa, com os camponeses a serem abatidos e os líderes executados. A matança foi tão grande que um nobre escreveu ao seu irmão alertando-o para os excessos: “se todos os camponeses forem mortos, onde é que vamos arranjar outros camponeses para nos sustentarem?”
As exigências dos camponeses
Segundo Friedrich Engels, a revolta foi muito mais do que uma rebelião camponesa local, e não por causa da sua escala. Engels viu-a como a primeira tentativa de revolução burguesa na Alemanha. O seu fracasso, segundo ele, atrasou o desenvolvimento da sociedade alemã durante séculos, reforçou o domínio dos príncipes feudais e forçou os camponeses a uma nova servidão e opressão.
Mas Engels também viu na Guerra uma expressão de democracia radical, um anseio por uma sociedade mais equitativa e justa e uma esperança num mundo melhor. Cada um dos grupos rebeldes produziu artigos – listas de exigências de mudança – que apresentaram às autoridades. A mais famosa reunião de delegados rebeldes em Memmingen, na Baviera, produziu Doze Artigos, que foram adotados e expandidos noutros locais. Os Doze Artigos são uma poderosa expressão das aspirações radicais dos camponeses. Desde a proteção das terras comuns, passando pela salvaguarda dos direitos de caça e pesca, até ao fim da servidão, os Artigos articulavam uma visão de um mundo que enfraquecia o poder dos senhores e introduzia novos direitos democráticos na comunidade das aldeias.

Os camponeses enquadraram as suas exigências em termos da “Lei Divina”. A Bíblia devia ser a base das leis da sociedade e, por isso, diziam eles, devia ser acessível a todos e não mediada pela nobreza. Os sacerdotes locais deviam ser eleitos para servir a comunidade e não o sistema.
Reforma e revolução
Desde 1517, quando Martinho Lutero deu início à Reforma, a sociedade alemã tem estado em alvoroço, com as pessoas a lutar para interpretar e revalorizar a sua religião contra uma Igreja corrupta e gananciosa. A Reforma forneceu um quadro ideológico que lubrificou a rebelião – justificando a revolta e inspirando esperança. Lutero ficou tão chocado com a revolta e com a identificação desta com as suas reformas que apelou à nobreza para que “apunhalasse, ferisse e matasse” os camponeses rebeldes. Os lordes não precisavam de ser incitados, mas Lutero deixou claro de que lado estava.
Apesar das aspirações democráticas radicais dos rebeldes e dos sonhos revolucionários de líderes como Thomas Müntzer, na Turíngia, e Michael Gaismair, no Tirol, o movimento revolucionário não conseguiu romper e derrotar o feudalismo. O século seguinte assistiria ao desenvolvimento gradual de novas formas económicas – uma economia capitalista emergente e o desenvolvimento da classe operária. Estas forças acabariam por ver o feudalismo alemão derrotado.
Atualmente, pode parecer que as lutas dos camponeses são distantes e irrelevantes. Mas na sua luta contra o domínio opressivo e a exploração do trabalho, podemos ver os ecos das esperanças e dos sonhos da nossa própria geração. As palavras de Thomas Müntzer podem interpelar-nos, tal como interpelaram os camponeses do século XVI:
“São os próprios senhores que fazem do pobre o seu inimigo. Se eles se recusam a eliminar as causas da insurreição, como é que se podem evitar problemas a longo prazo? Se dizer isto faz de mim um incitador de insurreição, que seja!”
Martin Empson é autor “Kill all the Gentlemen”: Class struggle and change in the English Countryside e de “The Time of the Harvest has Come!”: Revolution, Reformation and the German Peasants’ War. Texto originalmente publicado no Red Pepper.