Falácia nº 1 – O Estado português gasta demasiado dinheiro com salários na Função Pública e prestações sociais
O Observatório sobre Crises e Alternativas do CES desmonta falsidades do relatório do FMI. Contrariamente ao que é referido no documento, o Estado português gasta menos em despesas sociais e salários do que a média dos países da União Europeia. As prestações sociais representaram em Portugal 29,1% do PIB em 2010, 28,4% em 2011 e 27,6% em 2012. A média europeia foi de cerca de 30,4%.
Em relação à despesa do Estado com salários, Portugal terá gasto em 2012 cerca de 9,8% do PIB e 21% da despesa pública total, enquanto a média da UE será de 10,7% do PIB e 21,9% da despesa pública total.
O economista Eugénio Rosa também contesta a premissa de que Portugal é ainda um país com uma despesa média excessiva [em salários da Função Pública] se se comparar com o PIB per capita. Segundo este economista, os valores apresentados pelo FMI são falsos. Tendo em conta o PIB “per capita” de 2011 (16.194 €) e o ganho médio dos trabalhadores da Função Pública nesse mesmo ano, que foi de 1.590 € por mês, segundo a Direção Geral da Administração e Emprego Público (DGAEP) do Ministério das Finanças, obtém-se um rácio de 1,37 que é inferior em 39% ao rácio utilizado pelo FMI – 2,25 – “o que coloca Portugal no grupo de países com o rácio mais baixo”.
Falácia nº 2 - “No geral, os gastos com prestações sociais (incluindo pensões) são desproporcionalmente dirigidos a pessoas com mais rendimentos e aos mais idosos”
Logo à partida, o FMI, referindo-se, ao longo do seu relatório, às pensões como prestações sociais e despesa pública, parece ignorar que as pensões são o resultado dos descontos que os trabalhadores fizeram ao longo das suas vidas.
No que respeita às transferências sociais, e segundo os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística, referentes a 2010, considerando apenas os rendimentos do trabalho, de capital e transferências privadas, 42,5% da população residente em Portugal estaria em risco de pobreza. Após as transferências relativas a pensões essa percentagem reduz-se para 25,4% e para 18% após as transferências sociais.
Num artigo publicado no Boletim Económico de Inverno, o Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal adianta que as prestações sociais em Portugal não só estão dirigidas para os cidadãos mais pobres como, atendendo ao dinheiro que lhes é reservado, apresentam elevados níveis de eficiência.
"Em contraste, em termos de eficiência, Portugal destaca-se como um dos países em que as prestações sociais em dinheiro são mais progressivas", afirma o Banco de Portugal, desmontando a linha de argumentação do Governo para a "refundação do Estado" (ler artigo Prestações sociais: Banco de Portugal desmente Governo e FMI).
No que respeita ao regime de pensões, e conforme apontam os dados divulgados na Conta da Segurança Social de 2011, 57,1% da despesa é afeta às pensões até 419€. Tendo em conta as pensões até 629 € esta percentagem ascende a 94,6%.
Sobre a necessidade de "minimizar os incentivos à inatividade", sublinhada pelo FMI, convém frisar que, segundo um relatório de 2012 da União Europeia (UE), os portugueses estão no topo da escala dos que continuam a trabalhar pós-reforma (21,9% entre os cidadãos com 65 e 69 anos), sendo apenas ultrapassados pelos romenos.
Por outro lado, quando adianta que “a despesa pública com as pensões aumentou rapidamente desde 2000”, o FMI não esclareceu que, apesar do envelhecimento demográfico, a trajetória de crescimento desacelerou desde 2007.
Falácia nº 3 – “Os grandes governos têm estado tradicionalmente ligados a um baixo crescimento”
O FMI cita o trabalho dos economistas suecos Andreas Bergh e Magnus Henrekson, intitulado “Dimensão do governo e crescimento: pesquisa e interpretação da evidência” para defender que “Os grandes governos têm estado tradicionalmente ligados a um baixo crescimento”. Ora os autores desta obra reconhecem que há estudos que “tendem a encontrar uma relação negativa entre a dimensão do governo e o crescimento económico nos países ricos”, mas deixam bem claro que também há outros estudos que concluem justamente o contrário e sublinham que nem toda a despesa pública é má, dando o exemplo do investimento público, sobretudo nas pessoas.
Falácia nº 4 - O ensino público não é "eficiente" e a despesa com Educação é muito elevada
Com os cortes já aplicados no ano passado, a despesa do Estado com Educação fixa-se nos 3,8%, percentagem bastante inferior à média europeia, que é de 5,5%, e muito distante dos 6,2% apontados pelo FMI no relatório.
Ao defender que é “razoável que a educação pública superior contribua para os ajustamentos em curso no sistema de ensino” mediante o aumento das propinas, o FMI esquece-se de referir que os estudantes universitários são dos que mais pagam, na Europa, pelo ensino. Tirar um curso superior custava, em 2011, uma média de 6.624 euros por ano, o que representa um aumento de 8,1 por cento em relação ao ano letivo de 2004/2005. Em 2011, o contributo dos estudantes e das suas famílias foi 60 por cento mais elevado do que o esforço do Estado.
Os indicadores usados pelo FMI no seu relatório para ilustrar que o ensino público não é "eficiente" estão manifestamente desatualizados, já que se baseiam em testes que medem as competências dos jovens de 15 anos em leitura, matemática e ciências de 2000 e 2003 e excluem testes mais recentes que apresentam resultados superiores.
No que respeita ao valor médio do financiamento por aluno nas escolas públicas e nos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo (EEPC) com contrato de associação, o FMI refere que a despesa das escola semiprivada é menor do que a das escolas públicas em 400 euros por aluno. Mais uma vez, esquece-se de referir que as turmas das escolas semiprivadas são constituídas por um maior número de alunos, o que se traduz na redução do valor gasto por aluno.
Falácia nº 5 – Existem professores a mais nas escolas
A imposição da redução do número de professores nas escolas não é reflexo de um excesso de docentes, mas sim resultado da política do Ministério de criar "mega agrupamentos", de aumentar o número de alunos por turma e de promover uma revisão curricular que eliminou disciplinas que continuam a ser necessárias às escolas e aos alunos.
Falácia nº 6 – A despesa com a Saúde Pública em Portugal tem registado um dos maiores aumentos de entre as economias desenvolvidas
O FMI assinala o crescimento da despesa com a Saúde Pública em Portugal entre o ano 2000 e o ano 2010, contudo, nada diz sobre a queda dos gastos do sector público com a Saúde de 7,1% em 2011, a queda mais significativa dos últimos 11 anos. Em 2012, e segundo valores provisórios, a despesa pública em saúde terá atingido os 4,9%, contra os 6,2% registados em 2000.
Conforme adiantou a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) no seu relatório sobre saúde divulgado em julho de 2012, e que se refere a dados de 2010, os portugueses continuam a ser dos que mais pagam diretamente do seu bolso despesas com saúde: 26% face aos 20,1% da média dos 34 países da OCDE. Tendo em conta a despesa do Estado em saúde por cada habitante, a média é bastante inferior à dos países da OCDE: os gastos em saúde per capita são de 2196 euros, enquanto na média dos países chega aos 2631 euros.
Dados incorretos sobre ordenados de professores e médicos
Tal como denuncia o economista Eugénio Rosa, os dados citados pelo FMI quer sobre os salários dos médicos como dos professores em Portugal também carecem de rigor.
Os números da OCDE citados pelo FMI sobre a remuneração dos docentes diferem dos dados divulgados pela DGAEP. Segundo avança o relatório do FMI, um professor no fim da carreira aufere, em média, 40.956€ /ano ilíquidos. Já segundo a DGAEP, o ganho médio ilíquido anual de um professor do ensino básico e secundário foi, em 2012, de 24.365€, ou 28.365 € se considerados 14 meses.
No setor da Saúde, é referido no relatório do FMI, também com com base em dados da OCDE, que os salários dos médicos portugueses são superiores aos dos alemães, italianos e noruegueses e que o trabalho extraordinário representa um terço do salário dos médicos.
Analisando os dados facultados pela DGAEP, as remunerações acessórias dos médicos, que incluem horas extraordinárias, subsidio de refeição, entre outros, representam 22,7% da remuneração base e não os 33% que o FMI atribui apenas a horas extraordinárias.
Os valores referentes ao salário médio dos médicos apresentado pelo FMI também é contraditório com a informação avançada pela DGAEP. No relatório, é atribuído um salário médio ilíquido anual de 90.000 dólares PPP colocando o nosso país entre os países com remunerações mais elevadas, contudo, e segundo os dados da DGAEP, a remuneração anual do médico em Portugal é de 70.406 dólares PPP, o que situa Portugal no último escalão do grupo intermédio.