Eduardo Gageiro, um rapaz de Sacavém

07 de junho 2025 - 21:27

O rapaz de Sacavém, quando a localidade perto de Lisboa, era um centro industrial, foi um fotógrafo da vida, um fotógrafo de pessoas, da mais simples e sem status, a todas as figuras importantes da política ou das artes.

porNuno Pinheiro

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Eduardo Gageiro foi um fotógrafo da vida - da vida de Portugal, dos anos 50, aos dias de hoje
Eduardo Gageiro foi um fotógrafo da vida - da vida de Portugal, dos anos 50, aos dias de hoje

Há poucos dias foi o Salgado, agora o Gageiro, dizemos adeus a grandes fotógrafos e grandes homens. O rapaz de Sacavém, quando a localidade perto de Lisboa, era um centro industrial, foi um fotógrafo da vida, um fotógrafo de pessoas, da mais simples e sem status, a todas as figuras importantes da política ou das artes. É a vida de Portugal, dos anos 50, aos dias de hoje, a passar pelas objetivas de Eduardo Gageiro.

Começou com aquilo que era a imagem de Portugal em meados do século XX, a mulher de negro da Nazaré. É uma imagem que prolonga o pictorialismo do início de novecentos e uma armadilha na qual até Cartier Bresson caiu em 1955. A “Viúva da Nazaré” de 1963 valeu-lhe inúmeros prémios e uma capa do “Século Ilustrado”, foi a sua porta de entrada para a fama. Num panorama de fotografia bastante fraco em Portugal (o do início dos anos 60), tornou-se rapidamente num dos fotojornalistas mais importantes.

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Os caminhos levaram-no, felizmente, mais para a fotografia social e objetiva que Paul Strand, continuando por Brassai, Cartier Bresson, Walker Evans ou W. Eugene Smith faziam então. Algumas das suas fotografias de Lisboa nos anos 60 fazem lembrar “The Family” do citado Paul Strand na disposição dos grupos e na ambiguidade entre a pose e a espontaneidade. Tinha começado no pictorialismo tardio, mas ia libertar-se dele, e, sobretudo, libertar dele a fotografia portuguesa.

Os rodapés dos telejornais falam dele como fotógrafo do 25 de abril, mas foi também o fotógrafo da última década da ditadura, do aparato repressivo de cães e polícias de choque, ao pagar promessas, relacionadas com uma guerra cuidadosamente censurada, em Fátima. Um menino vestido de soldado entra no santuário. Esses tempos têm um lado mais ligeiro, Amália numa rua de Lisboa.

Também foi, claro, um dos fotógrafos do 25 de abril, muitas imagens dos acontecimentos, mas, sobretudo a tão simbólica retirada do retrato de Salazar que resume os acontecimentos numa única imagem. Igualmente simbólicos são os caixotes dos retornados amontoados junto ao Padrão dos Descobrimentos. O símbolo do império e o seu fim.

O prestígio conseguido libertou-o um pouco das “hard news” e levou-o para trabalhos de fundo ou de maior prestígio, como o retrato de figuras relevantes da sociedade portuguesa. São interessantes, mas nem sempre os mais marcantes. Valem a pena quando mostram facetas menos conhecidas das personalidades. Sampaio maestro, ou Ramalho Eanes com os seus relógios. Fotografou Vieira da Silva, Amália, Torga, Cardoso Pires, Sampaio, Cunhal, Otelo, Lobo Antunes, Maria Lamas. Também Fátima, o Largo do Carmo, a Ponte (25 de abril) em construção. Emigrar, trabalhar, comer, rezar, é a vida que nos mostra.

Há pouco mais de um ano tivemos uma grande exposição do seu trabalho, ocasião para ver muitas das suas imagens, as mais e as menos conhecidas. Foi um sucesso pelo público e pela qualidade do trabalho.

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De Gageiro, um dos melhores fotógrafos da geração seguinte, António Pedro Ferreira, disse que era a razão para se ter tornado fotógrafo. Será uma ideia partilhada por muitos os que começaram a trabalhar a partir dos anos 70. Tinha fama de personagem difícil, de osso duro de roer, defendia intensamente a sua posição, mas sempre o vi pronto a partilhar conhecimento, a trocar ideias, fosse com colegas experimentados, fosse com os que davam os primeiros passos.

Encontrávamo-nos sempre nos locais onde “paravam” os fotógrafos, em tempos o Libersil (laboratórios) ou a loja do Sr. Peixoto (material em 2ª mão), foi num desses locais, a Colorfoto, que lhe dei um último adeus, estava na parte do laboratório, um grande sorriso e um grande adeus. Ao longe porque não quis incomodar, claro, mas agora vejo como a ocasião perdida para lhe dizer quanto o admiro. Mas acho que ele sabia.

Nuno Pinheiro
Sobre o/a autor(a)

Nuno Pinheiro

Investigador de CIES/IUL
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