Espanha: Um grande erro da UGT e das Comisiones Obreras

09 de fevereiro 2011 - 15:40

As Comisiones Obreras e a UGT cometeram, na minha modesta opinião, um grande erro que não só as classes trabalhadoras como os próprios sindicatos vão pagar caro. A meu ver, enganaram-se ao acordar com o governo a reforma das pensões públicas por várias razões.

porJuan Torres López

PARTILHAR
Pacto social assinado a 2 de Fevereiro entre o Governo de Espanha, as confederações sindicais e patronais

Há vários meses que tenho colaborado ombro a ombro com todos os sindicatos do nosso país que me pediram apoio porque creio que sempre, mas muito mais nestes momentos, são uma peça fundamental para defender os direitos das classes trabalhadoras. Qualquer diferença que pudesse ter tido com as suas posições e propostas foi adiada porque estava e estou convencido, como escrevi em vários artigos, que aproveitar a crise para tratar de acabar com eles é uma das estratégias que os grandes poderes financeiros e os políticos que estão ao seu serviço se propuseram levar a cabo. E, sobretudo, apoiei-os porque tive a íntima convicção de que as diferenças entre os que aspiram a conseguir uma sociedade mais justa se devem resolver fraternalmente e não tratando de acabar uns com os outros, como tantas vezes aconteceu no seio das esquerdas.

Agora, contudo, devo manifestar que as Comisiones Obreras e a UGT cometeram, na minha modesta opinião, um grande erro que não só as classes trabalhadoras como os próprios sindicatos vão pagar caro. Embora, ao mesmo tempo, queira também advertir para o gravíssimo perigo de responder ao erro com outro semelhante que a direita e o poder económico procuram desde há muito: demonizá-los e fazer cair sobre eles toda a responsabilidade do que se passou.

Um erro múltiplo

A meu ver, tanto a UGT como as Comisiones Obreras se enganaram ao acordar com o governo a reforma das pensões públicas por várias razões:

Em primeiro lugar, porque esta reforma significa simplesmente um corte nos direitos dos trabalhadores e terá como efeito que, nos próximos anos, muitos milhões deles não possam receber uma pensão pública digna ao reformarem-se, se é que alguma vez chegam a fazê-lo, o que para a imensa maioria significará não poder tê-la porque os seus níveis de rendimento não lhes vão permitir dispor de poupança privada suficiente.

O acordo significa, sem dúvida nenhuma, que a partir de agora o sistema de pensões públicas espanhol será mais injusto (porque faz recair em maior medida a sua maior insuficiência sobre as classes de rendimento mais baixas) e de menor alcance (porque proporcionará menos e mais precárias pensões).

Em segundo lugar, creio que se enganaram também porque entraram no jogo do duplo raciocínio falso que se tem utilizado para justificar o sistema. Um raciocínio, o da sua insustentabilidade a longo prazo, que ninguém pôde demonstrar rigorosamente como temos, os economistas críticos, exposto numa quantidade de ocasiões. E outro, em aceitar que para fazer frente ao desequilíbrio financeiro, que essa pretensa insustentabilidade possa provocar, o que há que fazer é apenas actuar pela via da redução dos gastos, e não aumentando as entradas, quer dizer, melhorando a distribuição do rendimento para que assim haja mais salários e mais descontos, emprego decente, sobretudo feminino, produtividade e, em última instância, entradas através dos Orçamentos Gerais do Estado. Quer dizer, pondo em andamento políticas precisamente contrárias às que se estão a aplicar e que provocaram a crise e depois, como na Irlanda, que se volte a cair nela.

Para defender a sério o sistema público de pensões, a UGT e as Comisiones Obreras deveriam ter cerrado fileiras e ter proposto, em qualquer caso, um pacto social tendo como horizonte outros factores de que também depende o seu equilíbrio financeiro a longo prazo. Ao não o fazer, simplesmente aceitaram que o modelo de distribuição do rendimento continue a ser tão desigual como até agora e que isso impeça de financiar melhor o sistema.

Em terceiro lugar, parece-me que se estão a enganar igualmente ao explicar o pacto dizendo que se trata de uma solução positiva para a crise das pensões e inclusivamente para a situação económica geral. Acontecer-lhes-á o mesmo que acontece ao governo: ninguém vai acreditar neles porque aceitaram o contrário do que diziam e simplesmente pensar-se-á que são um instrumento inútil para conseguir o que dizem que querem alcançar.

Poder-se-ia aceitar que argumentassem que não tiveram outra opção, que não se dispôs de mais força para vergar a imposição dum governo escravo dos poderes financeiros, que se conseguiu o mais que se pôde conseguir… mas empenhar-se em apresentar este pacto como positivo é algo que os trabalhadores que estejam minimamente conscientes de que com ele, como é evidente, vão ter menos pensões e mais baixas, nunca vão entender.

Em quarto lugar, creio que se enganaram ao aceitar esta reforma, que contradiz o que têm vindo a dizer nos últimos meses, porque ao fazê-lo mostram que é possível extorqui-los e toda a gente sabe que quem aceita uma chantagem acaba por aceitar, como acontece com o governo, que todas as que vierem a seguir, longe de os fortalecer, os vão debilitar ainda mais. Dentro de umas semanas, quando de novo se ameaçar com a intervenção iminente da economia se não se assinar, como o governo esteve a fazer durante toda a negociação, pôr-se-á em cima da mesa a reforma da negociação colectiva, depois a dos serviços públicos e por aí fora até que se acabe por tirar do meio os próprios sindicatos que agora se mostraram submissos.

Em quinto lugar, também creio que foi um erro ceder ao governo sem ter tentado sequer fazer-lhe frente, tal como se tinha anunciado, com novas mobilizações porque isso frustrou as suas próprias bases e os trabalhadores que confiavam neles para não perder mais direitos.

Mas é um erro que não é culpa apenas dos sindicatos.

Dito tudo isto, que me parece ser grave e que vai trazer consequências bastante negativas para todos, creio que ao mesmo tempo há que pôr outras questões em cima da mesa que me parecem possivelmente tão relevantes e decisivas como o próprio grande erro dos sindicatos.

Em primeiro lugar, que o principal responsável do que está a acontecer é o partido socialista e os seus militantes que não travam a deriva neoliberal do governo nem o seu discurso falso que apresenta as medidas a que estão a submeter a banca e as grandes empresas como se na realidade beneficiassem o conjunto dos cidadãos.

Em segundo lugar, que é certo que se não se tivesse feito esse acordo o governo teria tomado uma medida ainda mais danosa para o sistema de pensões e para o conjunto dos trabalhadores. O que significa que os sindicatos cumpriram em certa medida a sua função que é defender os trabalhadores até onde efectivamente poderem fazê-lo.

Em terceiro lugar, que se se chegou a esta situação em que o governo pôde fazer ceder os sindicatos foi porque a cidadania não foi capaz ou não esteve disposta a dar aos sindicatos a força necessária para que estes tivessem podido fazer frente com mais decisão ao governo. Se os sindicatos chamam às mobilizações e estas são insuficientes, minoritárias ou por vezes mesmo simplesmente anedóticas, não podemos fazer recair logo unicamente nos sindicatos a responsabilidade dos fracassos.

Isto tem a ver, em grande medida, com a baixa filiação sindical que existe em Espanha. Se não participamos nas suas discussões, se não fazemos nada para mudar a correlação de forças que possa existir no seu seio, se não lhes damos muito mais força com a nossa presença com que direito podemos dizer depois que os sindicatos são simplesmente uns traidores?

Mas creio que o que aconteceu que não tem a ver apenas com a baixa filiação sindical.

Em quarto lugar, parece-me que o que acaba de acontecer tem relação com o facto de que nos últimos tempos os sindicatos têm vindo a desempenhar um papel que na realidade não lhes compete.

O partido socialista, que segundo a sua declaração de intenções face à cidadania supõe que deveria ser a organização maioritária que enfrentaria a direita e os poderes económicos, simplesmente desapareceu sem sequer combater e o governo do seu secretário geral limita-se a aplicar as receitas que lhe ditam, actuando como um partido mais da direita económica, enquanto a imensa maioria dos seus militantes mantém um silêncio cúmplice e que já começa a produzir, para além de terríveis consequências, até vergonha porque não são capazes de dizer em público nem nos seus agrupamentos o que dizem em privado.

E, para além do PSOE, existe simplesmente uma esquerda debilitada durante anos pelas suas querelas internas, pela presença de muito discurso caduco, fragmentada, por trás da qual há uma minoria muito militante mas um exército de pessoas cansadas, frustradas, desmobilizadas e que, em suma, se limitam a pontificar frente aos ecrãs do seu computador mas que na hora da verdade nem sequer vota em quem poderia ser a expressão da sua radicalidade e descontentamento.

Quero dizer com isto que se está a pedir aos sindicatos que assumam o papel de referentes da esquerda política e que actuem como tais enfrentando-se constantemente com o governo, que resolvam a partir da luta sindical o que a esquerda política deveria resolver, e isso é simplesmente impossível.

Por isso creio que nestes momentos há que fazer ver aos sindicatos que se enganaram mas há, ao mesmo tempo, que nos fazer ver a nós mesmos que também erramos quando nos deixamos levar pela passividade, pelo sectarismo ou por um radicalismo que nada tem a ver com a realidade em que estamos.

E isso significa actuar em várias frentes, e não apenas na da crítica às COs e à UGT.

Significa mobilizar-se para explicar às pessoas o que de verdade acontece com a crise e as pensões.

Significa filiar-se em maior medida nos sindicatos para poder influir de verdade nas decisões que tomem as duas grandes centrais.

Significa não dedicar nem um minuto a reproduzir o discurso anti-sindical da direita e combatê-lo em qualquer sítio para evitar que a sua omnipresença acabe por ser generalizadamente assumida.

Significa pedir aos sindicatos que rectifiquem mas fazê-lo fraternalmente e não causando-lhes um maior debilitamento.

Em definitivo, esta decisão errada dos sindicatos, a meu ver, é uma prova mais de que a crise que estamos a viver em lugar de fazer que o capitalismo se afunde, como muitos criam que ia acontecer, está a reforçar o poder de quem o mantém.

Por isso gostaria de terminar esta reflexão com uns parágrafos do meu último livro La crise de las hipotecas basura. ¿Por qué se cayó todo e não se ha hundido nada?, em que precisamente trato de explicar porque está a acontecer tudo isto.

Fazer frente à crise a partir de posições alternativas não consiste apenas em oferecer propostas diferentes das dos poderosos (…) É necessário dispor delas mas além do mais, e talvez de forma prioritária, há que fazer frente a este fracasso de interlocução entre a esquerda e as pessoas, para o que há que levar a cabo em primeiro lugar um grande projecto de convergência muito sincero e fraternal, com grande lucidez e, sobretudo, sem uma ponta de sectarismo mas sim antepondo a qualquer outra coisa os elementos transversais que permitam fazer malhas e construir redes para religar e coordenar o local e o disperso e para traduzir numa única língua as diferentes vozes e discursos da transformação social.

Por isso, se a esquerda e os movimentos alternativos em geral começarem a trabalhar para pôr em marcha práticas políticas com este outro signo, fraternais, de emoções e afectos, de reunião, de deliberação e debate para fomentar o conhecimento, a indignação, a rebeldia e a sabotagem pacífica em lugar de dedicar-se simplesmente a gerir ou simplesmente a radicalizar no papel os seus programas, talvez a saída da crise que vivemos e a as que virão fossem diferentes e conseguíamos meter para sempre nas lixeiras da história as práticas sociais que criam tanta frustração e dor desnecessárias.

É momento de criticar mas também de unir, não de autodestruir-se. E, sobretudo, é momento de avançar em direcção ao fortalecimento político. Se queremos que os sindicatos não voltem a deixar-nos por terra, como agora, façamos todo o possível para que em Espanha exista uma alternativa política de esquerda forte e unitária que dê força aos sindicalistas honestos, que tenho a certeza de que são a imensa maioria, incluindo tantos socialistas que também sentem a frustração de ver como o seu partido se suicida fazendo a política da direita.

Artigo publicado em attac.es, traduzido por Paula Sequeiros para esquerda.net

Juan Torres López
Sobre o/a autor(a)

Juan Torres López

Catedrático de Economia Aplicada da Universidade de Málaga (Espanha). Conselho Científico de Attac-Espanha. A sua página web é: www.juantorreslopez.com