Os “China Cables”, revelados pelo Consórcio de Jornalistas de Investigação, são a primeira fuga de informação classificada do Governo chinês que expõem detalhes sobre os campos de detenção daquilo que se estima ser pelo menos um milhão de pessoas.
Os documentos secretos, divulgados no passado domingo por um total de 17 órgãos de comunicação social, expõem a existência de um programa de lavagem cerebral de centenas de milhares de minorias étnicas muçulmanas no âmbito de uma rede de campos de detenção de alta segurança. É também divulgada a existência de um programa de inteligência artificial, o IJOP, que basicamente reúne dados de vigilância dos cidadãos e gera automaticamente a listagem de indivíduos a vigiar e deter.
Há muito que circulam rumores sobre estes campos, mas a China sempre negou a sua existência. O Governo de Pequim limitava-se a falar num programa voluntário de “educação ideológica e formação profissional”. Porém, esta fuga de informação vem comprovar a prática de detenções, punições e a participação forçada em programas de lavagem cerebral com o objetivo de levar os detidos a abandonarem as suas crenças e cultura. Os presos só saem dos campos de detenção após obterem uma avaliação positiva por parte do Partido Comunista Chinês.
As organizações de defesa dos direitos humanos têm vindo a denunciar estas detenções em massa. Estas estimam que, no total, sejam cerca de um milhão as pessoas detidas no âmbito deste programa de reeducação. Pensa-se que a maioria sejam membros da etnia uigur. Agora sabe-se que o ritmo de detenções poderá ser ainda maior. Só numa semana de 2017 terão sido detidos 15 mil habitantes da zona sul de Xinjiang.
BREAKING: We at ICIJ have obtained a NEW trove of highly classified Chinese govt documents, including the operations manual for China's concentration camps.
I served as ICIJ’s lead reporter for the China Cables, with 17 media partners from 14 countries.https://t.co/l1mMVajLVQ
— B. Allen-Ebrahimian (@BethanyAllenEbr) November 24, 2019
Um dos documentos mais importantes tem um total de nove páginas e é assinado por Zhu Hailun, um alto dirigente do Partido Comunista de Xinjiang, uma região a noroeste do país, com uma elevada concentração de minorias étnicas muçulmanas e onde se pensava estarem localizados alguns destes campos.
O documento é dirigido aos responsáveis pela gestão destes campos de "lavagem cerebral". Segundo noticiado pela BBC, nele podem ler-se orientações de gestão para estas prisões de alta segurança, como impedir a fuga dos detidos através do aumento da “disciplina e punição de violações comportamentais” e como promover “o arrependimento e a confissão”. Ou seja, a própria documentação do governo chinês, ao falar em impedir a fuga, vem contradizer Pequim quando afirmou que a participação era “voluntária”. As ordens são para que haja “videovigilância completa dos dormitórios e das salas de aula, sem ângulos cegos”.
Os detidos são apelidados de “estudantes” e o ensino de mandarim, “principal prioridade”, é um dos critérios obrigatórios para eles se “formarem” e poderem ser libertos. Outro critério é a pontuação obtida em categorias como “etiqueta”, “obediência”, “comportamentos amigáveis” e “mudança frequente de roupa”.
Para identificar e deter estas pessoas foram usados vários critérios. Um deles, segundo um dos documentos obtidos no âmbito dos “China Cables”, revela que cerca de dois milhões de pessoas foram sinalizadas apenas por utilizarem uma aplicação de partilha de dados. Após essa identificação, foram dadas ordens para uma investigação minuciosa a mais de 40.500 pessoas desse grupo inicial, com ordem de prisão imediata nos campos de detenção de qualquer pessoa em relação à qual não fosse “possível afastar suspeitas”. A gestão dos perfis é feita através de inteligência artificial, naquilo a que se pode apelidar de mandato de detenção gerado através de algoritmo.